Os esclarecimentos e as contradições na trama da TAP

  • Ana Petronilho
  • 7 Abril 2023

Decorridas as primeiras audições da comissão de inquérito parlamentar à TAP, são várias as contradições que saltam à vista e muitas as questões que ainda estão por esclarecer.

Já foram ouvidas quatro das 60 pessoas que vão à comissão parlamentar de inquérito à TAP. E não foram necessárias mais para estalar nova polémica a envolver mais membros do Governo e do PS na trama que rodeia a companhia. Entre os vários assuntos já discutidos, destacam-se seis que ficam marcados por algumas contradições e esclarecimentos (poucos).

1 – Quem pediu para Alexandra Reis sair da TAP?

De todos os pontos que envolvem o enredo, este parece ser o mais claro. Alexandra Reis saiu da TAP por iniciativa da CEO, que assumiu na sua audição que queria fazer uma reestruturação na administração da companhia e criar um novo cargo, o de Chief Strategy Officer, extinguindo a posição ocupada por Alexandra Reis. Christine Ourmières-Widener considerou que a então administradora não tinha o “perfil” para a nova posição e a 18 de janeiro de 2022 informou o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, dos seus planos. Também Alexandra Reis deixou claro que a sua saída da TAP aconteceu por iniciativa da CEO que lhe disse “quero que saias da empresa”, durante uma “reunião muito curta”, presencial, a 25 de janeiro de 2022, da qual lhe foi pedida confidencialidade. Nessa altura, a CEO terá transmitido a Alexandra Reis que o Governo estava de acordo. Um dia depois da conversa com a CEO, a 26 de janeiro de 2022, Alexandra Reis contou que acedeu “a essa solicitação, porque não queria, de forma alguma, criar um problema institucional no seio da comissão executiva da TAP”, realçou.

2 – Quem estava envolvido na saída de Alexandra Reis e sabia da indemnização?

A presidente executiva da TAP frisou que o seu papel nas negociações do acordo para a saída de Alexandra Reis se resumiu a “coordenação” entre os advogados que lideravam o processo e entre o Governo de quem recebeu o aval. Christine Ourmières-Widener recebeu uma mensagem de Hugo Mendes, a 2 de fevereiro de 2022, a informar que Pedro Nuno Santos autorizava a indemnização a Alexandra Reis e a pedir que fechasse o acordo. Já antes do aval ao pagamento da indemnização, a gestora tinha informado Hugo Mendes que queria fazer uma reestruturação na administração da companhia, considerando que Alexandra Reis não tinha o “perfil” para ocupar o novo cargo de Chief Strategy Officer. A 21 de janeiro de 2022, a ainda presidente da comissão executiva da TAP teve uma reunião secreta com Hugo Mendes via “Teams”, onde discutiram o assunto. A 25 de janeiro de 2022, por sugestão do Ministério das Infraestruturas, iniciaram as conversas com Alexandra Reis com o intuito de “ver se a mesma estaria disponível para sair e em que condições”. “Tive essa conversa com Alexandra Reis e ela ficou de pensar”, contou a gestora durante a audição parlamentar. O administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, diz que esteve à margem de todo este processo e que soube, por via informal, alguns dias antes do acordo. “Não estive na decisão, na elaboração, na negociação, nas conversas com advogados, nem com a tutela, nem conhecia os termos”, referiu no Parlamento Gonçalo Pires, acrescentando que “não foi surpresa a saída, até porque era conhecida a intenção da CEO de fazer alterações na comissão executiva”. Versão que contrasta com as declarações da presidente da comissão executiva que disse que teve “mais do que uma conversa” e uma “troca de mensagens” com Gonçalo Pires, enquanto se chegava a acordo. Mas não confirma se o administrador financeiro tinha conhecimento do valor da indemnização.

3 – Quais foram as razões para a saída de Alexandra Reis da TAP?

Christine Ourmières-Widener escuda-se no argumento do “perfil” para o novo cargo como justificação para a saída de Alexandra Reis da companhia aérea. Porém, a antiga administradora sublinhou ter dúvidas sobre os motivos que levaram à sua saída. “Entretanto li o relatório da IGF, onde li divergências irreconciliáveis”, e durante a audição da CEO “ouvi falar de organização, ouvi falar de perfil. Por isso, para mim não são claras as razões. O que posso dizer é que, relativamente à minha atuação na empresa, sempre tive uma relação cordial e de trabalho com todos os membros do conselho de administração e da comissão executiva, que me parece normal que haja algumas diferenças de opiniões sobre alguns assuntos, parece-me até salutar, […] sempre o fiz de forma muito construtiva”, salientou. E são sete as divergências com Widener que foram apontadas: a mudança da sede da TAP, a renovação da frota automóvel, a contratação de diretores e altos quadros, o travão de Reis à contratação da empresa britânica de software (Zamna Technologies) onde trabalha o marido da CEO da TAP, o otimismo do plano de reestruturação, a conversão de um empréstimo acionista em capital da TAP e, por fim, a contratação dos ATR (aviões bimotores de hélices).

4 – Havia interferência política na TAP?

