Óscar Afonso, novo diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), diz que “é uma desgraça a economia crescer tão pouco” e que o centralismo pressiona a "baixa produtividade" do país.
O novo diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), Óscar Afonso, desvaloriza a revisão em alta das previsões de crescimento para a economia portuguesa, dizendo ser “uma desgraça” o PIB subir “tão pouco com a quantidade tão significativa de fundos” que têm chegado e com o atual nível de endividamento do país. E, em entrevista ao ECO, avisa que “tão cedo as pessoas não vão ficar melhor”, apesar da melhoria dos indicadores macroeconómicos.
O professor catedrático que lidera esta escola criada há sete décadas e que tem quase 3.200 alunos inscritos neste ano letivo, um portista nascido há 54 anos em Miranda do Douro e que começou a carreira profissional no BPA, reconhece que os alunos da FEP saem para o mercado de trabalho “com menos autoestima do que deveriam” e promete “empenho” para “fazer chegar à economia real o conhecimento gerado” na academia.
Quais as principais vulnerabilidades que identifica atualmente na economia portuguesa? Tem havido uma revisão em alta dos indicadores por parte de várias instituições.
Interessa-me mais o longo prazo. No Índice de Qualidade das Elites (EQx) 2023 [em que Portugal caiu para o 30.º lugar, num total de 151 países analisados], que avalia 134 parâmetros e classifica as elites políticas e económicas tendo em conta o poder e o valor que criam, verificamos que a elite política portuguesa é extrativa, o que significa que o dinheiro que o Estado recolhe da riqueza produzida não está a ser usado da melhor maneira. Notamos isso, por exemplo, quando ‘a economia está melhor, mas as pessoas não estão melhores’. Ficariam melhor se a economia, em vez de 2%, crescesse a 4% ou 5%. Mas para isso é preciso melhorar a competitividade. Temos uma carga fiscal enorme e a dívida pública em termos absolutos não tem parado de aumentar. Ainda por cima agora, com o aumento das taxas de juro, tão cedo as pessoas não vão ficar melhor. Não se iludam.
E qual a avaliação que faz às elites económicas em Portugal?
O poder está muito concentrado, mas, pior do que isso, cria pouco valor. É um tecido económico pouco produtivo. Ok, fizemos um grande esforço na formação das pessoas, o capital humano melhorou imenso, mas depois verificamos que muito dele, em que gastámos dinheiro a formar, acaba por emigrar. Nas defesas de dissertações de mestrado, grande parte deles dizem-me ‘agora já posso ir embora’.
Os alunos mais promissores continuam a sair do país?
Sim. Continuamos a não reter o talento. E os que são retidos, depois não têm o melhor enquadramento na economia portuguesa para que sejam realmente produtivos.
Momentaneamente podemos ter bons resultados, como o crescimento do PIB acima das previsões. Mas é uma desgraça crescer tão pouco com a quantidade tão significativa de fundos que temos recebido e com o endividamento que temos. O peso da dívida pública condena o país a uma austeridade permanente, por via da carga fiscal. Por isso é que as pessoas não estão melhores.
Como pode o país libertar-se dessas amarras fiscais?
Crescendo mais. Tenho para mim que se a carga fiscal fosse aliviada de alguma forma, haveria mais retenção de talento – porque muita gente não emigraria se o IRS fosse mais baixo – e as empresas investiriam mais se a taxa de IRC fosse menor. Íamos ter taxas de crescimento mais significativas e, com isso, recolher mais impostos. Os efeitos disto demorariam alguns anos a chegar, mas seria mais sustentável do que estarmos a tentar esmagar tudo [com impostos].
Tendo em conta a dimensão da nossa dívida pública, só poderá haver redução de impostos se crescermos. Se crescermos a 0,55% ao ano, que corresponde à taxa de crescimento média anual entre 2001 e 2021, então o país apenas dobra o PIB ao fim de 126 anos. Se, pelo contrário, a taxa de crescimento média anual for de 4%, o PIB duplica ao fim de 17 anos. Veja o poder da taxa de crescimento sobre o nível de vida da população. Tenho um colega que esteve requisitado na União Europeia desde 2009, chegou agora à FEP e percebeu que ganha o mesmo salário que em 2009. Os salários não crescem porque a economia não cresce.
