De espaços de escritórios a residências. A tendência já chegou a Portugal
A Savills estima que, desde 2014, tenham sido convertidos mais de 100.000 metros quadrados de espaços de escritórios. Crise habitacional e novas exigências para escritórios impulsionam as conversões.
Um sério problema no setor habitacional, a juntar às novas necessidades de espaço de escritório no pós-pandemia, com a emergência de modelos de trabalho híbridos e mais colaborativos, está a resultar na conversão de espaços de escritório, em residências, admitem empresas do setor imobiliário ouvidas pelo Trabalho by ECO. A Savills Portugal estima que, desde 2014, tenham sido convertidos mais de 100.000 metros quadrados de espaços de escritórios em usos alternativos, maioritariamente para habitação e hotelaria.
“A reconversão de imóveis de serviços em imóveis residenciais tem sido a base das novas promoções nos centros urbanos, quer a nível global, quer em Portugal. Exemplo disso mesmo são os mais de 100.000 metros quadrados de espaços de escritórios que estimamos que tenham sido convertidos em usos alternativos, desde 2014, maioritariamente para habitação e hotelaria”, refere Mariana Represas, capital markets associate director da Savills Portugal.
Gonçalo Santos, head of capital markets da JLL, considera também que esta é já uma tendência em Portugal, que já se via, aliás, noutros países, onde a conversão de lojas, armazéns e escritórios em residências se tornou uma “moda”, respondendo à falta de stock no mercado imobiliário residencial.
“Nos últimos dez anos, houve um aumento significativo nos investimentos em reabilitação urbana, e uma das principais abordagens foi a reconversão de edifícios de escritórios de menor dimensão para projetos residenciais. Esse fenómeno ocorreu principalmente nos segmentos médio-alto e alto, onde os valores de venda das futuras unidades residenciais superam consideravelmente o valor das unidades de escritórios, mesmo levando em conta os custos necessários para a reconversão”, explica em declarações ao Trabalho by ECO.
A reconversão de imóveis de serviços em imóveis residenciais tem sido a base das novas promoções nos centros urbanos, quer a nível global, quer em Portugal. Exemplo disso mesmo são os mais de 100.000 metros quadrados de espaços de escritórios que estimamos que tenham sido convertidos em usos alternativos, desde 2014, maioritariamente para habitação e hotelaria.
Uma realidade que, tendo em conta que a escassez de oferta de habitação reside, principalmente, nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, se tem verificado sobretudo nestas duas cidades, onde a taxa de reconversão deste tipo de espaços é maior. Mas que começa a alastrar-se a cidades de média dimensão, nomeadamente Coimbra, Setúbal e Funchal, adianta Gonçalo Santos.
Na origem da conversão de escritórios em habitação está a crise habitacional que Portugal enfrenta. “Como sabemos, Portugal enfrenta um problema crónico de falta de oferta em termos residenciais. Este fator alavancou a necessidade da existência de soluções alternativas como a reconversão de espaços de serviços já existentes em imóveis residenciais, à semelhança do que acontece nos outros países”, justifica Mariana Represas.
Uma solução? Sim, mas “insuficiente”
Ambas as consultoras de serviços imobiliários concordam que converter imóveis afetos a escritórios em residências pode contribuir para fazer frente à atual crise habitacional — “pode ser uma das soluções para aumentar a oferta no parque habitacional”, mas a medida é “manifestamente insuficiente”, refere Gonçalo Santos.
“Dada a discrepância entre o volume de procura e a oferta atual, esta medida é manifestamente insuficiente, pois os metros quadrados de escritórios passíveis de conversão em residencial não têm a necessária escala, se não for complementada por medidas adicionais, nomeadamente de incentivo à promoção de construção nova para os segmentos mais carenciados da população, como a classe média ou média-baixa“, sustenta.
E Mariana Represas concorda e acrescenta: “Esta solução pode realmente impulsionar uma maior oferta habitacional nos centros urbanos, a partir do momento em que seja possível ter uma resposta mais célere às necessidades que se verificam neste segmento de mercado, quer pela redução dos tempos de aprovações, desenvolvimento e também dos custos, libertando unidades a valores mais baixos”.
Para se utilizar um imóvel para fins residenciais, seja para habitação própria, aluguer de longa duração ou alojamento local, é necessário passar por um processo de alteração da licença do imóvel para habitação. “No contexto atual de grande atraso nos licenciamentos urbanísticos, este primeiro passo no processo pode demorar, pelo menos, um ano nas principais cidades”, diz o head of capital markets da JLL.
Juntamente como todo o processo burocrático, que pode ser bastante moroso — embora esteja já em discussão uma alteração ao Licenciamento Urbanístico que visa a simplificação destes processos — surgem os custos de adaptação e criação de infraestruturas adequadas à habitação. Encargos que “estão cada vez mais avultados”, refere Mariana Represas.
No reverso da moeda, “a liquidez do mercado residencial e uma rápida resposta às necessidades de habitação que se verificam em Portugal, aliados à reabilitação de ativos não ocupados, são vantagens que pesam neste tipo de operações”.
