Sérgio Monteiro defende que havia alternativa a injeção na TAP que custa 75 milhões por ano aos contribuintes

O ex-secretário de Estado das Infraestruturas, que protagonizou o processo de privatização da TAP em 2015, defende que havia alternativa à injeção de 3,2 mil milhões para salvar a companhia.

Sérgio Monteiro defendeu na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP que teria sido possível intervir na companhia aérea durante a pandemia sem a injeção de 3,2 mil milhões, caso não tivesse acontecido a recompra de capital feita pelo Governo de António Costa em 2017. Nas suas contas, os contribuintes estão a suportar 75 milhões de euros por ano com o resgate da transportadora.

O antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações entre 2011 e 2015, defendeu que a privatização conduzida pelo Governo PSD/CDS continha “contratos e instrumentos legais que operariam em cenários adversos, improváveis ou extremos” como é o caso da pandemia, que o levam a afirmar que “havia alternativa” à injeção de 3,2 mil milhões de euros realizada no âmbito do plano de reestruturação.

O Estado tinha à sua disposição variáveis para intervir na pandemia”, defendeu, como a emissão de empréstimos contra garantias estatais, como fizeram outras companhias aéreas. “Os contratos de 2015 permitiam uma intervenção desse género, mediante adequadas contragarantias”, como ativos detidos pela empresa ou partes do capital. A TAP, recorde-se, foi privatizada em novembro de 2015 com a venda de 61% do capital à Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa.

“Mesmo numa intervenção mais musculada e intrusiva não teria de ser pago qualquer valor ao acionista pela sua saída. Os contratos permitiam o direito potestativo de aquisição pagando 10 milhões e ficando o Estado com toda a capitalização, bem como todo os ativos e passivos”.

Para o antigo secretário de Estado da equipa de Pires de Lima, isso não foi possível devido à recomposição do capital levada a cabo pelo Governo de António Costa, que alterou as condições impostas ao acionista privado. Cumprindo a promessa eleitoral, o Executivo socialista procedeu à recompra parcial do capital da companhia pelo Estado, de modo a ficar com 50% do capital da TAP SGPS. A operação foi aprovada em maio de 2016, mas só ficou fechada em junho do ano seguinte.

Na sua opinião, o relatório do Tribunal de Contas sobre a privatização e recompra do capital, publicado em 2018, “expõe aos olhos de todos os riscos do acordo de recomposição acionista” e apontava “riscos que se materializaram”.

Nas contas de Sérgio Monteiro, os portugueses estão a pagar 75 milhões de euros em juros pela dívida pública contraída para a pagar a injeção na TAP, ou 200 mil euros por dia. Para o antigo secretário de Estado, o Governo “pagou ao acionista privado para se livrar de um problema que tinha, ficando para nós”.

O ex-governante abordou também a reprivatização que o Governo tem em marcha. “Espero que o Governo seja bem-sucedido nesse processo e que o montante a encaixar sirva para pagar a dívida contraída” para a injeção de 3,2 mil milhões, afirmou, desejando também que a TAP “possa ver-se livre da intervenção politica tão negativa para os objetivos que prossegue”. Sérgio Monteiro, congratulou o facto de o pensamento político do Governo de que fez parte ainda seja dominante: “a necessidade de contas certas e hoje é absolutamente consensual, bem como a necessidade de libertar a TAP dos constrangimentos da gestão pública”.

O antigo governante considerou ainda que agora é mais fácil privatizar a TAP, porque já não tem o negócio de manutenção e engenharia no Brasil e vai ainda receber cerca de 700 milhões de euros no âmbito da recapitalização prevista no plano de reestruturação.

“TAP precisa de condições para ter papel crescente”

Quando questionado sobre o que terá levado o Estado a tentar privatizar a TAP, depois da renegociação de 2016 e do resgate de 2020, Sérgio Monteiro recorda o que se passou enquanto era secretário de Estado das Infraestruturas. “O Estado sente o mesmo constrangimento que nós sentíamos quando éramos Governo: a TAP, proibida de receber auxílios, precisa de condições para ter um papel crescente na economia. Daí compreender a necessidade de a vender agora”, referiu.

