Nona subida de juros deixa BCE mais perto do fim de ciclo

Taxa dos depósitos sobe hoje para 3,75% e existe o risco de o BCE sinalizar um aumento para máximo histórico em setembro. O abrandamento da economia pode travar a agressividade do banco central.

Precisamente um ano depois de ter iniciado o ciclo de aperto da política monetária mais agressivo de sempre, o Banco Central Europeu vai anunciar esta quinta-feira mais um agravamento das taxas de juro, intensificando o combate à inflação que, apesar do alívio nos últimos meses, permanece bem acima da meta do banco central.

A autoridade monetária deverá comunicar um aumento de 25 pontos base, o que colocará a taxa dos depósitos em 3,75%, o nível mais elevado desde maio de 2001. As taxas de juro aplicáveis às operações de refinanciamento e de cedência de liquidez subirão para 4,25% e 4,5%, respetivamente.

Será a nona subida consecutiva de juros desde que, a 27 de julho de 2022, o BCE retirou as taxas de juro de terreno negativo numa altura em que a inflação já estava a disparar e o banco central reconhecia, finalmente, que a alta dos preços não era transitória.

O agravamento de 425 pontos base nas taxas de juro no espaço de 12 meses (assumindo já a subida de hoje) não foi suficiente para provocar a ambicionada descida da inflação da Zona Euro. O índice de preços no consumidor subiu a um ritmo homólogo de 5,5% em junho, um mínimo de janeiro de 2022 que se situa a quase metade da inflação máxima registada em outubro do ano passado (10,6%), mas quase o triplo da meta do BCE (2%).

Acresce que a inflação subjacente, que exclui o contributo dos alimentos e energia, permanece teimosamente elevada. Subiu em junho para 5,5%, muito perto do recorde de 5,7% registado em março. Uma evolução que explica porque o BCE está longe de poder declarar vitória contra a inflação e continua a adotar uma política monetária restritiva.

Aumentos de juros impactam economia

Sendo mais do que certa a subida de 25 pontos base na reunião desta quinta-feira, o foco estará na comunicação que o BCE vai escolher para sinalizar os próximos movimentos. Se nas últimas reuniões o banco central optou por pré-anunciar aumentos de juros na reunião seguinte, agora é expectável que adote uma postura menos agressiva.

Desde logo porque faltam quase dois meses para a próxima reunião (14 de setembro) e até lá serão conhecidos os valores da inflação de julho e agosto. E os últimos indicadores têm revelado uma maior debilidade da economia da Zona Euro, reforçando o risco de recessão na região.

Esta semana foram publicados diversos dados que evidenciam a transmissão da política monetária à economia, validando a narrativa de que as subidas de juros demoram entre seis a 12 meses a ter reflexo na atividade económica. O BCE quererá avaliar outros indicadores de atividade económica antes de assumir o compromisso firme de mais aumentos de juros.

A produção na Zona Euro, medida pelo indicador avançado PMI, caiu em julho pelo segundo mês consecutivo para mínimos de oito meses, aprofundando os sinais de contração da atividade económica. O mercado de trabalho teve o menor aumento mensal de emprego desde fevereiro de 2021.

O relatório trimestral conduzido pelo BCE mostra que a procura de crédito por parte das empresas registou uma queda histórica no segundo trimestre e que as famílias também estão a recuar nos empréstimos para compra de habitação. Os dados referentes a junho mostram um abrandamento considerável no financiamento dos bancos a empresas e famílias.

Os sinais de que o BCE vai optar por uma comunicação mais branda também têm sido transmitidos pelos “falcões” do banco central. Joachim Nagel (Alemanha) e Klaas Knot (Países Baixos), defensores de uma política monetária agressiva, têm vincado que a decisão da reunião de setembro está em aberto e terá em conta a evolução dos indicadores económicos.

Os economistas esperam que Christine Lagarde passe a mesma mensagem na conferência de imprensa desta tarde. O que também servirá para acalmar as críticas de alguns membros do Conselho do BCE que defendem uma política mais branda (“pombas”), sobretudo dos países do sul da Europa. Vítor Constâncio, o último vice-presidente do BCE, considera que a desinflação em curso da Zona Euro justifica uma pausa nos juros.

