Swap da Metro de Lisboa é dos melhores negócios internacionais do Santander
Um dos swaps que faz parte do acordo entre o Governo e o banco foi listado como o melhor negócio internacional de setembro de 2005 do Santander. Conheça esta e outras controvérsias do caso dos swaps.
A 12 de abril, Governo e Santander Totta comunicaram que chegaram a acordo sobre os swaps tóxicos que as empresas públicas compraram ao banco. As partes desistiram dos processos em tribunal e o Executivo aceitou cumprir os contratos até ao fim, em troca de um desconto de cerca de 500 milhões de euros num empréstimo dado pelo próprio Santander. Um dos derivados comprados pelas empresas públicas aparece no topo da lista dos melhores negócios internacionais completados pelo Santander em setembro de 2005, com um lucro de 7,6 milhões de dólares.
Este é apenas um dos detalhes que mostra a dimensão, e a controvérsia, do caso. Mas há mais: há prova de que nem toda a informação foi transmitida pelo Santander ao seu cliente, há dados que revelam que todos os contratos apresentavam um valor de mercado negativo desde o primeiro dia, e há conclusão por parte dos juízes de que, à luz da lei portuguesa, estes contratos poderiam ser anulados.
"O primeiro swap da Metro do Porto está no topo da lista dos maiores negócios completados em setembro de 2005 internacionalmente, com um lucro de 7.562.500 dólares. Este tipo de atitude é a antítese da relação bancária.”
Ainda assim, no comunicado conjunto do Ministério das Finanças e do Banco Santander Totta, lê-se que “o Estado Português assegurará que as empresas cumpram as sentenças já proferidas pelo tribunal de Londres que reconhecem a validade dos referidos contratos e a conduta profissional do Banco Santander.”
Porque este caso é tudo menos plain vanilla, e pela dimensão dos custos em causa — há perdas potenciais avaliadas em 1,1 mil milhões de euros e custos adicionais com pagamentos em atraso que somam mais de 500 milhões de euros — os deputados da comissão de orçamento e finanças aceitaram um requerimento do PCP que pede toda a documentação relacionada com o caso, desde que ele deu entrada nos tribunais ingleses e até ter sido alcançado este acordo.
Ainda antes de toda a documentação ser conhecida, o ECO reuniu alguns dos pontos mais controversos do caso.
O swap no topo da lista dos mais lucrativos
A 23 de setembro de 2005, o swap que se viria a revelar o maior negócio do Santander naquele mês entrou em ação. Foi contratado por 17 anos e funciona em ‘snowball‘ — isto é, as subidas do spread a pagar pela empresa pública portuguesa são cumulativas.
De acordo com os termos do contrato, disponíveis na primeira sentença da justiça inglesa sobre o caso, o spread é recalculado trimestralmente e aumenta sempre que a taxa de juro de referência — a Libor a três meses — estiver abaixo de 1,5% ou acima de 8%. A primeira vez que a taxa de referência furou a barreira inferior do intervalo foi a 19 de dezembro de 2008. Nove meses antes, o Santander já tinha enviado uma declaração à Metro de Lisboa a dar conta de uma perda potencial em torno de nove milhões de euros.
Mas esta é uma explicação muito básica do instrumento — o seu funcionamento é de tal forma complexo que os peritos chamados pelas duas partes em disputa calcularam valores de mercado diferentes para a data de arranque deste spread. O perito convocado pelas empresas públicas, Ivan Harkins, diretor da consultora JC Rathbone Associates, avaliou o derivado num valor negativo de 12 milhões de euros. O consultor chamado pelo banco, David Evans, calculou o seu valor de mercado em 24 milhões de euros negativos.
A 1 de outubro de 2015, este mesmo swap já tinha um valor de mercado de 170,6 milhões de euros negativos, ou seja, esta era a perda potencial para a empresa pública, calculada àquela data.
Banco não transmitiu toda a informação
Nem toda a informação disponível sobre os swaps que estavam a ser comprados pelas empresas públicas portuguesas foi transmitida aos seus gestores. Por exemplo, houve uma análise de sensibilidade feita pelo Société Générale a um dos swaps vendidos à STCP cujos resultados não foram transmitidos à transportadora.
A primeira sentença do tribunal inglês sobre o caso conta a história, nos parágrafos 120 e 121:
“120. O swap da STCP tinha uma data de negociação de 2 de novembro de 2007. A Société Générale tinha feito uma análise de sensibilidade daquela transação. Enviou um email a Ms. Antunes [Cristina Antunes, responsável do Santander] com dados que mostravam que ‘num cenário de stress, pode-se perder até 389.368.711 dólares. Por favor confirme-nos que o seu cliente recebeu esta informação’.
121. De facto, a informação não foi transmitida à STCP, tendo a resposta do Banco Santander Totta sido ‘O que podemos garantir é que estamos conscientes da transação que queremos fechar’.”
A sentença inglesa nota que o Banco Santander Totta não deu nenhuma explicação para esta “resposta estranha”. Ainda assim, Cristina Antunes frisou que, tendo em conta que o swap não tinha nenhum limite superior, dependendo do cenário aplicado, seria teoricamente possível atingir qualquer valor.
