Inflação e poder

As empresas quererão sempre aumentar os preços e os trabalhadores quererão sempre maiores salários. Mas apenas os poderão alcançar se as vendas estiverem pujantes e os empregos forem abundantes.

Lagarde esteve sobre fogo do Governo e da oposição, acusada de não compreender a natureza da espiral preços-salários em curso que, como Blanchard caracterizou, “is fundamentally the outcome of the distributional conflict between firms, workers and taxpayers”. Claro que entende. Os críticos é que talvez não entendam que a política monetária adequada a esta situação é precisamente a que está a ser seguida pelo BCE.

Este é o gráfico que alicerça as críticas que, de todos os quadrantes, se ouviram às declarações de Christine Lagarde no Fórum do BCE em Sintra,

O aumento dos lucros responde por quase metade do aumento da inflação na economia da Europa, nos últimos dois anos, pois as empresas aumentaram os preços mais do que aumentaram os custos da energia importada. Agora são os trabalhadores que estão a pressionar por aumentos para recuperar o poder de compra perdido. As empresas podem ter de aceitar reduções (reais) nos lucros para que inflação convirja para a meta de 2% em 2025.

Esta sequência de eventos – inicialmente um choque no preço de fatores produtivos essenciais, seguido por um aumento da inflação dos bens e serviços e, finalmente, inflação salarial – nada tem de misterioso ou conspirativo; é naturalmente explicada pelo diferente grau de flexibilidade dos preços, quase perfeita no preço dos inputs produtivos, e maior nos bens e serviços do que nos salários.

O mecanismo que se está a observar é a chamada espiral preços-salários, que amplifica e prolonga os efeitos de um qualquer choque inflacionário. Esta espiral é basicamente um conflito distributivo, (tanto mais forte quanto mais apertado estiver o mercado de trabalho). A lógica é que trabalhadores e empresas discordam sobre o preço relativo dos bens e do trabalho, ou seja, sobre o salário real. Quando as firmas ajustam os preços nominais, elas tentam atingir um dado salário real; quando os trabalhadores negociam os salários nominais, eles tentam alcançar um nível diferente e mais alto. O resultado é a inflação de preços e salários, que só parará quando os vários atores forem forçados a aceitar os resultados.

Entende-se assim as políticas dos bancos centrais. As empresas quererão sempre aumentar os preços e os trabalhadores quererão sempre maiores salários. Mas apenas os poderão alcançar se as vendas estiverem pujantes e os empregos forem abundantes. Arrefecendo as economias (com o risco de recessão) o BCE persuadirá ambas as partes que o seu poder para aumentar preços ou salários já não é tão grande.

Na década de 1970, falava-se amplamente de “políticas de rendimentos” – uma combinação de incentivos e persuasão moral visando reconciliar inflação baixa com uma economia aquecida. Não funcionou bem e caiu de moda. Talvez pudessem ser revisitadas. Mas isso é trabalho dos governos e não do BCE.

 

Apontamentos
Ventos de Espanha. O PP vai formar governo com o VOX. Não restam dúvidas que uma eventual alternativa ao PS passará por algum tipo de acordo entre o PSD e o Chega, com a IL como pau-de-cabeleira.

Independência. Foram prescientes os fundadores do Euro quando moldaram o BCE na tradição de independência do Bundesbank. Ouvindo o presidente, o primeiro-ministro, o líder da oposição e todas as oposições, imagine-se qual seria a inflação se o Banco de Portugal fosse a autoridade de política monetária.

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