Ganho salarial associado ao ensino superior cai para mínimos históricos
O diferencial entre os salários dos jovens com ensino secundário e dos jovens com ensino universitário atingiu mínimos históricos no ano passado. Em apenas dez anos, diminuiu de 50% para 27%.
Apesar do aumento do salário nominal em 3,6%, a subida da inflação acabou por resultar numa quebra do poder de compra dos portugueses. O salário real caiu 4% entre 2021 e 2022. O impacto foi sentido pelos trabalhadores de todos os níveis de escolaridade, mas de forma muito pronunciada entre os jovens qualificados. Estes tiveram uma queda de 6% no seu salário real. O diferencial entre os ordenados dos jovens portugueses com ensino superior e dos jovens com ensino secundário atingiu, assim, mínimos históricos, diminuindo de cerca de 50%, em 2011, para 27%, em 2022, revela esta quinta-feira a edição de 2023 do “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, realizado anualmente pela Fundação José Neves (FJN).
“A diferença salarial está a diminuir porque, enquanto o salário médio dos trabalhadores com ensino secundário em 2022 estava sensivelmente ao mesmo nível do de 2011 (em termos reais), o dos trabalhadores com o ensino superior ainda era 13% inferior ao de 2011. A queda real do salário dos jovens com o ensino superior é muito significativa e só entre 2021 e 2022 chegou aos 6%, a mais acentuada“, comenta Carlos Oliveira, presidente executivo da FJN, em declarações ao ECO Trabalho.
Uma análise mais ao detalhe permite concluir que entre os diferentes graus do ensino superior, 2022 dá continuidade à tendência prévia entre os jovens adultos. A queda no ganho salarial médio associado a uma licenciatura em relação ao ensino secundário era de 49%, em 2011, tendo recuado para 18% em 2022.
Por outro lado, registou-se um crescimento do ganho associado a um mestrado face a uma licenciatura: de 10%, em 2011, para 19,3% em 2022, o valor mais elevado alguma vez apurado.
20% dos jovens estão a ser remunerados abaixo do seu potencial
A sobrequalificação dos jovens é um dos motivos apontados pela Fundação José Neves. Embora a taxa de emprego de jovens que terminaram ciclos de ensino recentemente tenha voltado a aumentar em 2022, depois de uma queda acentuada durante a pandemia, fixando-se agora nos 78% — ou seja, em cada 100 jovens que terminaram o ensino secundário ou superior, 78 estavam empregados — uma parte significativa dos jovens adultos (25-34 anos) com o ensino superior estavam empregados, mas trabalhavam em profissões desajustadas ao seu nível de escolaridade.
“Em 2022, este era o caso para 22,4% dos jovens adultos com o ensino superior, um valor significativamente superior ao do início da década anterior (16,6% em 2011), ligeiramente superior ao valor antes da pandemia (21,5% em 2019) e apenas ultrapassado em 2018 (22,9%). Esta sobrequalificação resulta numa subutilização de competências adquiridas e é reveladora de um potencial desajustamento entre educação e emprego”, pode ler-se no relatório.
“O emprego dos jovens tem crescido muito em setores com baixa produtividade, que tendem a ter salários mais baixos e piores condições de trabalho, nomeadamente contratos precários que não incentivam o desenvolvimento e progressão na carreira“, refere ainda Carlos Oliveira.
Outro indicador relevante, dada a rápida evolução do mercado de trabalho, é a participação de adultos em educação e formação, cuja percentagem parece estar a aumentar de forma sustentada desde 2017, com exceção do ano de 2020. “Apesar desta evolução, o valor em 2022 é modesto e apenas 13,8% dos adultos participaram em educação e formação, um valor que é superior à média europeia (11,9%), mas significativamente abaixo da média dos cinco cincos países mais bem posicionados (27%)”, lê-se no documento.
A desagregação por nível de escolaridade confirma que são os mais escolarizados que participam em educação e formação (24%), mas há sinais positivos com um aumento na participação dos adultos menos escolarizados, em particular com o ensino secundário, com um aumento de dois pontos percentuais entre 2021 e 2022, para 14% em 2022.