“Esta resposta tem lógica, mas a falha na transmissão de informação é, porém, uma questão de preocupação”, reconhecem os juízes. Seja como for, mais à frente a sentença determina que “não pode ser dito com razoabilidade que a STCP não conseguia compreender a transação que comprou.”
A “conduta profissional” do Santander
O ministro das Finanças, Mário Centeno, e o Santander Totta, concordaram a 12 de abril que a conduta do banco foi “profissional”. Apesar de, depois de pesados todos os argumentos, as sentenças proferidas pelos tribunais ingleses sobre os casos não concluírem o contrário, algumas passagens das mesmas deixam claro que a instituição financeira não esteve isenta de críticas ao longo do processo.
E não foi só o facto de não ter sido prestada toda a informação sobre os contratos. Por exemplo, os juízes recordam também que o Santander, numa apresentação interna de novembro de 2005 que não partiu de Portugal, incentivava os colaboradores a vender produtos arriscados. “Think Big: don’t criticise ourselves. Reward Aggressiveness” — qualquer coisa como “Pensar em grande: Não nos critiquemos. Remuneremos a agressividade.” E somam: “É preciso que seja dito que há documentos que, embora não sejam típicos em toda a documentação, não abonam a favor do banco.”
O mesmo género de reparo é feito na sequência da verificação dos lucros obtidos pelo Santander com a venda do primeiro swap à Metro de Lisboa: “Este tipo de atitude é a antítese da relação bancária.”
Mais: os juízes concluem que “pedir às empresas públicas que continuem a cumprir as suas obrigações nos swaps é pedir-lhes, e a elas sozinhas, que suportem o peso dos efeitos adversos da crise financeira global.”
Todos os contratos com valor negativo
É outro dos pontos controversos deste caso: os nove contratos de swap que estiveram em tribunal tinham todos, desde o primeiro dia, um valor de mercado negativo. Ou seja, desde o dia 1 que as empresas públicas estavam confrontadas com perdas potenciais. E, mesmo assim, aceitaram comprar estes derivados financeiros.
Em tribunal, Cristina Antunes, responsável do Santander, reconheceu que as propostas do Santander para a Metro de Lisboa “não incluíam quaisquer testes forward ou de stress” porque o banco sabia, das negociações com o seu cliente, “que a Metro de Lisboa estava a levar a cabo a sua própria análise interna.”
Os valores iniciais dos nove contratos em causa, segundo os peritos que testemunharam em tribunal, eram todos negativos. Os juízes notam que as empresas públicas não tiveram acesso a estes dados no momento em que compraram os derivados — o banco não os disponibilizou, mas as empresas também não os pediram — e que a documentação do Santander aponta, tanto quanto é possível recuar no tempo, para valores positivos. A sentença interpreta esta diferença como a demonstração de que “o cálculo do valor de mercado de um swap” implica fazer um “juízo” sobre o mesmo.
Quanto valiam os swaps no arranque?
*Valor médio do intervalo. Fonte: Sentença de 4 de março de 2016, Tribunal Comercial inglês.
Gestores pensavam que estes swaps eram comuns
Os derivados financeiros eram estranhos, foram rotulados de tóxicos e especulativos pelo anterior Governo PSD/CDS-PP. Ainda assim, os gestores disseram em tribunal que achavam que estes eram produtos normais.
“Muitos bancos propuseram swaps snowball — estes não eram propriedade do Banco Santander Totta — e parece ser um instrumento comum nos mercados financeiros”, testemunhou Pedro Pinto, economista do departamento de planeamento da Metro do Porto. Esta afirmação foi usada pela defesa das empresas públicas para demonstrar a ingenuidade dos gestores portugueses. De facto, este tipo de swaps não é normal.
" Mr. Evans, que tem uma longa carreira de vendas, disse que nunca vendeu um swap snowball.”
“O número de snowballs vendidos pelos bancos ao setor público em Portugal não foi grande. Cerca de 14 no total foram vendidos pelo Banco Santander Totta”, contextualizam os juízes. “Mr. Evans, que tem uma longa carreira de vendas, disse que nunca vendeu um swap snowball. O tribunal considera (e isto não está verdadeiramente em causa) que estes instrumentos não eram de facto comuns no mercado de swaps como um todo”, continua a sentença.
Os juízes explicam que estes derivados eram “presumivelmente invulgares pelos riscos envolvidos”, mas não concluem que “isto mostre ingenuidade por parte de Mr. Pinto. Ele estava a falar de propostas e não de vendas.”
Lei portuguesa dava razão às empresas
“Se a lei portuguesa se tivesse aplicado aos swaps, as empresas de transporte teriam sido bem sucedidas”, lê-se na segunda sentença dos tribunais ingleses sobre o caso.
De acordo com o Código Civil português, se houver uma alteração anormal de circunstâncias, face ao momento em que o contrato foi fechado, que desequilibre completamente os direitos e deveres das partes, esse evento implica uma quebra do princípio da boa-fé. E, nesse sentido, pode aplicar-se um artigo do Código Civil que anula o contrato.
Ora, as empresas públicas assinaram um documento onde se comprometeram a resolver quaisquer diferendos com o Santander sobre os contratos em jurisdição inglesa. E assim que Maria Luís Albuquerque, que era a ministra das Finanças em 2014, pôs em causa a validade dos contratos, o Santander apressou-se a submeter uma ação nos tribunais ingleses para ver confirmada a validade dos swaps.
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