Regresso da Luz Saúde à bolsa será o maior IPO em dez anos

A Luz Saúde deverá protagonizar o maior IPO desde os CTT em 2013, tem via aberta para entrar no PSI e se atingir a avaliação pretendida pela Fidelidade, será a 12.ª maior cotada da bolsa portuguesa.

Depois de uma passagem fugaz pela bolsa portuguesa, a Luz Saúde deverá interromper o movimento de debandada de empresas cotadas na Euronext Lisboa, numa operação que deverá ser a maior desde a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) dos CTT em 2013.

Nos últimos dez anos ocorreram apenas seis IPO na bolsa portuguesa, muito menos do que as 18 saídas registadas neste período. Uma destas seis entradas foi precisamente a da Luz Saúde, na altura ainda denominada Espírito Santo Saúde. A Greenvolt protagonizou a última entrada, em 2021, sendo preciso recuar a 2013 (privatização dos CTT) para encontrar outro IPO de dimensão relevante na praça portuguesa.

Depois de a Reuters ter noticiado que a Fidelidade estava a estudar o regresso da Luz Saúde à bolsa portuguesa, o ECO avançou com mais detalhes da operação, dando conta que o objetivo da seguradora controlada pelos chineses da Fosun passa por vender entre 30% a 40% do capital, avaliando a empresa acima de mil milhões de euros. Já foram selecionados os bancos coordenadores do IPO, que deverá avançar no último trimestre deste ano.

A concretizar-se estes valores, a Fidelidade encaixará mais de 300 milhões de euros com o IPO da Luz Saúde, duplicando a dimensão do IPO da companhia em 2014 (149,8 milhões de euros). Também superará o valor da entrada em bolsa da Greenvolt há dois anos (205 milhões de euros), ficando aquém dos 580 milhões de euros encaixados pelo Estado português quando privatizou a empresa dos Correios há dez anos.

Contudo, o IPO dos CTT em 2013 resultou na venda de 70% do capital, pelo que a Luz Saúde parte para a bolsa com uma avaliação superior. Analisando todos os IPO realizados na bolsa portuguesa, o regresso da Luz Saúde tem potencial para ser a quarta maior operação deste século. Ou quinta, se ficar atrás da REN.

A EDP Renováveis protagonizou o maior IPO, quando dispersou ações em bolsa no valor de 1.566 milhões de euros em 2008. Dois anos antes, o IPO da Galp Energia angariou 1.091 milhões de euros, sendo que em 2007 a estreia em bolsa da REN resultou num encaixe de 323 milhões de euros.

A concretizar-se o IPO da Luz Saúde, a operação decorrerá numa altura em que este mercado permanece muito fraco a nível global. Depois do quase congelamento em 2022 devido ao mau desempenho das bolsas, o número de IPO continua escasso num contexto em que os mercados acionistas estão a recuperar, mas persiste uma elevada incerteza sobre o rumo da economia. No primeiro trimestre deste ano, segundo dados da EY, foram concretizados apenas 299 IPO a nível global, que captaram 21,5 mil milhões de dólares, uma queda homóloga de 61%.

Nas bolsas Euronext a tendência é semelhante, segundo os dados fornecidos ao ECO pela maior plataforma bolsista europeia. Até ao final de abril foram realizados apenas 17 IPO no grupo de bolsas onde está integrada a praça portuguesa, um número em linha com o ritmo anual de 2022, mas bem distante do registado nos anos anteriores. Estas operações levantaram um total de 787 milhões de euros, uma pequena parcela dos mais de 26 mil milhões de euros angariados em todo o ano de 2021.

 

Entrada no PSI e clube dos dez dígitos

Uma nova empresa cotada representará sempre uma lufada de ar fresco na bolsa portuguesa, até porque significa a adição de uma companhia com uma avaliação potencial de dez dígitos e de um setor que não está representado em Lisboa e com uma expressão muito reduzida nas bolsas europeias.

“Qualquer IPO atrai sempre novos investidores, mas não será uma empresa bombástica na questão de rápido crescimento ou de especulação do produto. Ainda assim, encontra-se num setor que tem valorizado bastante ao longo dos últimos anos e pode ser um investimento rentável dependendo dos seus dados fundamentais”, refere Vítor Madeira, analista da XTB.

Se conseguir a avaliação pretendida pela Fidelidade, a Luz Saúde juntar-se-á ao clube das cotadas portuguesas com uma avaliação acima de mil milhões de euros na bolsa portuguesa. Um lote onde já estão 11 empresas nacionais e com mais duas à porta que já integraram o grupo (Altri e Greenvolt). Dentro do PSI, só a Mota-Engil, CTT e Ibersol estão longe desta fasquia.

A entrada da Luz Saúde no principal índice da Bolsa portuguesa também parece bastante provável, pois a cotada deverá cumprir vários critérios para integrar a carteira do PSI, nomeadamente ao nível da dimensão, parte do capital disperso e liquidez.

A Greenvolt entrou no PSI cerca de dois meses depois de entrar em bolsa e a Luz Saúde deverá ter um percurso semelhante. Nem será necessário remover qualquer cotada, uma vez que a composição do índice deixou de ter número fixo depois da última reformulação que retirou o 20 ao nome. Atualmente tem 16 empresas.