Além disso, “o desequilíbrio estrutural entre procura e oferta no mercado residencial continua a sentir-se, o que garante um escoamento relativamente rápido dos projetos”, completa Gonçalo Santos, salientando que estas conversões são, maioritariamente, no segmento médio-alto e alto, em que também a procura internacional continua “muito forte”.
Dada a discrepância entre o volume de procura e a oferta atual, esta medida é manifestamente insuficiente, pois os metros quadrados de escritórios passíveis de conversão em residencial não têm a necessária escala, se não for complementada por medidas adicionais, nomeadamente de incentivo à promoção de construção nova para os segmentos mais carenciados da população, como a classe média ou média-baixa.
O potencial de reconversão de um imóvel depende, contudo, de uma série de fatores, desde logo a localização. “Escritórios localizados em áreas urbanas centrais, próximos a comércio, transporte público e outros serviços. Estes são fatores que podem resultar num maior potencial de conversão em habitação”, refere.
Também a disponibilidade de estacionamento, o acesso a serviços básicos (como água, energia elétrica e sistema de esgoto) e os aspetos de segurança (como sistemas de incêndio e saídas de emergência) são aspetos a ter em consideração.
Finalmente, o espaço e o próprio layout do escritório também são importantes. “Um escritório com área e layout que possam ser facilmente adaptados, com um espaço aberto e flexível, como um escritório em open space, facilita a adaptação para diferentes configurações de quartos, cozinha e sala de estar para um imóvel residencial. A presença de janelas e a entrada adequada de luz natural são outros dos aspetos fundamentais para tornar um espaço habitável e agradável.”
De qualquer forma, “recomenda-se sempre consultar profissionais para realizar uma análise detalhada e avaliar o potencial de conversão de um escritório numa habitação”, diz Gonçalo Santos.
Novas exigências para escritórios abre espaço a usos alternativos
Os especialistas no mercado imobiliário consideram que há ainda outro fator que está a contribuir para que esta tendência já se verifique também em Portugal: as novas exigências para espaços de escritórios.
“Os requisitos para ocupação de escritórios que marcam este novo paradigma (espaços modernos e amplos, que proporcionem um crescente bem-estar aos seus utilizadores, a par das certificações de sustentabilidade e ESG) acabam por libertar espaços que não correspondem a estes mesmos requisitos, levando a que exista uma maior reconversão destes espaços para uso residencial”, afirma a capital markets associate director da Savills Portugal.
Gonçalo Santos fala também em espaços de escritórios com designs mais modernos ou plantas maiores em estilo open space, conjugados com requisitos de sustentabilidade. “Atualmente, a desocupação de edifícios fragmentados e incompatíveis com as procuras atuais no centro da cidade está a abrir cada vez mais espaço para usos alternativos, como o residencial”, admite o responsável.
Fator teletrabalho?
Um estudo divulgado pela consultora Knight Frank, que faz a gestão dos escritórios de 350 empresas de todo o mundo, em conjunto com a imobiliária Cresa, concluiu que cerca de metade das empresas multinacionais vão reduzir a área dos escritórios nos próximos três anos, o que pode também vagar mais espaços de escritório. O regime híbrido é um dos motivos.
Entre as companhias questionadas para o estudo, cerca de metade das maiores, as que contam com mais de 50 mil funcionários, dizem que vão reduzir entre 10% a 20% os espaços de trabalho. Já mais de metade (55%) das empresas abaixo de dez mil funcionários prevê uma redução menor do espaço de escritórios, aponta o Financial Times (FT) e o Guardian, que tiveram acesso ao estudo. Além disso, durante os próximos três anos, quase metade (47%) das empresas inquiridas planeia mudar de sede.
Esta alteração à procura por escritórios acontece quando 56% das empresas a nível mundial está a funcionar num regime híbrido, com os trabalhadores a dividir o seu tempo de trabalho entre a sua casa e os escritórios. Em Portugal, contudo, o teletrabalho parece estar a perder terreno um pouco por todo o país.
No quarto trimestre de 2022 havia menos 121,2 mil profissionais a trabalhar fora do escritório do que no trimestre anterior, fixando-se o número total de trabalhadores neste regime em 880 mil. Apenas Lisboa se mantinha acima da média nacional (14,4%), com 28,9% dos empregados a trabalhar neste regime.
Cerca de 30% dos profissionais portugueses com possibilidade de trabalhar fora do escritório praticavam o modelo híbrido, sendo que o home office era mais frequente em colaboradores com alta qualificação e idades intermédias, concluiu o estudo da Randstad divulgado no final de fevereiro.
Na Europa, para já, o mais recente estudo da Savills mostra que o mercado de escritórios no primeiro trimestre de 2023 começa a divergir significativamente, com Oslo, Praga e Madrid a registarem, respetivamente, aumentos de 50%, 19% e 5% em relação à média dos últimos cinco anos, enquanto Dublin, Budapeste e Lisboa registaram, respetivamente, quedas de 62%, 57% e 55%.
Em Lisboa, o ano passado registou o recorde no volume de absorção total de 272 mil metros quadrados mas o mercado enfrenta agora o desafio de não ter stock de qualidade suficiente para os inquilinos.
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