“Não deveria ser comum uma pessoa sentir frio dentro de casa”. Testemunhos de pobreza energética chegam ao Governo
Mais de 300 testemunhos entregues ao Governo denunciam a falta de condições térmicas nas casas em Portugal, tanto para aquecer como para arrefecer. Inquilinos pedem mais apoios públicos.
A associação ambientalista Zero entregou ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática 315 testemunhos de pessoas em situação de pobreza energética. O objetivo é dar visibilidade a esta problemática que assola o país uma vez que, de acordo com o gabinete de estatística europeu Eurostat, Portugal é um dos piores em matéria de pobreza energética.
Conforme as estimativas da proposta da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2021-2050, entre 1,2 e 2,3 milhões de portugueses vivem em situação de pobreza energética moderada e entre 660 e 740 mil pessoas encontram-se numa situação de pobreza energética extrema. “Contudo, a realidade pode ser mais grave do que a estimativa apresentada”, escreve a associação na nota divulgada esta terça-feira.
“Todos deveríamos ter uma habitação com conforto para viver“; “Não deveria ser comum uma pessoa sentir frio dentro de casa em Portugal“; “Tenho problemas respiratórios, sou sozinha e estou todo o inverno doente” — são algumas das considerações que surgem nas respostas do inquérito conduzido pela Zero.
O período de recolha de testemunhos decorreu online entre 28 de fevereiro a 27 de março de 2023. As respostas tiveram origens em 118 concelhos onde a maioria (54%) diz sofrer de “frio” e de “calor” dentro de casa — ainda que o “frio” tenha sido assinalada como a causa principal de desconforto térmico.
Quanto às condições das habitações descritas, os inquiridos apontam humidade, bolor, infiltrações, construções antigas, fraco isolamento térmico e janelas/caixilharias antigas como as mais comuns.
“Muita humidade, infiltração, todos os invernos algumas paredes externas ficam negras, e como algumas são de pedra o que torna o interior muito frio de inverno”, lê-se numa das respostas. “Quando ligo o aquecimento, algumas paredes começam a escorrer água. As paredes estão sempre frias. Tenho infiltrações“, indica uma outra.
Relativamente aos comportamentos adotados para combater o desconforto térmico, as respostas da Zero indicam que, dentro de casa, os inquiridos recorrem mais frequentemente ao ar condicionado, aquecimento elétrico, aquecimento a gás e até lareiras/salamandras.
Mas existem outras, nomeadamente, os desumidificadores, as botijas de água quente, roupa quente e cobertores ou mantas que acabam por surgir como alternativa devido à “impossibilidade de comportar financeiramente uma climatização ativa”. Em último caso, segundo os inquiridos, a solução para combater o frio passa pelos estores e janelas fechadas.
“Colocar tiras adesivas de isolamento de janelas para evitar a entrada de frio, bem como nas bases das portas. Fechar persianas mal o sol se ponha e usar aquecedor e desumidificador (ainda assim pouco eficientes pois só atuam numa divisão). No calor, muitas vezes não abrir sequer persianas durante o dia e abrir janelas à noite na tentativa de refrescar“, indica a resposta de um participante.
Quanto às considerações finais, além das queixas sobre a falta de condições nos parques habitacionais e os custos adicionais inerentes ao recurso à climatização ativa, os inquiridos viram-se para os programas do Governo, denunciado o “excesso de burocracia” e a pouca eficiência.
Numa das respostas, um inquirido conta ter feito o pedido no programa Vale Eficiência “onde foi aceite”, mas que “nenhuma empresa responde ao pedido”, “devido ao excesso de burocracia e demora na conclusão do processo o que faz com que as empresas não aceitem novos pedidos“.
“É urgente criar políticas públicas efetivas que contribuam para a resolução deste problema que atinge todo o território nacional“, apela uma das respostas submetidas.
Em resposta ao Capital Verde, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática escreve que a entrega de testemunhos de pessoas em situação de pobreza energética “contribuirá para a discussão e definição de políticas públicas que permitam cumprir os objetivos identificados” na Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2021-2050, que esteve em consulta pública no ano passado.
Nesse sentido, o gabinete liderado por Duarte Cordeiro enumera os resultados das medidas adotadas que visam apoiar as pessoas mais carenciadas, desde logo através da tarifa social de energia que, em 2022, abrangeu 800 mil beneficiários — 751.126 da tarifa social para a energia elétrica e 50.243 da tarifa social de gás natural.
Além disso, será reforçado o programa da Bilha Solidária, que consubstancia um apoio à aquisição de gás engarrafado pelos consumidores domésticos beneficiários de tarifa social de energia elétrica ou das prestações sociais mínimas, no valor de 10 euros por garrafa de gás por mês. Nesse sentido, o MAAC frisa que esse apoio terá continuidade em 2023 e passará a ter uma dotação de três milhões de euros.
Já o programa Vale Eficiência, que visa atribuir 100 mil vales a famílias em situação de pobreza energética até 2025, será reformulado “com o objetivo de aumentar o ritmo de execução“, tal como já tinha avançado o ministro Duarte Cordeiro. À data, foram entregues 11.382 vales no valor de 18,2 milhões de euros.
“Temos insatisfação em relação aos vales de eficiência energética, (…) têm uma baixa execução quando comparado com os outros programas“, respondeu o ministro, a 10 de novembro na Assembleia da República.
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