Huawei ao fundo
Continua a haver aspetos que o Governo deveria esclarecer sobre a expulsão da Huawei das redes 5G. Eis alguns pontos que teriam a ganhar com um pouco mais de transparência.
A minha surpresa com a decisão portuguesa de expulsar fornecedores como a Huawei das redes 5G ilustra-se da seguinte forma: quando soube da notícia do Jornal Económico há uma semana (“Governo afasta tecnológicas chinesas das redes 5G nacionais”), confesso que desvalorizei. Desde 2020 que se sabe que a Huawei está fora do núcleo do 5G em Portugal, como noticiou o ECO na altura. Nunca imaginei que o país ousasse ir mais além.
Como é público e notório, estava redondamente enganado. A deliberação de um organismo do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, assinada a 23 de maio de 2023, impede as empresas de telecomunicações em Portugal de usarem equipamentos e de recorrerem a serviços de empresas que tenham sede em países fora da União Europeia (UE), da NATO ou da OCDE. Exclui também aquelas que, mesmo pertencendo a esses blocos, tenham cadeias de produção e abastecimento que “evidenciem relações de dependência” com países como a China.
Contudo, e muito mais relevante do que tudo isso, a decisão não se limita ao “núcleo do 5G”. Abrange toda a periferia das redes, incluindo as antenas. Ou seja, Portugal proíbe, desta forma, o recurso a praticamente toda a tecnologia com origem em empresas chinesas no desenvolvimento do 5G. E, provavelmente, abre a porta de saída da Huawei do mercado português, um negócio que, em 2020, empregava no país 150 pessoas.
Esta quinta-feira, no aniversário da Altice Labs em Aveiro, a mais recente controvérsia no 5G era o elefante na sala do qual ninguém parecia querer falar. A gestão de topo da Altice, que no setor se diz ser a operadora mais penalizada pela medida, ia dizendo aos jornalistas que não comentaria este tema. Após alguma insistência, lá deixou antever publicamente a perplexidade com a decisão.
“De uma primeira leitura, me ressalta evidente que o nível de agressividade desta medida é superior àquilo que me parece – volto a dizer, parece – ser noutros mercados”, disse Alexandre Fonseca, que agora está aos comandos do grupo Altice a nível internacional. A Altice Portugal está em “fase de entendimento”, vai elaborar uma análise e discutir os próximos passos com a casa-mãe.
Não tenho forma de saber se Portugal faz bem em expulsar tecnologia chinesa nem se os critérios para definir o que são fornecedores de “alto risco” são os mais adequados. Nem conheço toda a decisão, porque muita da informação mais concreta foi classificada pelo Estado e, por isso, é confidencial. Aliás, creio que serão poucas as pessoas no país que conhecerão a verdadeira dimensão desta medida. Alegadamente, cada operadora recebeu informação específica sobre a sua própria situação, o que, se for verdade, nenhuma das três (Meo, Nos e Vodafone) saberá ao certo o que foi pedido às concorrentes, enquanto a Huawei não terá sido tida nem achada neste processo.
Mesmo assim, posso dizer várias coisas. Primeiro, com a informação disponível, é muito difícil de compreender porque é que Portugal opta por uma medida desta dimensão numa altura em que já haverá mais de 7.000 antenas 5G instaladas no país. É o equivalente a erguer uma casa para, pouco depois de terminar a construção, ter de partir o chão e as paredes para passar os cabos e a canalização.
Segundo, entendo a sensibilidade do tema e porque é que há informação que não é tornada pública. Mas há mínimos olímpicos de transparência que, entendo, não estão a ser respeitados. O secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, Mário Campolargo – ou, no limite, o primeiro-ministro — já devia ter explicado porque é que Portugal entendeu seguir esta via. E os dados dos cidadãos, estarão seguros?
Se o Governo fez esta opção, estando ciente da mais do que provável degradação das relações com a China, então que a assuma. Em 2019, António Costa rejeitava no Parlamento adotar medidas “protecionistas a pretexto da segurança”. É um mistério: porque mudou de opinião?
Terceiro, que custos é que isto tem? Não se conhecem estimativas credíveis do valor aproximado da fatura de substituir os equipamentos que passam a ser proibidos, nem sequer, e mais importante, quem vai ter de a pagar. Mas nem falo só dos custos financeiros. Portugal foi o penúltimo país da União Europeia a lançar o 5G e, em 2021, o primeiro-ministro queixou-se que a lentidão do leilão de frequências da Anacom estava “a provocar um atraso imenso no desenvolvimento do 5G em Portugal”. Que impacto económico é que a deliberação pode ter no rollout das redes? E há impactos sociais?
Quarto, qual o papel do ministro das Infraestruturas, João Galamba? É quem tutela o setor das telecomunicações e esta é, discutivelmente, uma das decisões de política setorial mais importantes e consequentes dos últimos anos. Várias fontes têm notado que o Ministério das Infraestruturas não integra este dossiê nem a Comissão que produziu a deliberação. Integram-na, sim, entidades ligadas a outros Ministérios, como a Defesa, a Administração Interna e os Negócios Estrangeiros.
Uma fonte comentou que esta decisão terá implicações financeiras, implicações no tempo e implicações no espaço que só as operadoras conseguirão esclarecer. Também explicou que uma das grandes diferenças entre a deliberação e uma decisão regulatória é que a primeira não foi sujeita a qualquer consulta pública. Sem prejuízo da reserva que o assunto merece, continua a haver aspetos que o Governo deveria esclarecer.
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