Múltiplos elevados

A integração no principal índice da bolsa nacional, uma capitalização bolsista de mil milhões de euros e a presença num setor de atividade com perspetivas de crescimento atrativas podem contribuir para o interesse dos investidores no IPO, sendo que estas características podem colocar a Luz Saúde no radar de investidores institucionais.

O interesse “dependerá sempre de métricas fundamentais, como por exemplo o dividend yield, que terá grande importância para esses investidores”, comenta o analista da XTB, alertando que “80% das empresas, quando entram em bolsa apresentam níveis de avaliação acima do seu ‘valor real’” e “o preço de mercado pode sempre divergir do seu “valor intrínseco”, pois quem vai decidir o preço será a oferta e a procura”.

Uma das formas mais fáceis de avaliar o preço de uma cotada que vai dispersar capital em bolsa passa por olhar para as cotações das empresas do mesmo setor que já têm capital disperso em bolsa. No caso da Luz Saúde, a tarefa não é fácil, pois é muito escasso o número de prestadores de cuidados de saúde admitidos à cotação nas bolsas europeias, sobretudo com foco em unidades hospitalares.

A italiana Garofalo Health Care, que dispersou capital em bolsa em 2018, tem atualmente uma capitalização bolsista inferior a 400 milhões de euros, o que implica um múltiplo de 17 vezes os lucros, 9 vezes o EBITDA e 1,6 vezes as receitas. A alemã Fresenius SE, que tem na gestão hospitalar apenas uma parte reduzida do seu negócio, tem múltiplos mais baixos: PER de 11,6x, EV/EBITDA de 7,6 e EV/receitas de 1,3.

A Luz Saúde, tendo em conta os resultados de 2022, apresenta múltiplos mais elevados se for assumida uma avaliação de mil milhões de euros, com um PER de 37 e um EV/receitas de 1,7. Contudo, quando a Luz Saúde iniciar o processo de entrada em bolsa fornecerá ao mercado perspetivas para a evolução do negócio que certamente vão influenciar os múltiplos da avaliação da empresa.

A empresa poderá ter concorrência no IPO de empresas deste setor, já que o Grupo San Donato, também tem como objetivo dispersar capital em bolsa este ano. Com receitas anuais de 1,6 mil milhões de euros, o maior operador privado de saúde em Itália já planeava entrar em bolsa antes da pandemia, tal como a Luz Saúde.

Avaliação crescente

Se regressar à bolsa com uma avaliação de mil milhões de euros, a Luz Saúde terá um valor de mercado bem superior ao IPO de 2014 e também ao preço a que a cotada foi comprada pela Fidelidade nesse ano. O Grupo Espírito Santo colocou a sua unidade de saúde em bolsa em fevereiro de 2014, com uma capitalização bolsista de 306 milhões de euros (3,2 euros por ação).

O colapso do grupo que controlava o BES precipitou a venda da Espírito Santo Saúde poucos meses depois, numa operação que atraiu um elevado número de interessados. A Fidelidade ganhou a corrida, pagando 5,01 euros por cada ação, avaliando a companhia em 480 milhões de euros. Agora pode chegar perto deste valor, vendendo menos de metade do capital.

Em 2018, no ano em que a Luz Saúde saiu de bolsa, a Fidelidade vendeu 49% da companhia ao seu acionista, por 267 milhões de euros (5,71 euros por ação), avaliando a companhia em 545 milhões de euros.

A Fidelidade tem agora a ambição de uma avaliação bem mais elevada para a empresa que cresceu substancialmente nos últimos anos. Através de aquisições, com destaque para o British Hospital, mas também de forma orgânica, como a expansão da sua maior unidade hospitalar (o Hospital da Luz em Lisboa).

O objetivo passa por continua a crescer, com a abertura planeada de duas novas unidades ambulatórias (Setúbal e Funchal) este ano e outras tantas em 2024 (Leiria e Figueira da Foz) e 2025 (Vila Franca de Xira e Santarém).

Dona de 14 hospitais privados, 13 clínicas em regime de ambulatório e uma residência sénior, a Luz Saúde conta atualmente com 13.819 funcionários, dos quais “cerca de 4 mil médicos” e “cerca de 3 mil enfermeiros”.

A companhia fechou o ano passado com receitas de quase 600 milhões, o que representa uma subida de 10,6% em relação ao ano anterior. Os lucros subiram 63,8% para 26,9 milhões de euros e o EBITDA cresceu 26,9% para 82 milhões de euros.


Em 2014, ano em que entrou em bolsa e foi comprada pela Fidelidade, a Luz Saúde consolidou receitas de 401 milhões de euros, um EBITDA de 57 milhões de euros e lucros de 18,1 milhões de euros. A dívida líquida totalizava 206 milhões de euros, situando-se no ano passado em 375 milhões de euros. Em 2014, a Luz Saúde realizou 1,6 milhões de consultas e perto de 57 mil cirurgias e partos. No ano passado, registou mais de 2,1 milhões de consultas e 64 mil cirurgias e partos.

Caso avance mesmo com o IPO, a Fidelidade fornecerá aos investidores um retrato exaustivo dos objetivos de negócio, metas financeiras e propostas de remuneração aos acionistas, que darão uma visibilidade mais clara sobre a sua avaliação potencial.

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