Relação ‘chuta’ para tribunal de Execução de Penas a doença de Alzheimer de Salgado

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aumentou a pena de prisão efetiva de Ricardo Salgado de seis anos para oito anos pelos três crimes de abuso de confiança, que saíram da Operação Marquês.

O Tribunal da Relação de Lisboa considera que a questão da doença de Alzheimer de Ricardo Salgado é pertinente mas não agora. E que, mesmo que a doença fosse confirmada por perícia médica independente, feita pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, não poderia ser motivo para “concluir-se que o arguido estava impedido de prestar declarações ou que estava impedido de exercer o seu direito de defesa”. Mais: diz que a realização dessa mesma perícia “é um acto inútil, irrelevante e desproporcional”.

Esta quarta-feira, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aumentou a pena de prisão efetiva de Ricardo Salgado de seis anos para oito anos pelos três crimes de abuso de confiança, que saíram da Operação Marquês. Coletivo de juízes recusou o pedido da defesa e do próprio Ministério Público (MP) em realizar uma perícia médica independente à doença de Alzheimer, comprovada em relatório médico apresentado pela defesa.

A Relação de Lisboa chuta assim esta questão para o Tribunal de Execução de Penas, na altura da aplicabilidade da pena de prisão efetiva. “Não retratando a informação clínica de 1 de maio qualquer nova situação que não tivesse sido valorada na decisão de primeira instância, mas apenas o agravamento das consequências de doença que já foi valorada para efeito de determinação da medida da pena, também por força de tal documento (perícia médica apresentada pela defesa) não se impõe a realização de qualquer perícia médica nestes autos, relevando o referido agravamento para efeitos do cumprimento da pena aplicada nestes autos, a considerar, por isso, pelo Tribunal de Execução das Penas”, diz o acórdão, a que o ECO teve acesso. “Impõe-se, pois, concluir pela inadmissibilidade da junção do aludido documento nesta fase, muito embora o mesmo possa vir a ser relevante, nos termos referidos, já na fase de cumprimento da pena de prisão aplicada nos presentes autos”.

O processo de execução da pena nada mais é do que o cumprimento da pena pela qual um arguido foi condenado, a cargo do Tribunal de Execução de Penas. No caso da pena privativa de liberdade, essa execução ocorre com a ida do condenado para o estabelecimento prisional. No caso de multa, a execução ocorre com o pagamento dos valores estipulados na decisão judicial.

Em causa está o processo separado da Operação Marquês, no qual o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) foi condenado na primeira instância, em março de 2022, a seis anos de prisão efetiva por três crimes de abuso de confiança.

À data, o juiz presidente do coletivo, Francisco Henriques — o mesmo que pertencia ao coletivo que julgou Armando Vara por um crime de lavagem de dinheiro, também saído do Marquês — não leu sequer o que se poderia chamar de uma súmula do acórdão. Limitou-se a dizer que crimes estavam em causa, baseados em que transferências e valores correspondentes, a que penas Salgado estava condenado (quatro por cada um dos crimes) e a pena final, por cúmulo jurídico, de seis anos.

No acórdão, o juiz considerou que ficou provado que o ex-banqueiro sofre desta doença neurológica mas não referiu esse mesmo estado de saúde ao aplicar a pena de prisão efetiva de seis anos. Por um lado, admitiu que existia mas, por outro não ponderou esse fator para a aplicação da pena. Caminho idêntico foi seguido agora pela Relação, no recurso.

O que diz o acórdão em relação à perícia médica independente?

  • “Não obstante o valor de tal prova, não vemos o que, no caso, dela poderia ser retirado em benefício do arguido diferente do que já se retira da documentação clínica referida”. Ou seja, a perícia médica assinada pelo neurologista Joaquim Ferreira, apresentada pela defesa de Ricardo Salgado.
  • A realização da perícia médica independente “não podia ter a virtualidade de impedir o arguido de prestar declarações em julgamento, caso o mesmo declarasse pretender fazê-lo. E, fazendo-o, não se vislumbra que conclusões se impunha retirar de tais declarações face ao resultado da perícia médica, sendo certo que, fosse qual fosse esse resultado, o mesmo não permitira retirar qualquer conclusão quando à veracidade ou coerência das declarações eventualmente prestadas pelo arguido, ou à falta delas”.
  • O arguido “tem o direito de prestar declarações, como tem o direito de não as prestar, e não é a realização de uma perícia médica que ateste que o mesmo sofre de doença do foro neurológico, nomeadamente de doença de Alzheimer, que poderá servir para justificar a opção de não prestar declarações”, escreve o coletivo de juízes.
  • E acrescenta: “não seria também com base no resultado de tal perícia médica que poderia concluir-se que o arguido estava impedido de prestar declarações ou que estava impedido de exercer o seu direito de defesa. E muito menos que, em face de tal doença, atestada por uma perícia médica, não poderia realizar-se o julgamento. Aliás, com tal entendimento, nunca seria possível proceder ao julgamento de factos praticados por pessoa inimputável ou com imputabilidade diminuída”.
  • Não merece, pois, “qualquer censura o despacho recorrido quando considera que a realização de uma perícia médica, que eventualmente faria a demonstração de factos já demonstrados por atestado médico e demais documentação clínica, é um acto inútil, irrelevante e desproporcional”.

 

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