Desemprego regressou aos níveis pré-pandemia, exceto para os jovens
Do ponto de vista da taxa de desemprego, a recuperação foi completa, apesar do aumento ligeiro da taxa de desemprego nos dois últimos trimestres de 2022, já em pleno contexto de subida dos níveis de inflação. Mesmo assim, no final de 2022, a taxa de desemprego da população entre os 18 e 64 anos de idade era aproximadamente de 6,6% (7,1% para as mulheres), inferior à do mesmo trimestre de 2019.
No caso dos jovens, porém, o impacto da pandemia parece mais persistente. Em 2022, a taxa de desemprego para os jovens entre os 18 e os 34 anos fixou-se nos 10,7%, já abaixo dos valores dos dois anos anteriores, mas ainda ligeiramente acima dos 10% de 2019.
“Mesmo entre os jovens, a dinâmica de recuperação no pós-pandemia foi total entre os que detêm o nível do ensino superior. Já entre os menos qualificados, que à partida serão também os mais novos deste grupo, a taxa de desemprego era, em 2022, ainda significativamente superior à de 2019: 13% em 2019 e 18% em 2022”, aponta a FJN no relatório.
O mercado de trabalho tornou-se também mais digital. Em 2022, 28% das competências pedidas eram digitais e 66% das ofertas de emprego anunciadas pediam competências digitais, um valor muito superior aos 54% de 2019. A maioria das profissões aumentou os requisitos digitais e metade dos trabalhadores portugueses afirmaram que passaram a usar mais frequentemente tecnologias digitais. O setor da alta tecnologia continuou a crescer em Portugal e representa agora 45% do emprego total.
Ainda assim, continua a haver um enorme potencial de digitalização por explorar, quer ao nível dos trabalhadores — quatro em cada dez estão em empregos que não utilizam tecnologias digitais ou que fazem uma utilização muito básica — quer ao nível das empresas, uma vez que 48% das empresas têm um nível de digitalização baixo, conclui o “Estado da Nação”.
É preciso acelerar a formação dos portugueses para responder ao emprego dos especialistas em TIC, que cresceu a um ritmo cinco vezes superior ao do emprego geral entre 2014 e 2021. Para fazer face às dificuldades reportadas pelas empresas em recrutar estes profissionais (seis em cada dez que tentaram recrutá-los), este esforço deve integrar as mulheres, atualmente menos representadas em profissões mais digitais.
Ao nível da educação, a Fundação recomenda que a aposta passe por formação básica e avançada. “É preciso acelerar a formação dos portugueses para responder ao emprego dos especialistas em TIC, que cresceu a um ritmo cinco vezes superior ao do emprego geral entre 2014 e 2021. Para fazer face às dificuldades reportadas pelas empresas em recrutar estes profissionais (seis em cada dez que tentaram recrutá-los), este esforço deve integrar as mulheres, atualmente menos representadas em profissões mais digitais.”
“A maioria dos alunos portugueses do ensino básico tem competências digitais básicas, mas apenas uma minoria dos alunos utiliza as tecnologias digitais na aprendizagem, seja na escola (7%) ou em casa (10%).”
Linhas de ação mais urgentes
Com base no diagnóstico feito neste relatório e a ambição para 2040, a Fundação José Neves sugere algumas linhas de ação que considera pertinentes e urgentes. Entre elas está a criação de condições para o aumento da produtividade das empresas e promoção do emprego em setores mais produtivos, garantindo o aproveitamento das qualificações dos jovens.
Promover a aprendizagem ao longo da vida e um sistema de requalificação ocupacional, bem como acompanhar e antecipar as dinâmicas e necessidades do mercado de trabalho e estimular a coordenação entre instituições de educação e formação e as empresas para garantir oferta educativa e formativa adequada às necessidades são ainda algumas das recomendações.
O relatório “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal” é o documento anual da Fundação José Neves com o objetivo de promover a discussão pública das debilidades e oportunidades da educação e do sistema de desenvolvimento de competências, de forma a permitir aos portugueses e aos agentes da educação, nomeadamente o Governo e as instituições de ensino, tomarem decisões com base em factos.
O relatório na íntegra pode ser consultado aqui.
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