Empresários “censuram” Governo, mas (ainda) seguram Costa
Novos episódios “chocantes” de interferência política na TAP voltam a minar a confiança dos donos e gestores das empresas portuguesas no Executivo socialista liderado por António Costa.
Os empresários e gestores portugueses não gostaram nada de assistir aos episódios mais recentes da “novela” TAP, com novas provas de interferência do Governo socialista na gestão da companhia aérea a serem disponibilizadas na comissão parlamentar de inquérito. Ainda assim, face ao ciclo económico e à falta de alternativas na política partidária, os responsáveis empresariais ouvidos pelo ECO alinham com os argumentos do Presidente da República de que o atual contexto não é (ainda) o mais propício para a abertura de uma crise política.
Recusando imiscuir-se nas prerrogativas constitucionais do Presidente da República, Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto, faz uma “leitura profundamente negativa” dos acontecimentos mais recentes. Notando que a informação partilhada pela CEO da TAP é “chocante”, mas “só veio caucionar” as críticas feitas desde o início à renacionalização de uma empresa “instrumentalizada politicamente em todo este processo, servindo uma estratégia de poder e uma agenda ideológica que só poderiam dar mau resultado”.
“A gestão operacional, como já se percecionava e agora ficámos a saber, é fortemente condicionada por membros do Governo, que não hesitam em interferir diretamente nas decisões da administração e impor critérios políticos e partidários no dia-a-dia da empresa. Este comportamento seria totalmente inaceitável em qualquer circunstância. Numa empresa que acumulou décadas de prejuízo e custou aos contribuintes mais de 3.000 milhões nos últimos dois anos, é uma ofensa e uma indignidade”, frisa Botelho. Por outro lado, espera que estas revelações “contribuam para um maior escrutínio da sociedade civil sobre certas escolhas políticas, impedindo que novas TAP’s apareçam no futuro”.
Também para Francisco Almada Lobo, CEO da Critical Manufacturing, ficou “claro que o Governo se imiscuiu na gestão da empresa, com decisões a serem tomadas com base em critérios políticos, em vez de económicos ou de gestão”. E concorda que a gravidade é “ainda maior” dado os custos envolvidos. O líder desta tecnológica criada por ex-quadros da extinta Qimonda, que este ano conta recrutar mais 200 pessoas, diz que é a Marcelo que cabe “avaliar a extensão do prejuízo total causado e a real possibilidade deste mesmo Governo inverter a forma como lida com as empresas do setor empresarial do Estado”. “Caso não obtenha garantias dessa inversão, não me parece que restem muitas alternativas à demissão do Governo”, acrescenta.
Cabe ao Presidente avaliar a real possibilidade deste mesmo Governo inverter a forma como lida com as empresas do Estado. Caso não obtenha garantias dessa inversão, não me parece que restem muitas alternativas à demissão do Governo.
Miguel Goulão, presidente da Assimagra – Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais, considera igualmente “preocupante” a interferência governamental na TAP, sublinhando que a participação do Estado “não lhe confere o direito de fazer tudo o que bem entender”. Quanto às consequências políticas, não crê que estes novos casos seja “razão suficiente” para o Presidente da República equacionar a demissão do Governo. No entanto, o porta-voz deste setor faz questão de realçar “o tique de prepotência que este Governo está a demonstrar, mostrando não ser merecedor desta maioria absoluta que obteve nas urnas”.
Não posso deixar de realçar o tique de prepotência que este Governo está a demonstrar, mostrando não ser merecedor desta maioria absoluta que obteve nas urnas.
“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?” É com recurso a esta expressão popular que o líder dos industriais portugueses do vestuário e confeção (ANIVEC) descreve mais esta tentativa “terceiro-mundista” de os governantes se “imiscuírem na gestão” da TAP e “instrumentalizarem” uma empresa que deve ser comandada por gestores profissionais. “Esquecem-se que estão a destruir em lume brando uma companhia que compete com as maiores a nível global e não pode estar a discutir com os ministros o que fazer no dia-a-dia. Tem de meter os aviões no ar e, de preferência, cheios”, concretiza.
Em conversa telefónica com o ECO, a partir dos Estados Unidos da América, César Araújo, que é também dono da Calvelex, uma das maiores empresas deste setor, aproveita para pedir “sentido de Estado e responsabilidade” aos dois maiores partidos. Contrapondo que a eventual demissão do Executivo liderado por António Costa “não leva a lado nenhum”. “Portugal precisa de paz, de estar concentrado em pôr a economia a crescer. Não precisamos destas crises existenciais”, sublinha o empresário.
Foi também antes da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa a afastar a dissolução da Assembleia da República, lembrando que a marcação de eleições antecipadas significaria “quatro meses de paragem”, que o líder da Associação Empresarial do Minho (AEMinho) começou por afirmar que “por princípio” é favorável à estabilidade e a que os Governos cumpram os mandatos para os quais foram eleitos pelos portugueses. “Ainda mais nesta fase de execução do PRR e do PT2030, entrarmos num cenário de eleições antecipadas traria custos enormes para o país”, corrobora Ricardo Costa.
Vivemos um clima quase diário de suspeição, tumulto político institucional e, consequentemente, social e económico. Se o caminho for devolver a palavra aos portugueses, seja. Sendo que qualquer cenário terá de envolver um enorme compromisso partidário de estabilidade.
Porém, adverte o empresário bracarense, CEO do Grupo Bernardo Costa, é preciso “urgentemente estabilizar e credibilizar as instituições” e terminar com o atual “clima quase diário de suspeição, tumulto político institucional e, consequentemente, social e económico”. “Se o caminho for devolver a palavra aos portugueses, seja. Sendo que qualquer cenário terá de envolver um enorme compromisso partidário de estabilidade”, detalha. Isto é, envolver, pelo menos, os dois maiores partidos, e “não apenas dos vencedores de eventuais eleições antecipadas”.
“São demasiados casos de incompetência, mas não temos alternativa neste momento para uma mudança”, sentencia o líder do grupo Laskasas, composto por três unidades industriais (mobiliário, estofos e artigos metálicos) e que fatura perto de 30 milhões de euros e emprega 500 pessoas. Para a TAP, “sorvedouro de dinheiros públicos há muitos anos”, Celso Lascasas pede que o dossiê da reprivatização seja “encerrado de uma vez por todas, de forma a travar a hemorragia financeira”, concluindo que “Portugal nunca será um país competitivo enquanto tiver este tipo de ineficiências estruturais”.
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