Poiares Maduro vs Pedro Marques: os fundos da discórdia
Partilham a experiência de tutelar os fundos comunitários. Poiares Maduros e Pedro Marques têm visões bastante diferentes sobre os dossiers. Os diferentes ângulos de análise podem gerar confusão.
Não é a primeira nem será a ultima vez que os fundos comunitários são usados como arma de arremesso político. A mais recente foi protagonizada pelos dois últimos titulares da pasta: o ex-ministro Miguel Poiares Maduro e o atual ministro Pedro Marques. Os ângulos de ataque foram essencialmente três: execução dos fundos, formação profissional e a relevância da contrapartida nacional no cumprimento do défice.
Vamos por partes.
Execução dos fundos comunitários
Em entrevista ao ECO, Poiares Maduro, o ministro do Desenvolvimento Regional de Pedro Passos Coelho, rejeitou liminarmente que houvesse qualquer tipo de atrasos na execução do Portugal 2020. “É totalmente falso” que o anterior Governo não tenha deixado nada preparado para executar os fundos europeus, disse o responsável.
“Quanto ao Portugal 2020, a comparação com o ano equivalente do QREN revela que a execução foi mais do dobro. No QREN foi 1,9%, no Portugal 2020 foi 4,5%. São dados públicos. Como é que foi tão mau se foi mais do dobro do programa anterior?”, questionou Poiares Maduro.
Quanto ao Portugal 2020, a comparação com o ano equivalente do QREN revela que a execução foi mais do dobro. No QREN foi 1,9%, no Portugal 2020 foi 4,5%. São dados públicos. Como é que foi tão mau se foi mais do dobro do programa anterior?
O ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, no ECO Talks, rejeita esta comparação que classifica de “habilidade e truques” que “põem em causa a credibilidade de quem faz comparações assim”. O atual ministro desmonta esta comparação explicando que Poiares Maduro está “a contar no Portugal 2020 com os fundos da agricultura e não contar com eles no QREN”. A não contabilização no QREN dos fundos de desenvolvimento rural era a metodologia seguida já que estavam “numa gaveta à parte” e por regra, o Executivo tenta divulgar os valores em separado (só Feder e Fundo Social Europeu) para que as bases sejam comparáveis.
Compreendo e respeito o meu antecessor, mas há ali umas habilidades, truques. Contar no Portugal 2020 com os fundos da agricultura e não contar com elas no QREN… A credibilidade de quem faz comparações assim cai completamente por terra.
Outro nível de análise tem a ver as dinâmicas dos próprios quadros comunitários. Ou seja, o QREN começou com atrasos, mas o Portugal 2020 também. Em ambos os casos foi necessário negociar com Bruxelas primeiro o Acordo de Parceria e depois os Programas Operacionais. No Portugal 2020, o país esteve sempre entre os primeiros a concluir essas negociações. Depois foi necessário definir os regulamentos dos PO e só a partir desse momento foi possível começar a lançar concursos. Os primeiros ainda aconteceram em novembro de 2014.
É inquestionável que a velocidade cruzeiro do Portugal 2020 começou a ser atingida em 2016 e que os níveis recorde de candidaturas de empresas o ano passado revelaram o grande apetite dos privados para investir — em cada concurso foram apresentadas propostas de investimento superiores a três mil milhões de euros, sublinhou Pedro Marques — permitindo ao Executivo terminar o ano com pagamentos diretos às empresas de 450 milhões de euros. Agora o ritmo de pagamento mensal às empresas já vai em 80 milhões de euros.
Mas a execução do Portugal 2020 como um todo, ou seja dos 25,79 mil milhões de euros, é mais alta do que a execução da fatia direcionada às empresa (Sistema de Incentivos). No final de 2016, a taxa de execução do quadro era de 11% e do Sistema de Incentivos 9,3%.
Mas Pedro Marques leva as críticas mais longe a Poiares Maduro porque, diz, o anterior Governo “endogeneizou nos fundos comunitários muita despesa do Ministério da Educação”. “O Executivo chegou ao fim do QREN sem dinheiro para implementar uma série dessas medidas. E passou automaticamente para o Portugal 2020 uma parte dessa execução”, disse no ECO Talks.
O ministro considera que a comparação com o QREN deve ser feita sem estes dois fatores: as operações validadas no QREN que transitaram para o PT2020 relativas a ensino profissional e a bolsas no Ensino Superior e os valores do PDR. Assim, os 4,5% de execução do Portugal 2020 apontados por Poiares Maduro descem para 0,85%, que então compraram com 1,9% de execução do QREN no mesmo período, segundo contas do gabinete de Pedro Marques.
Contudo, também no QREN houve operações que transitaram de quadro. Por isso, o mais correto será comparar uma taxa de execução de 3,6% do Portugal 2020 (sem PDR) com os 1,9% do QREN.
Num ponto ambos os responsáveis concordam: Portugal compara bem a nível comunitário em termos de execução. “Há pouco tempo estive numa conferência com a comissária europeia da Política Regional e ela lembrou-me que o primeiro país que tinha visitado foi Portugal por ser o que estava mais avançado na execução dos fundos europeus. E estava um ano adiantado em relação aos outros países”, contou Poiares Maduro ao ECO. No final de 2015 Portugal liderava a nível europeu a execução dos fundos e, no final de 2016, estava em segundo lugar. Portugal foi, inclusivamente, o país que inaugurou o sistema informático do quadro 2014-2020, confirmou o ECO.
“Portugal é historicamente um país bom executor de fundos, é reconhecido por isso por Bruxelas”, frisou por seu turno Pedro Marques.
