A ambivalência do feedback: porque tanto falamos como fugimos dele?
Quando os colaboradores sentem que o seu contributo é importante, é mais provável que se mantenham leais, empenhados e produtivos. 15% é a redução de turnover em empresas que implementam feedback.
A gestão do talento e feedback são temas cada vez mais abordados nas organizações, pelo seu grau de importância e urgência. Sabemos que as organizações poderão ter a melhor estratégia, processos e procedimentos ajustados, mas se as pessoas não estiverem alinhadas e inspiradas para o seu propósito, dificilmente se comprometerão a acompanhar. 75% dos colaboradores que recebem feedback sentem que isso é extremamente importante para o seu trabalho. 45% dos inquiridos também valorizam o feedback dos seus pares e clientes, mas menos de 30% dos inquiridos recebem efetivamente feedback sobre o seu trabalho.
De facto, falar em feedback parece ser um tema tão simples, mas simultaneamente complexo pela multiplicidade de variáveis que impacta, com diferentes resultados dependendo da forma, do momento e do propósito com que é dado.
Nesse sentido, gostaria de sistematizar alguns pontos que poderão enriquecer a análise:
- Antes de mais, porque falamos em feedback?
Gerir talento exige conhecer a pessoa, as suas forças e áreas de melhoria e potenciar a sua evolução, alinhada com a cultura e estratégia organizacional. O feedback surge como uma ferramenta impactante neste processo, pois potencia uma maior autoconsciência, catalisadora, por um lado, do desenvolvimento de competências e, por outro, reconhecimento/ valorização. 82% dos colaboradores apreciam receber feedback (positivo ou de melhoria).
O feedback é uma das ferramentas essenciais no desenvolvimento e gestão de equipas, na medida em que permite alcançar os objetivos de forma mais efetiva.
Pode ser encarado como uma oportunidade de interpretar resultados, reforçar aspetos comportamentais positivos e identificar necessidades de desenvolvimento. 65% dos colaboradores dizem que querem mais feedback. 15% é o valor da redução de turnover em empresas que implementam feedback regular.
- Se o feedback é tão importante, porque fugimos/temos medo dele?
Em primeiro lugar porque receber e dar feedback tira-nos da nossa zona de conforto!
Primeiro, o feedback leva-nos a olhar para nós próprios com uma lente diferente que pode, muitas vezes, colocar em causa o “Eu Ideal” que tipicamente visualizamos em nós, ou seja, a pessoa que queremos ser. Com o feedback, que resulta das nossas interações, começamos a aceder ao “Eu Real”, a vermo-nos como somos, quais os nossos pontos fortes e fragilidades. Este torna-se um modelo de nós próprios, uma referência que pode motivar um processo de autodesenvolvimento, cuja necessidade pode estar mais ou menos presente.
Ainda que concordemos com a sua importância, vemo-nos muitas vezes em contextos menos propícios ao mesmo. Culturas que promovem a aversão ao erro e a procura de validar continuamente as nossas competências são indicadores da necessidade de uma partilha de feedback mais regular e com maior impacto.
Nesse sentido, e para promover uma mudança de mentalidade, a coragem torna-se numa peça chave. Segundo Brené Brown, “é preciso coragem para ser imperfeito. Aceitar e abraçar as nossas fraquezas e amá-las. E deixar de lado a imagem da pessoa que devia ser, para aceitar a pessoa que realmente sou”.
Susan David também nos fala da importância da coragem: “Escolha a coragem em detrimento do conforto, envolvendo-se dinamicamente com novas oportunidades de crescimento e aprendizagem, em vez de se resignar passivamente às suas circunstâncias.”
O feedback permite uma maior consciencialização sobre aquilo que somos e qual o impacto que temos nos outros.
- E o que ganhamos com uma cultura de feedback?
Uma cultura de confiança e transparência é igualmente promovida quando pedimos feedback. Com as preocupações sobre as constantes mudanças que estamos a vivenciar (guerra, inflação, recessão económica, por exemplo), somos confrontados com a necessidade de pedir o extra mile de forma cada vez mais desafiante. Por isso, deveremos ter em consideração que, quando os colaboradores sentem que o seu contributo é importante, é mais provável que se mantenham leais, empenhados e produtivos. 53% dos colaboradores dizem que apenas a avaliação de desempenho não os motiva a trabalhar mais e melhor. 43% dos colaboradores altamente comprometidos recebem feedback, pelo menos, uma vez por semana.
Estão também muito mais dispostos a dar a conhecer preocupações, sugestões valiosas para o negócio e ainda a “pedir ajuda”. Por outro lado, a incerteza em que vivemos também faz com que seja muito mais difícil obter um feedback honesto. Quando as pessoas se sentem ansiosas ou sentem que os seus empregos podem estar em perigo, são mais reticentes em falar, especialmente com a Direção.
Ainda que haja diversos benefícios, dar feedback nem sempre é fácil, sobretudo em situações mais delicadas. Por vezes fugimos do feedback com receio de magoar os outros, mas esquecemos que quando dado de forma assertivamente empática pode ter realmente um impacto transformador.
Nesse sentido, se promovermos uma cultura de feedback, garantidamente teremos ganhos quer no colaborador, quer na organização, permitindo alinhamento e foco face aos objetivos, clarificação sobre o que é esperado de cada um, maior engagement e desenvolvimento das equipas, bem como consolidação de relações de confiança, incentivando à comunicação honesta e à partilha de ideias.