É uma desgraça crescer tão pouco com a quantidade tão significativa de fundos que temos recebido e com o endividamento que temos.
Qual a dimensão do impacto – seja para as famílias, seja para as empresas – resultante da subida das taxas de juro?
Já está a ser muito significativo o impacto nas famílias. É verdade que estas são as taxas normais, o que tínhamos antes é que era uma anormalidade. Depois há uma diferença entre as taxas passivas [na remuneração dos depósitos], à volta de 1%, e as taxas ativas [na concessão de crédito], que acompanham a evolução do mercado. Os bancos estão a ter uma margem muito significativa. Acho que não estão a ser corretos e deviam ter mais atenção a esse facto.
É um crítico do país “centralista”. Quais os custos do centralismo?
O país é muito centralista, o que significa que há também custos de congestão pelo facto de estar tudo concentrado numa área metropolitana, sendo muito descurado o resto do país, onde as pessoas tendem a viver mal. Sou de Miranda do Douro e ninguém compreende como é que a EDP faz um negócio daqueles com as barragens [em Trás-os-Montes, vendidas por 2,2 mil milhões de euros a um consórcio liderado pela Engie] e não paga impostos – e os que paga são pagos em Lisboa, não beneficiam em nada o Interior. A população abandona essas áreas e não se aproveitam os recursos que existem, como é o caso da agricultura. Há uma concentração excessiva em Lisboa, que também contribui para a baixa produtividade do país, em geral.
Qual a sua ambição para a FEP, agora na liderança da escola?
A escola tem responsabilidades no ensino da Economia e da Gestão, na produção de conhecimento nessas áreas, e depois também na divulgação pela sociedade do conhecimento que é gerado. No que diz respeito ao ensino, a faculdade está relativamente bem, embora haja sempre espaço para melhorar porque as coisas são dinâmicas e tudo se altera de um dia para o outro no atual contexto. A informação que os empregadores nos vão dando é que os nossos estudantes estão tecnicamente muito bem preparados, mas precisam mais de sentir que são bons. Se calhar saem daqui [para o mercado de trabalho] com menos autoestima do que aquela que deveriam ter, face à dificuldade das formações.
Pela imagem mais austera que se colou à FEP, face às concorrentes?
A informação que temos é que os nossos estudantes são tipo corredores de fundo. Começam [o seu percurso profissional] e depois percebem que são bons e têm bons desempenhos. E a prova disso é que temos muitos CEO e pessoas na sociedade civil que são oriundos daqui. Mas no ensino há sempre espaço para melhorar, quanto mais não seja na inovação pedagógica ou na área do digital.
Estão a fazer alterações nos currículos?
Sim. Estão em revisão os dois programas de licenciatura para serem acomodadas as novas tendências do digital e também para [atacar] esta questão de os estudantes sentirem que realmente são bons. Vamos modificar algumas unidades curriculares e introduzir outras. Estamos a fazer essa discussão interna, que já vem da anterior direção.
O que espoletou essa reflexão?
O que nos vão dizendo os empregadores, a nossa perceção do mercado e a evolução recente em termos de mercado de trabalho, com a digitalização ou a internacionalização. Podemos ter inovação pedagógica quando temos aqui empresas muito relevantes a lecionarem unidades curriculares e a darem aulas ou seminários. Tem vindo a acontecer, é gradual, mas queremos fomentá-lo. Sem desvirtuar a componente técnica, que tem de se manter, queremos atualizar [os currículos] para dar maior relevância a outras questões. E queremos continuar a captar os melhores e também mais estudantes internacionais.
Os nossos estudantes estão tecnicamente muito bem preparados, mas precisam mais de sentir que são bons. Se calhar saem daqui [para o mercado de trabalho] com menos autoestima do que aquela que deveriam ter.
Como é que se captam os melhores estudantes?
Temos conseguido isso. As médias de entrada na licenciatura e no mestrado são das mais altas do país e queremos que isso se mantenha. No fundo, temos excelente matéria-prima e queremos que o produto final saia com a mesma qualidade. Queremos captar os melhores estudantes através da qualidade do ensino e da perceção de que, de facto, vale a pena vir para a FEP.
