Novo dean da Porto Business School, José Esteves, frisa que gestores nacionais “pensam demasiado no presente e muito local”, desafiando-os a voltar à escola e a integrar mais diversidade nas empresas.
José Esteves, 52 anos, assumiu em março a direção da Porto Business School (PBS). Contratado à madrilena IE Business School, neste novo ciclo na escola de negócios da Universidade do Porto, o sucessor de Ramon O’Callaghan, que começou a carreira na Sonae e é pintor, hacker e consumidor de ficção científica nos tempos livres, vai contar com Patrícia Teixeira Lopes e Luís Garrido Marques na equipa diretiva.
Em entrevista ao ECO, o engenheiro informático que nasceu em Luanda (Angola), cresceu em Chaves, estudou em Braga (Universidade do Minho) e passou também pela americana Harvard Business School, considera que “os gestores portugueses pensam demasiado no presente e muito local”, defendendo as vantagens de um “estilo de gestão mais colaborativo, social, um pouco mais informal [e] com um modelo menos hierárquico”.
Esteve nos últimos 23 anos a viver e trabalhar em Espanha. Que visão de fora tem sobre a economia portuguesa?
Vejo na economia portuguesa a necessidade de mudar. Acho que, finalmente, todos os stakeholders se dão conta de que é preciso fazer qualquer coisa diferente na economia. Não acontece só em Portugal, em Espanha está a haver o mesmo debate. Tudo o que se está a passar — incluindo a guerra da Ucrânia e o tema da geopolítica entre China e EUA — está a obrigar a Europa a repensar. Era uma economia muito de serviços e falta toda a parte de produção [industrial] em que tem de ter um peso e um poder mais importante. Em Portugal estamos centrados em áreas como o turismo, mas devemos recuperar algumas indústrias. Há dias estive com a embaixadora neerlandesa, que me falou do têxtil. As marcas europeias produziam tudo na Ásia e já há várias que agora estão a fazer o nearshoring, outra vez a deslocalizar. E Portugal estrategicamente podia usar esta indústria, a que por vezes não damos muito valor, para ajudar a posicionar melhor o país.
É um defensor da reindustrialização?
Sim. Mas temos de pensar em indústrias de alto valor, como são a área dos chips e do desenvolvimento eletrónico, por exemplo. Venho da área da tecnologia e Portugal tem o talento necessário para isso. Temos uma educação muito boa ao nível das engenharias e do STEM [acrónimo em inglês para science, technology, engineering and mathematics].
Por outro lado, estamos a ver agora o boom da inteligência artificial (IA). Alguns países estão a criar Ministérios, Espanha criou uma secretaria de Estado da digitalização e inteligência artificial. Portugal não pode ficar para trás. Não se pode distrair, até porque tem o conhecimento. É um dos países que melhor forma pessoas e esta é uma forma de reter esse conhecimento.
O que deve ser feito a esse nível? Qual o tipo de abordagem tem de ter ao tema?
Na inteligência artificial ainda está tudo por desenvolver. O ChatGPT é só um pequeno sabor do que pode vir. Então, o potencial é tremendo. Acho que falta até a nível académico fazer investigação de alto valor. Há todo o tema de robótica, o uso da IA para fins industriais, sociais e na economia de serviços, aplicado a setores como o turismo ou a saúde. E não é só usar; Portugal tem de liderar o desenvolvimento da inteligência artificial. Para isso há que apostar mais em formação nesta área.
Como é que a PBS está a incorporá-la nos currículos e nas salas de aulas?
Há duas componentes na IA. Hoje, qualquer líder tem de ter um conhecimento fundamental, então vamos tentar educar os líderes sobre como a usar, em vez de terem medo e serem conservadores. Mas vamos fazê-lo de uma forma ética e justa porque a IA também tem esses aspetos que é preciso considerar. A próxima etapa é desenvolver formação específica na área da IA. Somos uma escola de negócios e, como tal, vamos sempre fazer a conexão entre a IA e o negócio. Não nos vamos dedicar à investigação pura e dura, mas vendo sempre o potencial nas empresas.
E nas salas de aulas?
Estamos a tentar que os alunos usem a ferramenta, como inteligência aumentada. Em vez de ter medo, que o aluno saiba aproveitar o que de bom faz a IA e incorporá-lo no desenvolvimento. Por exemplo, podemos, de forma intencional, dizer ao aluno que tem de usar o ChatGPT para desenvolver um plano de marketing e depois ele tem de saber discutir e melhorar esse plano. Não é fazer a confrontação homem – máquina, mas como a máquina nos pode ajudar a aumentar a nossa capacidade.
Na inteligência artificial ainda está tudo por desenvolver. O ChatGPT é só um pequeno sabor do que pode vir. O potencial é tremendo e Portugal tem de liderar o desenvolvimento da inteligência artificial.