Por isso, Poiares Maduro lamenta que o primeiro-ministro tenha criado “uma narrativa”, repetindo que “há atraso, apesar de ser muito fácil de verificar que não tem qualquer correspondência na realidade”. E exemplifica: “Em outubro ou novembro de 2015, pusemos a concurso mais de 8 mil milhões. Isso dá bem a ideia de que não havia nenhum atraso”.
De recordar que o atual Governo optou por adotar medidas de aceleração dos fundos comunitários, tanto para empresas como para as câmaras.
Formação profissional
A formação profissional é outro dos pomos da discórdia. Poiares Maduro reafirmou a opção política de “criar os incentivos certos” para que “a formação gere trabalho, emprego e melhore a competitividade das empresas e os salários dos trabalhadores”.
“Uma das maiores dificuldades que tivemos no Governo foi com as associações empresariais, por termos imposto a obrigatoriedade de haver uma comparticipação das empresas no domínio da formação-ação. Porque antes não havia essa comparticipação. O Estado financiava a 100% esse tipo de formação. E muita dessa formação era artificial. Como as empresas não tinham que investir nada, davam o nome e muita da formação era na melhor das hipóteses sem grande qualidade. Foi uma negociação difícil, mas impusemos essa contrapartida”, contou o ex-ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional.
Uma das maiores dificuldades que tivemos no Governo foi com as associações empresariais, por termos imposto a obrigatoriedade de haver uma comparticipação das empresas no domínio da formação-ação. O Estado financiava a 100% esse tipo de formação. E muita dessa formação era artificial.
O atual Governo entende que a aposta na formação profissional, através do programa Qualifica, “é uma reforma estrutural que voltou agora”. Pedro Marques garante que esta “não é uma continuidade” face às Novas Oportunidades, mas sim uma reforma estrutural.
“Não foi uma opção da troika interromper a formação de adultos em Portugal. Nunca vi a troika, com quem reuni de três em três meses enquanto deputado, dizer que era preciso pôr em causa o esforço de qualificação de adultos”, rematou o ministro no ECO Talks.
Não foi uma opção da troika interromper a formação de adultos em Portugal. Nunca vi a troika, com quem reuni de três em três meses enquanto deputado, dizer que era preciso pôr em causa o esforço de qualificação de adultos.
No quadro anterior, o QREN, houve 2,5 milhões de formandos, segundo Poiares Maduro. “Muitas vezes foram as mesmas pessoas que tiveram mais do que uma formação, o que, em si mesmo, também é já um indicador por estarem a fazer tantas formações sem conseguirem obter um emprego. Não foi por falta de formação [que não se melhoraram as qualificações]. Se olharmos para as estatísticas europeias, estamos acima da média europeia ao longo de muitos anos em matéria de investimento relativo do país na formação”, acrescentou o ex-ministro.
O Programa Qualifica é financiado em 50 milhões pelos fundos comunitários, através do Programa Operacional Capital Humano, e 59 milhões do Orçamento Nacional. Estes 50 milhões de euros de apoio aos centros Qualifica vão ser distribuídos em duas fases: a primeira com 40 milhões e a segunda com dez. Isto compara com o apoio de 11,2 milhões de euros concedidos aos anteriores centros. Apoios que são concedidos a fundo perdido.
Fundos comunitários e o cumprimento do défice
A polémica não é de agora. O Governo de António Costa tem sido sucessivamente acusado de ter reduzido os níveis de investimento público para conseguir cumprir as metas de consolidação orçamental. Uma redução que terá posto em causa a execução dos fundos comunitários já que requerem uma percentagem de comparticipação nacional.
Miguel Poiares Maduro verbaliza essa crítica: “Não tenho dúvidas que o défice público só foi cumprido devido a corte de investimento. E isso teve consequências ao nível do Portugal 2020, porque há uma contrapartida que tem que ser assegurada pelo orçamento nacional e que este Governo não estava em condições de assegurar”.
Não tenho dúvidas que o défice público só foi cumprido devido a corte de investimento. E isso teve consequências ao nível do Portugal 2020, porque há uma contrapartida que tem que ser assegurada pelo orçamento nacional e que este Governo não estava em condições de assegurar.
O ministro Pedro Marques refuta-a. A crítica “não faz sentido porque a taxa de comparticipação dos fundos é de 85%. Não tivemos a despesa de 25%, mas também não tivemos a receita de 85%”.
[A crítica] não faz sentido porque a taxa de comparticipação dos fundos é de 85%. Não tivemos a despesa de 25%, mas também não tivemos a receita de 85%.
Ora de facto o corte de investimento que o Executivo fez em 2016 comprometeu a execução dos fundos. O Conselho das Finanças Públicas sublinha que “no que se refere à receita não fiscal e não contributiva assinala-se a divergência na previsão [face ao Orçamento do Estado para 2016] da ‘outra receita corrente’ e da ‘receita de capital’, cujo desvio conjunto representa mais de três quartos do desvio da receita total, dos quais um terço reflete o menor volume de ajudas ao investimento provenientes da União Europeia”.
Contudo, as verbas que Portugal recebe da Comissão Europeia, no âmbito do Portugal 2020 são neutras do ponto de vistas das contas públicas. Ou seja, são contabilizadas como receita e como despesa.
Usando o exemplo citado por Pedro Marques: um projeto de 100 milhões de euros comparticipado a 85% pelos fundos comunitários, pesaria aos cofres do estado em 15 milhões. Os 85 milhões remanescentes são neutros do ponto de vista das contas. Mas claro teriam um efeito positivo na economia, já que é esse o propósito dos investimentos feitos com fundos comunitários.
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