Se, por um lado, os colaboradores se sentem energizados ao receber feedback, com impacto na performance e produtividade, potenciando a melhoria e aprendizagem contínuas, bem como o aumento da perceção de reconhecimento e valorização do seu trabalho; por outro, as organizações terão maior facilidade em mapear o talento, garantir maior alinhamento dos colaboradores com a estratégia da empresa, providenciando informação para a tomada de decisões estratégicas.
- Todos falamos em feedback, mas será que aplicamos as melhores práticas ao dar feedback?
A forma como damos feedback poderá ter um impacto positivo ou negativo dependendo de múltiplos fatores. Nesse sentido, podemos considerar seis boas práticas que potenciam melhores resultados:
- Comunicar de uma forma empática e assertiva
Falamos em empatia assertiva que significa preocuparmo-nos pessoalmente com o outro e sermos capazes de o desafiar diretamente. - Garantir um ambiente positivo – segurança psicológica – que promova o diálogo e que fique claro qual o objetivo da conversa
Sem clarificar e alinhar o contexto, essa conversa poderá ser encarada como uma perda de tempo, pouco produtiva, em que cada um se foca unicamente no seu objetivo individual. - Focar o feedback no comportamento e não na pessoa
Não impacta no que nós somos, mas sim no que nós fazemos. - Ser específico
Expor a situação com a apresentação de factos, evitando opiniões/juízos de valor. Quanto mais genérico for o feedback, menor é o seu impacto. - O feedback deve ser dado o mais próximo possível do acontecimento
No entanto, por vezes poderá ser necessário aguardar algum tempo, sobretudo perante situações de elevada tensão, garantindo maior objetividade. - Refletir numa estrutura para dar feedback
Um dos frameworks que poder orientar esta partilha é o modelo FEED: Foco: introduzir o tema e colocar o feedback em contexto; Exemplo: partilhar de forma factual qual o comportamento demonstrado e com exemplos; Empatia: perceber qual o ponto de vista do outro sobre a situação; Diálogo: apresentar a própria visão tendo por base a situação, comportamento e impacto, garantindo o compromisso do outro na concretização das ações de futuro.
- Dar feedback é importante, mas estaremos preparados para o receber?
Ainda que surjam diversas técnicas que podem orientar a forma como damos o feedback, nem sempre nos preparam para o receber. Dar feedback não é seguir um guião, ou fazer um check na nossa to do list. Vai muito além disso. Impacta-nos emocionalmente pelo nosso medo de causar desconforto no outro e como nos iremos sentir nesse momento, em que ambicionamos ser transparentes e autênticos, evidenciando igual abertura para receber feedback.
Feedback deve ser encarado como um processo bilateral que proporciona maior consciencialização das ações de cada um, promovendo o crescimento com foco num mindset orientado para o desenvolvimento/aprendizagem contínua. Porém, se não for dado de forma construtiva, no tempo certo e com um propósito claro, terá efeitos adversos a vários níveis.
Se nos devemos preparar para dar feedback, também nos devemos preparar para o receber. Nesse sentido, sucedem sete dicas que nos poderão ajudar a receber feedback:
- Não ficar na defensiva
O medo de magoar o outro ou de ter de lidar com comportamentos defensivos ou excessivas justificações, faz com que as pessoas hesitem em dar feedback a outra pessoa. - Escutar para compreender e não para responder
É fundamental desenvolver competências de escuta ativa ao prestar atenção ao que realmente é dito, suspendendo qualquer julgamento até ao final. - Validar a compreensão do que foi dito
Colocar questões para clarificar e pedir exemplos, potencia uma maior compreensão do contexto e a situação sobre a qual recebemos feedback. - Colocar as coisas em perspetiva
Deveremos ter em consideração de que quem nos dá feedback interpreta as nossas ações ou ouve as nossas palavras, através do seu próprio filtro e das suas experiências de vida. Não temos de concordar com tudo o que nos é dito, mas devemos refletir sobre os motivos que causaram essa impressão no outro. - Validar com outras pessoas em quem se confia
Podemos sempre procurar a opinião de outras pessoas em quem confiamos para confirmar o feedback. Isto pode ajudar, não só a validar, como também a compreender melhor o nosso impacto no outro. - Agradecer
Nem sempre é fácil para os outros partilharem feedback, principalmente quando estamos a falar de feedback construtivo. Em última análise, somos nós que beneficiamos dessa partilha. - Valorizar o feedback através de ações
A melhor maneira de garantir que continuaremos a receber feedback é acompanhar e partilhar as ações que tomámos com base no que ouvimos e fazer acontecer.
Assim sendo, o feedback permite-nos aceder aos nossos comportamentos a partir de diferentes pontos de vista. Se estivermos concentrados em defender-nos, perdemos a oportunidade de aprender e melhorar. Se estivermos disponíveis para refletir e integrar outras visões, ganhamos uma nova perspetiva sobre o nosso impacto, potenciando uma escolha mais consciente sobre o caminho que queremos seguir.
De facto, os benefícios associados ao feedback têm um elevado impacto no colaborador e na organização, pelo que é fundamental garantir consistência no dia a dia, promovendo um ambiente de transparência e confiança. Alguns exemplos que podem potenciar a implementação e ritualização do mesmo nas organizações passam por: praticar feedback em contexto seguro (role play, por exemplo), bem como garantir uma revisão periódica das boas práticas e de programas de peer coaching que apoiem os líderes e colaboradores na troca de feedback nos mais variados momentos, entre outros.
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