“IVA zero” é aprovado hoje no Parlamento. Irá ter impacto na nossa carteira?
Medida desenhada pelo Governo com a produção e a distribuição deverá ser aprovada em votação final global esta quinta-feira. Partes vão fazer esforço, mas não há certezas de que resulte.
A proposta de lei do Governo que isenta de IVA mais de quatro dezenas de produtos alimentares vai ser sujeita a votação final global no Parlamento esta quinta-feira. A medida tem a aprovação garantida pela maioria do Partido Socialista e, se for promulgada pelo Presidente da República, como se espera, entra oficialmente em vigor no dia 18 de abril.
A aprovação será o culminar de um processo relâmpago que se iniciou com a apresentação da medida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, há menos de duas semanas, na tentativa de aliviar as despesas das famílias com mercearia básica. No entanto, persistem as dúvidas sobre a sua eficácia e nem o Governo tem a certeza absoluta de que o “IVA zero” vai mesmo aliviar a subida dos preços da comida, quanto mais fazê-los descer.
Sujeito às forças de mercado, e munido da experiência de redução e eliminação do IVA em vários produtos em Espanha, o primeiro-ministro tentou aumentar as chances de sucesso ao envolver outras partes da cadeia alimentar nesta missão. Depois do anúncio de Medina, António Costa assinou com as estruturas representantes dos produtores e dos distribuidores um “pacto para a redução e estabilização de preços dos bens alimentares”, respetivamente, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED).
Além de a distribuição ter assumido o compromisso de refletir a descida do IVA nos preços, não a incorporando nas margens de lucro, o Governo comprometeu-se com um pacote de apoios à produção “para conter o aumento dos fatores de produção causados” pela pandemia e pela invasão russa da Ucrânia. O pacto de oito páginas, que pode consultar na íntegra aqui, prevê a instituição de uma Comissão de Acompanhamento composta por múltiplas entidades, incluindo a ASAE, que os socialistas recusaram transpor para a lei do “IVA zero” na votação na especialidade, tendo sido contratada uma empresa privada para fiscalizar os preços dos alimentos, como noticiou o ECO já este mês.
Irão os portugueses, realmente, sentir a diferença do “IVA zero”? É a pergunta do milhão de dólares – ou melhor, dos 600 milhões de euros, que é o montante previsto de perda de receita fiscal com esta medida. Numa entrevista, o ministro Fernando Medina estimou que, aos preços de então, a eliminação temporária do IVA em mais de 40 categorias de produtos representaria uma poupança de 12 euros num carrinho de compras de 200 euros.
Mas tudo vai depender, sobretudo, do comportamento dos preços dos alimentos ao longo dos próximos meses. Se subirem menos, a poupança será, gradualmente, menor; se chegarem mesmo a descer, a poupança poderá ser maior. Para já, a estimativa rápida da evolução dos preços em março avançada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) apontou para um abrandamento da subida dos preços dos alimentos, que, sendo um sinal positivo para as famílias, é muito diferente de uma descida.
De que produtos se está a falar, afinal? São várias as categorias de compras abrangidas pela isenção de IVA até 31 de outubro, data em que está previsto o fim da isenção. É o caso de bens essenciais como o pão, as massas e o arroz, mas não só. Para chegar à lista final, o Governo contou com os contributos do Ministério da Saúde (para garantir que os produtos escolhidos se inseriam na definição de alimentação “saudável”) e da distribuição (que facultou a lista dos bens mais consumidos). Assim, do trabalho feito entre as partes, resultou que ficam isentos de IVA, nos próximos seis meses:
- Cereais e derivados e tubérculos, como pão, batata, massa e arroz;
- Legumes e hortaliças como cebola, tomate, couve-flor, alface, brócolos, cenoura, courgette, alho francês, abóbora, grelos, couve portuguesa, espinafres, nabo e ervilhas:
- Frutas em estado natural, como a maçã, banana, laranja, pera e o melão (não está incluída a melancia, como notou o deputado do PSD, Duarte Pacheco);
- Leguminosas em estado seco, especificamente o feijão vermelho e o feijão frade, bem como o grão (não inclui os produtos em frasco);
- Laticínios, como leite de vaca “em natureza, esterilizado, pasteurizado, ultrapasteurizado, fermentado e em pó” e queijos, mas também iogurtes e bebidas vegetais;
- Carne e miudezas comestíveis, frescas ou congeladas, como porco, frango, peru e vaca;
- Peixe fresco, congelado, seco, salgado ou salmoura, como o bacalhau, sardinha, pescada, carapau, dourada e cavala (excluindo o peixe fumado e conserva);
- Latas de atum em conversa;
- Ovos (só de galinha);
- E, por fim, gorduras e óleos, nomeadamente o azeite, óleos alimentares e a manteiga.
Depois da aprovação no Parlamento, a lei segue para Belém e deverá ser promulgada dentro de dias pelo Presidente da República. Em reação à medida, no final de março, Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar que o “IVA zero” contribua para o alívio na subida dos preços: “Vamos ver se as medidas agora aplicadas aos bens alimentares contribuem para a descida da inflação”, afirmou, em declarações transmitidas pelas televisões. Nem o Presidente arrisca ter certezas.
Fica a faltar a posição dos restantes restantes parceiros. Na quarta-feira, o ECO promoveu uma conferência em conjunto com a CAP, na qual também esteve presente o líder da APED. Os dois signatários do pacto do alívio de preços consideraram ser demasiado cedo para saber se os portugueses vão pagar menos na ida ao supermercado, mas mostraram-se confiantes de que o cabaz sem imposto poderá ajudar a que “os preços não subam tanto”, como afirmou o diretor-geral da APED, Gonçalo Lobo Xavier.
Posição semelhante à do líder da CAP: “Ainda vamos demorar muito a sentir o efeito [do pacto] na subida dos preços. A batata e a cebola duplicaram de preço; a ervilha subiu 60%. Por muito IVA que se tire, vou vender 60% mais caro do que antes”, afirmou, na mesma conferência, Eduardo Oliveira e Sousa.
Comissões de acompanhamento e empresas à parte, serão os portugueses a avaliar, no final, os efeitos práticos da medida. O descontentamento tem-se agravado, numa altura em que há muita contestação social nas ruas e muitas famílias sentem os impactos da perda de poder de compra. De acordo com a última sondagem, do ICS-ISCTE para o Expresso e SIC, que colocou o PS e o PSD praticamente em pé de igualdade nas intenções de voto e deu uma subida significativa ao Chega, o resultado fala por si: quase dois terços dos portugueses dão nota negativa ao Governo. Nos próximos meses, ficaremos a saber se dão também negativa ao “IVA zero”, ou se o pacto realmente serviu para aliviar o peso da fatura da mercearia.
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