Apesar de Alexandra Reis ter dito que nunca sentiu pressão política enquanto desempenhou as suas funções na TAP, o mesmo não diz Christine Ourmières-Widener. A presidente executiva da TAP revela que não esperava “tão alta pressão política” quando entrou na companhia aérea, o que dificultou o seu trabalho e o dos restantes trabalhadores porque não deixou a companhia “concentrar-se no seu negócio”. “Era fácil trabalhar com tanto ruído à volta da companhia? Tem sido muito difícil e ainda é. […] É triste ver que toda a gente quer criticar e garantir que a companhia não chega a bom porto”, afirmou a gestora. Foi então que o deputado do Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, aproveitou para questionar a gestora sobre um e-mail do ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, a pedir para adiar um voo de Moçambique que tinha como passageiro o Presidente da República, que, alegadamente, precisava de ficar mais dois dias em Maputo. Nesse e-mail, Hugo Mendes sublinhava que era importante manter Marcelo Rebelo de Sousa como aliado da TAP. A CEO disse que nesse caso fez questão de verificar se se tratava realmente de um pedido da Presidência da República. “No fim, não fiquei surpreendida ao perceber que o Presidente da República nunca nos pediria para mudar um voo, que teria impacto no resto dos passageiros”, esclareceu a presidente da comissão executiva. Ao encontro do que disse a CEO, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de frisar que não fez qualquer pedido à TAP para adiar o voo.

5 – Quem pediu a reunião com o PS?

Durante a audição de Christine Ourmières-Widener foi desvendado outro episódio de interferência política na TAP, implicando novos membros do Governo e do PS. Em causa está uma reunião da CEO com deputados do PS e com membros do gabinete do Ministério das Infraestruturas a 17 de janeiro de 2023, na véspera da sua audição no Parlamento para explicar a saída de Alexandra Reis da companhia. Além do deputado socialista Carlos Pereira – que no seguimento destas declarações foi substituído na comissão de inquérito por Hugo Costa –, a CEO disse que estiveram presentes “assessores, adjuntos e chefes de gabinete” do Ministério das Infraestruturas. E questionada novamente sobre o assunto, Christine Ourmières-Widener acabou por revelar a lista de quem esteve na reunião: João Brilhante (especialista em aviação), Frederico Pinheiro (assessor das Infraestruturas), Cátia Rosas (vereadora da CML), João Carlos Bezerra da Silva (chefe do Gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares), Maria Eugénia Correia Cabaço (chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas), Daria Shumskaya (assessora do Ministério dos Assuntos Parlamentares), Marco Rebelo (advisor do Ministério das Infraestruturas) e Ana Filipa Ferreira (adjunta da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares). A CEO frisou que o encontro partiu da iniciativa do Ministério das Infraestruturas, depois de ter feito uma “recomendação” à gestora para que se realizasse a reunião. Christine Ourmières-Widener esclareceu ainda que foi a tutela quem liderou a reunião. Depois da audição, o deputado Carlos Pereira disse que é natural a “partilha de informação” entre deputados, Governo e entidades, como a que aconteceu com a presidente executiva da TAP e acusou alguns partidos de “criar casos e ‘casinhos’”. E dois dias depois destas declarações, o ministro João Galamba contraria, em comunicado, a CEO e diz que foi informado que a TAP, na tarde do dia 16 de janeiro, “tinha transmitido o seu interesse em participar na reunião com o Grupo Parlamentar do PS”, a que “não se opôs, salientando que esta é prática comum destinada “à partilha de comunicação”. Já a ministra dos Assuntos Parlamentares referiu que só fez a “ponte” para marcar a reunião virtual, já que isso lhe foi solicitado e que não incluiu por sua iniciativa convites a Christine Ourmières-Widener.

6 – Medina sabia da indemnização?

O Ministro das Finanças disse no Parlamento que conhecia as razões que levaram à saída de Alexandra Reis da TAP, mas que não sabia que a ex-administradora tinha recebido uma indemnização. Versão que vai ao encontro das declarações de Alexandra Reis que contou que quando foi convidada para o Governo pelo ministro das Finanças, em novembro do ano passado, que não falaram “sobre a saída da TAP nem sobre a indemnização”. A ex-administradora afastou também o cenário de proximidade a Medina ao frisar que a única reunião que tinha tido com o ministro, anteriormente, aconteceu quando ainda era autarca de Lisboa. Alexandra Reis – que se cruzou com Stéphanie Sá da Silva na TAP, em cargos diferentes – assegura ainda que a sua relação com a mulher de Medina “era estritamente profissional e muito boa”. A ex-administradora aproveitou ainda para esclarecer que não mencionou Stéphanie Sá Silva na lista de pessoas que a pudessem ter indicado para o cargo de secretária de Estado do Tesouro, porque “não tinha por hábito” falar com a mulher de Medina sobre “temas do foro da vida privada ou de algo que estivesse minimamente relacionado com a situação profissional do marido” da diretora jurídica da TAP. “Nunca fiz essa associação em momento algum”, frisa. Questionada sobre encontros sociais com a mulher de Medina, Alexandra Reis fala em quatro situações: dois almoços após reuniões de trabalho enquanto ainda trabalhava na TAP e, “já em 2022”, um pequeno-almoço e um almoço que decorreu como um encontro de “antigas colegas, numa lógica de networking, que aconteceu com naturalidade”.

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