Voltando à economia. Como pode o país aumentar o ritmo de crescimento do PIB?
Falta sair do ciclo de continuar a fazer o mesmo, esperando novas soluções. Falta repensar a economia. Temos de pensar quais são os setores estratégicos e como aumentar o valor naqueles que tem agora, como o turismo, por exemplo. Portugal tem de potenciar ainda mais alguns setores de forma estratégica, mas pensando com ambição. Às vezes o que falta aos portugueses é um pouco de ambição. Se pensamos pequeno, vamos executar pequeno.
Porque é que isso acontece?
Há uma componente cultural e outra que é educativa. Por exemplo, na sociedade americana estão habituados a serem champions, líderes. Quando estava em Harvard todos éramos os campeões. Eles inculcam isto desde pequenos, quando começam a vender limonadas. E tem a ver também a educação. As universidades portuguesas têm de se transformar. Não basta transformar a economia, se não transformarmos também a educação, que, afinal, é a que está a criar os líderes.
As escolas têm de ter um papel mais relevante nessa questão da ambição?
Exatamente. A ambição é pensar em grande. Há dias falava com alguém que me dizia que tinha um projeto de 50 mil euros e disse-lhe: ‘porque não pensas num projeto de 50 milhões?’. Se desde o início pensas num projeto de 50 mil euros, só vais desenhar o projeto para 50 mil euros. Temos de pensar grande; depois executamos conforme os recursos. Falta-nos essa capacidade e também a de ir lá para fora e mostrar o que fazemos. Muitas vezes falta visibilidade. Portugal tem de ajudar os académicos e os grandes líderes a irem lá para fora, até porque tem uma boa imagem em algumas áreas.
Os gestores portugueses pensam demasiado no presente, no dia-a-dia?
Pensam muito no presente e muito local. Dou sempre o exemplo da espanhola Inditex. É ir para fora, mas também usar as ferramentas que temos hoje, como o comércio eletrónico. É uma questão de repensar a logística, a forma de vender, mudar os processos. Mas hoje há meios para os negócios portugueses terem essa dimensão internacional. Às vezes ficam bloqueados por faltar apoio também. Essas perspetivas [mais ambiciosas no exterior] têm de ser financiadas. A Europa tem imenso dinheiro para este tipo de iniciativas, mas é preciso ajudar os gestores a procurar e a saber como obter dinheiro para este tipo de projetos. O financiamento devia ser mais reorientado para esta nova economia. Aí falha também a educação dos gestores.
Elogia o talento português e as competências técnicas, mas faltam competências de gestão nas empresas nacionais?
Tecnicamente estamos a formar muito bem as pessoas, mas temos de ter mais líderes com visão global. Os líderes hoje têm de ter características como capacidade de improvisação, aceitação da diversidade e entender a componente global. Estive recentemente com um grupo de alunos em Berkeley e poucos já tinham ido a São Francisco. Todos se apresentavam como empreendedores e inovadores, mas poucos conheciam a realidade de Silicon Valley. Quando vamos para fora não é só para fazer turismo, mas para compreender a realidade dos negócios. Faltam-nos essas imersões.
Um exemplo muito bom em Portugal foi a Web Summit, que mudou a comunidade empreendedora. Houve o choque de ter aqui todo o mundo. Se calhar precisamos de fazer o mesmo no resto dos setores: trazer mais para dentro esta perspetiva [internacional]. Porque o empreendedorismo mudou radicalmente e acho que foi por esta imersão. Não sei se foi planeada ou não, mas ajudou imenso os empreendedores portugueses a falarem com os internacionais.
Os empresários têm de passar a vir à escola mais vezes ao longo da vida?
Sim. Falo por mim: tirei engenharia informática e depois fiz o MBA, o mestrado em Finanças, o doutoramento, agora vou fazer outra pós-graduação. Com o que está a avançar o conhecimento, todos temos [de voltar à escola]. Uma componente é a da aprendizagem e outra é o próprio networking. Vir à escola é sair da mesma rede de contactos.
Dou sempre o exemplo dos espanhóis, que têm a cultura de fazer negócios de forma social. Depois do trabalho, quando têm discussões muito complicadas, vão tomar um copo e no dia seguinte já baixou essa tensão. Precisamos deste estilo de gestão mais colaborativo, mais social, um pouco mais informal. E com um modelo mais flat, menos hierárquico. Não se pode mudar a economia se não se mudam comportamentos e, inclusive, até as próprias estruturas organizacionais. Fazer coisas muito disruptivas nem sempre é bom, mas não fazer nada também não é bom. É importante que os gestores conheçam estas novas realidades.
Porque é que os perfis de engenharia são cada vez mais chamados para funções de gestão?
