As medidas laborais de proteção dos “trabalhadores cuidadores”, aprovadas pela Lei nº 13/2023, de 3 de abril

  • Catarina Gomes Santos
  • 26 Maio 2023

Uma das medidas mais importantes será, indubitavelmente, a licença de cuidador (art. 101º-A), cuja configuração adotada pelo legislador nacional não deixa, porém, de suscitar algumas reservas.

No passado dia 1 de maio, entrou em vigor a Lei nº 13/2023, de 3 de abril, alterando o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Um dos aspetos mais relevantes da recente reforma laboral traduz-se no aditamento ao Código do Trabalho de uma subsecção, sob a epígrafe “Trabalhador cuidador”, contendo medidas destinadas à proteção dos trabalhadores a quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, nos termos da legislação aplicável (Lei n.º 100/2019, de 6 de setembro – Estatuto do Cuidador Informal).

Tais medidas são decorrência da Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores, e que o legislador nacional transporá já, parcialmente, em 2021, ao consagrar a favor do cuidador informal não principal o direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, “quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito” (art. 166º-A, nº 5 do CT, aditado pela Lei nº 83/2021, de 6 de dezembro).

Na nova subsecção do CT (arts. 101.º-A a 101.º-H), constam, agora, as seguintes medidas: uma licença de cuidador, não remunerada, de 5 dias úteis por ano, a gozar de modo consecutivo, mediante informação prestada à entidade empregadora com 10 dias úteis de antecedência; o direito a trabalhar a tempo parcial pelo período máximo de 4 anos, ou em regime de horário flexível enquanto se verificar a necessidade de assistência (condicionando-se, em ambos os casos, a licitude da recusa patronal, quando em contrariedade com o parecer prévio da CITE, à verificação judicial da existência de motivo justificativo para a recusa); a proteção em caso de despedimento (prevendo-se, a par de uma presunção de ilicitude do despedimento, a exigência de parecer prévio da CITE, e, em caso de parecer desfavorável, a necessária comprovação judicial da existência de motivo justificativo para o despedimento); e, por último, a dispensa de prestação de trabalho suplementar enquanto se verificar a necessidade de assistência.

Prevêem-se, ainda, dispersas pelo Código do Trabalho, outras medidas de tutela destes trabalhadores: o dever de comunicação à CITE em caso de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental pelo empregador (art. 114º, nº 5); o dever de comunicação patronal à CITE do motivo de não renovação do contrato de trabalho a termo (art. 144º, nº 3 ); e o direito a faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência “inadiável e imprescindível” em caso de doença ou acidente da pessoa cuidada (art. 252.º, nºs 1 e 2).

Uma das medidas mais importantes será, indubitavelmente, a licença de cuidador (art. 101º-A), cuja configuração adotada pelo legislador nacional não deixa, porém, de suscitar algumas reservas. Por um lado, e pese embora não constitua um imperativo nos termos da Diretiva, julga-se que teria sido de toda a conveniência consagrar-se uma licença remunerada, ao invés de uma mera dispensa da prestação de trabalho. Sairia, assim, reforçada a finalidade social de conciliação da vida profissional com a prestação de cuidados, em especial no plano da igualdade entre homens e mulheres, por saber-se, de antemão, serem estas a maioria dos cuidadores. Por outro lado, a exigência de um pré-aviso de 10 dias mostrar-se-á, as mais das vezes, desajustada em face da necessidade de prestação de cuidados, que se afirma, quase sempre, de forma imprevisível. Afigurar-se-ia preferível uma solução semelhante à prevista no regime das faltas (art. 253.º do CT), permitindo que o trabalhador cuidador pudesse beneficiar da licença sem cumprir (na totalidade) aquele pré-aviso, justificando a ausência ao trabalho logo que lhe fosse possível.

Em todo o caso, e embora não desmerecendo a importância destas medidas, o maior entrave à efetividade das mesmas residirá a montante, atendendo às dificuldades sentidas pelos cuidadores no reconhecimento do respetivo estatuto, condição para beneficiar da proteção legal destinada a permitir a conciliação da prestação de cuidados com a vida profissional (art. 5º, al. i) do ECI).

  • Catarina Gomes Santos
  • Professora assistente convidada da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

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