Sérgio Monteiro lembrou que, sem a privatização, a empresa teria de pedir um novo empréstimo de emergência, tal como tinha acontecido em 2013, que não podia durar mais de seis meses. “Em 2015, inevitavelmente, aconteceria a mesma coisa. A emergência de tesouraria seria a mesma, com custos mais elevados. Os relatos eram de uma tesouraria depauperada: ou havia privatização ou a necessidade de auxílio público. Não me parece que havia terceira via”, sinalizou.

No âmbito do atual processo de privatização, Sérgio Monteiro fixa como valor mínimo de encaixe 1,1 mil milhões de euros, dos quais 700 milhões são verba de recapitalização e os restantes 400 milhões estão relacionados com créditos fiscais passados. “É um ponto de partida”, notou o economista.

Tendo em conta o valor calculado por Sérgio Monteiro, “não deverá haver empresários nacionais para uma operação com esta grandeza“. Ainda assim, o ex-secretário de Estado diz que “traria conforto para o Estado” se o antigo acionista Humberto Pedrosa (ex-sócio da Atlantic Gateway e dono da Barraqueiro) fizesse parte de um dos consórcios. “É um empresário responsável”, elogiou.

Visões diferentes sobre as cartas conforto

Pedro Marques, ex-ministro das infraestruturas, deixou na véspera uma visão completamente oposta, acusando o Governo de Passos Coelho de através das cartas de conforto enviadas aos credores da TAP, na privatização de 2015, ter colocado todo o risco da companhia nas mãos do Estado.

Para aceitarem manter o financiamento à TAP na privatização de 2015, os bancos credores (CGD, Millennium BCP, BPI, Novo Banco e Santander) exigiram uma carta de conforto que garantisse que o Estado recompraria o capital (o chamado direito potestativo) e asseguraria o pagamento da dívida caso a empresa, já detida maioritariamente pela Atlantic Gateway, entrasse em incumprimento.

“Passamos de 100% do risco para 50% do risco com controlo estratégico da empresa”, argumentou Pedro Marques, defendendo a operação de recompra. “Defendemos o interesse público no sentido em que eliminámos uma situação em que o risco futuro caia todo sobre o Estado sem ter o controlo estratégico”.

Sérgio Monteiro trouxe uma visão diferente. O antigo secretário de Estado rejeitou que as cartas de conforto fossem para a dívida toda, porque o Acordo Relativo à estabilidade Economia e Financeira da TAP, assinado com a Atlantic Gateway, “evitava que o Estado tivesse de exercer o direito potestativo em condições piores do que na privatização”.

O ex-governante assinalou que a TAP tinha de depositar numa conta o valor das prestações dos empréstimos a pagar com 30 dias de antecedências, sendo esse um sinal de alarme caso os fundos não fossem lá colocados. Além disso, estava previsto um controlo mensal da situação financeira da empresa.

O mencionando acordo estabelecia que a TAP SGPS estava obrigada a manter capitais próprios consolidados equivalentes aos que tinha no dia anterior à privatização, acrescidos de 35 milhões. “O Estado tinha sempre um buffer de 35 milhões” caso exercesse o direito potestativo, apontou.

Além disso, a TAP estava também obrigada a manter uma dívida financeira líquida não garantida igual à que tinha no dia antes da privatização, menos 25 milhões. “Não acompanho quem diga que é a dívida toda, passada e futura”, afirmou Sérgio Monteiro, reiterou. A Atlantic Gateway estava ainda obrigada a cumprir os compromissos estratégicos, caso contrário podia ser exercido o direito potestativo.

Carlos Guimarães Pinto, da IL, questionou se as cartas de conforto não introduziam um risco assimétrico, porque se as coisas corressem mal o Estado tinha que recomprar a participação dos privados. “A realidade comprovou que isso não era verdade”, contestou Sérgio Monteiro. A dívida aos bancos “foi reembolsada a ritmo acelerado, porque o exercício do direto potestativo significaria perderem toda a capitalização”. Em 2020, dois terços dos empréstimos estavam reembolsados, acrescentou.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.

(notícia atualizada às 21h49 com declarações adicionais sobre processo de privatização de 2023)

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