Qual o peso atual dos alunos internacionais na FEP?
Temos atualmente à volta de 12% de estudantes internacionais. Queremos reforçar esta componente através de parcerias com outras universidades. Começámos muito com os nossos estudantes a irem para fora e a deixarem boas referências sobre a FEP. Além da já tradicional receção de estudantes vindos de países de língua oficial portuguesa, queremos reforçar a componente mais europeia.
Têm duas licenciaturas, quatro mestrados de continuidade, 12 mestrados de especialização e dois programas de doutoramento. Qual é a ligação à Porto Business School (PBS)?
É uma parceira muito importante. As duas escolas são complementares: temos os cursos conferentes de grau e a PBS tem os MBA, as pós-graduações e a formação executiva. No âmbito desta forte ligação que tem de existir entre as duas escolas, foi criado recentemente um consórcio que é relevante para partilhar recursos, para conseguirmos ter melhores resultados nas acreditações internacionais – muitas delas valorizam também os cursos não conferentes de grau –, e também para a internacionalização. Por exemplo, se um professor estrangeiro vem à PBS dar uma formação qualquer, pode aproveitar para vir à FEP completar o tempo que cá está, dando algum seminário ou unidade curricular.
E como está a relação da FEP com o mundo empresarial?
Uma das propostas do plano de ação era a criação de um Clube de Gestores e já o formámos. É composto por 17 CEO de empresas muito relevantes, todos ligados à FEP. Estão a olhar para a nossa oferta formativa e a dizer o que acham que falta; estão disponíveis para dar seminários, workshops, conferências, para lecionar algumas aulas. No fundo, estão a ajudar-nos a definir o plano estratégico até 2030, que contamos concluir até ao final de junho. E, por outro lado, vão ajudar na divulgação do conhecimento. Estamos muito empenhados em melhorar face àquilo que era a tradição, em virar também a faculdade para fora, em fazer chegar à economia real o conhecimento que é gerado aqui, com os nossos estudos. E desta forma abrir a faculdade às empresas e ao mundo.
Em termos de investigação há sempre possibilidade de fazer melhor, mas o corpo docente está em renovação e foram abertos concursos externos para o recrutamento de docentes. Por exemplo, no recrutamento de professores associados em Economia, os primeiros classificados foram três pessoas externas, que nos vão ajudar muito na investigação. Estamos muito contentes porque se ganharam é porque eram claramente melhores do que os restantes — e foram 24 no total. Ficámos agradados por quererem vir para a FEP e pelo potencial que nos vão despertar em termos de investigação.
Conheça os 17 membros do Clube de Gestores da FEP, que reúne CEO e dirigentes de topo
- Ana Cristina Reis (partner da CNA – Curado, Nogueira e Associados (Andersen)
- Ana Paula Marques (administradora executiva da EDP e CEO da EDP Produção)
- António Nunes da Silva (presidente do conselho de administração da Golden Wealth Management)
- Arlindo Marques Cunha (presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Dão)
- Cristina Rios de Amorim (administradora executiva da Corticeira Amorim)
- Dalila Santos (partner na Deloitte Portugal)
- Eduardo Rocha (CEO e sócio fundador da Vallis Capital Partners)
- Isabel Botelho Moniz (vogal executiva na STCP)
- Joana Marques (CEO da ExpressGlass)
- Joaquim Matos Dias (diretor de Grandes Empresas Norte do MillenniumBCP)
- Luís Silva (partner da KPMG)
- Manuel Ferreira da Silva (vice-presidente da Fundação de Serralves e da Porto Business School)
- Ricardo Valente (vereador da Câmara Municipal do Porto)
- Rui Lopes Ferreira (CEO do Super Bock Group)
- Rui Soares de Almeida (CFO da Sonae MC)
- Rui Vaz Sousa (administrador do Grupo DomusVi Portugal)
- Sandra Santos (CEO da BA Glass)
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“Tão cedo as pessoas não vão ficar melhor. Não se iludam”
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