Está a acontecer muito isso em Silicon Valley. Tem a ver com a própria estratégia para o mundo dos negócios, em que as áreas STEM são muito importantes. Quando comecei na área de informática, até as grandes consultoras diziam que a tecnologia era tática, não era estratégica. E hoje abro os sites delas e falam em tecnologia. É preciso conciliar a parte analítica com a parte mais qualitativa. Nós, os engenheiros, estamos habituados a tratar problemas, a ter capacidade de improvisação. Faltam algumas soft skills, admito [risos]. Mas se calhar é mais complicado fazer a transição ao contrário [da gestão para a engenharia] porque tem a ver com o próprio desenvolvimento cerebral.
Deve haver incentivos fiscais para que se inove mais e também para atrair mais talento, como se fez com os nómadas digitais. (…) Em alguns setores específicos pode ser o próprio Governo, com financiamento europeu, a pagar parte do salário dessas pessoas, desde que se demonstre que há um impacto não só na empresa, mas também na própria economia.
A carga fiscal é um peso excessivo sobre as empresas em Portugal?
Se a carga fiscal mais baixa ajudar os líderes e os gestores a inovar e a investir noutras perspetivas, isso devia ser compensado. Está a acontecer noutros países. Se a empresa demonstra que está a ser feito um investimento para inovar, tem de ser compensada. Deve haver incentivos fiscais para que se inove mais e também para atrair mais talento, como se fez com os nómadas digitais. Mas tem de se pensar em fazer o mesmo com o talento interno.
Muitos quadros portugueses continuam a emigrar. O peso dos impostos sobre o trabalho é um dos fatores que está a levar à perda de talento?
Sim, totalmente. Principalmente no talento especializado. Vemos no Médio Oriente oferecerem benefícios salariais tremendos para atraírem talento especializado. Esse é um dos temas que tem de ser tratado.
E como se atraem imigrantes para Portugal, onde os salários não são tão atrativos? Que argumentos pode o país usar?
Faltam medidas a nível político para incentivar a captação desses imigrantes. Pode ter a ver com o tema da residência fiscal, o tema das famílias também é relevante – quando as pessoas se deslocam é preciso pensar em todo o ambiente familiar porque o indivíduo tem uma componente social, a família, os amigos. Em alguns setores específicos pode ser o próprio Governo, com financiamento europeu, a pagar parte do salário dessas pessoas, desde que se demonstre que há um impacto não só na empresa, mas também na própria economia. E depois ao nível da própria integração há que desenhar uma forma de ajudar as pessoas a entender a cultura do país, a integrar-se.
O que podem fazer as próprias empresas portuguesas? Não basta acenar com o sol e com a qualidade de vida.
Falta muitas vezes não só captar, mas manter esse talento. As empresas têm de se adaptar a essa nova realidade diversa. Por vezes há temas de competição interna, ‘o estrangeiro vem ganhar mais que o português, acha que sabe mais do que ele’. Há toda uma componente de integração e, por isso, as políticas de diversidade são importantes. Não sei se não há em Portugal uma cultura de muita competição e superioridade face aos estrangeiros, até porque não temos muita experiência a esse nível. Ao nível dos boards vê-se alguma coisa, mas acho que se faz mais por causa dos relatórios (ESG), não pela própria cultura. Nos EUA é precisamente o contrário. Se a pessoa é boa, aceita-se.
Mesmo na gestão de topo falta diversidade. Em vários aspetos, desde logo ao nível do género, mas também falta representatividade em termos de nacionalidades e de culturas. O sul da Europa, em geral, tem este defeito. A Espanha, a Grécia, a própria França tem esse problema de integração deste tipo de diversidade até na gestão de topo. Acho que é um problema endogâmico. Muitas vezes ouço dizer ‘não vou trazê-lo porque não compreendo a cultura’. Se calhar o problema não está na pessoa que não compreende a cultura, mas em quem não lhe explicou.
E como acha que pode melhorar a ligação entre o mundo académico e as empresas? De quem é a culpa desse afastamento crónico?
A culpa [desse afastamento] é de ambos. Falta nas universidades uma visão para não estarem tão dependentes dos Governos em termos de financiamento. Isso pode ser repensado. Há outro problema, que agora se debate muito no mundo académico, sobre o que é uma boa publicação. Inglaterra mudou isso: as universidades têm de ser avaliadas pelo impacto que tem a investigação que fazem. Aqui ninguém se preocupa se a investigação tem impacto na sociedade; o que importa é publicar numa revista de alto prestígio. Mas não basta só fazer investigação de alta qualidade. É preciso avaliar o impacto que essa investigação tem. E os investigadores não podem ser só medidos pelo número de publicações. Têm de ser desafiados, mudando também os seus critérios de avaliação.
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