Esperar para ver e porta aberta

“Existe uma evidência crescente de que a economia da Zona Euro está a abrandar, a inflação a cair e que a política monetária está a ser transmitida à economia”, pelo que é “cada vez mais razoável entrar numa fase de esperar para ver”, considera Luca F. Mezzomo. O economista do Intesa Sanpaolo ressalva que “não nos devemos esquecer que a transmissão total da subida de juros em julho só vai acontecer dentro de quatro ou cinco trimestres e que só agora estamos a assistir ao início do impacto dos aumentos de juros passados”.

Assinalando que poucos membros BCE estão a defender mais aumentos de juros após julho, Mezzomo considera que está a “ganhar força a ideia de que o BCE deve manter uma política monetária moderadamente restritiva por mais tempo, em vez de aumentar as taxas de juro de forma muito agressiva”.

Nuno Mello, analista da XTB, considera que para o BCE efetuar uma pausa nos juros após julho, será necessário ver “mais melhorias na dinâmica da inflação, transmissão de uma política monetária mais restritiva à economia real, incluindo o mercado de trabalho, bem como revisões em baixa das previsões de inflação”.

A reunião de setembro será acompanhada da atualização das projeções económicas do staff do BCE. Mas segundo o Deutsche Bank, o banco central “não quer que a reunião de setembro seja percecionada como um ponto de viragem no ciclo de política monetária”. Pretende antes que “o mercado entenda o seu compromisso com o regresso oportuno da inflação em direção à meta e a disponibilidade de ir mais alto e mais longe se for necessário”.

O UBS acredita que o BCE vai reiterar a “dependência dos dados e apontar para as projeções económicas do staff como a base da sua decisão”. O banco suíço aguarda que o BCE argumente que apesar da descida em junho, “a inflação continua muito elevada” por isso “esperamos que deixe a porta aberta para uma subida de juros em setembro”.

Existe uma evidência crescente de que a economia da Zona Euro está a abrandar, a inflação a cair e que a política monetária está a ser transmitida à economia, pelo que é cada vez mais razoável entrar numa fase de esperar para ver.

Luca F. Mezzomo, economista do Intesa Sanpaolo

Fim de ciclo ou juros em máximos?

Embora seja expectável que o BCE esconda o jogo sobre os próximos movimentos, os economistas estão a atribuir uma probabilidade considerável de a subida desta quinta-feira ser a última do atual ciclo, ou pelo menos que setembro seja o mês da primeira pausa.

A sondagem da Reuters mostra que os 75 economistas inquiridos são unânimes em estimar um aumento de 25 pontos base na reunião de hoje. Quanto à reunião de setembro, 35 estimam uma pausa e 40 apontam para um novo aumento de 25 pontos base.

Se avançar com o novo aumento nos últimos dias do verão, o BCE colocará a taxa dos depósitos num máximo histórico de 4%. Caso opte pela pausa, ficará mais próximo do fim de ciclo, embora seja expectável que as taxas de juro continuem elevadas por um período prolongado, dando tempo para a inflação subjacente atingir os ambicionados 2%.

“Está tudo a caminhar na direção certa, o que aumenta a probabilidade de o BCE efetuar uma pausa em setembro”, diz o economista do Intesa Sanpaolo, alertando que tal decisão “pode não significar o fim de ciclo”. Mezzomo refere que pode vir a ser necessário “algum ajustamento”, sobretudo se “evolução do PIB for mais forte do que o esperado”, pelo que atribuiu uma probabilidade ligeiramente acima de 50% a um novo aumento de 25 pontos base em setembro.

Na XTB “continuamos a pensar que a subida de 25 pontos base, muito provavelmente observada na reunião de julho, será a última deste ciclo, embora os riscos estejam claramente inclinados para a continuação do ciclo de subida também após o verão”, refere Nuno Mello.

O UBS tem como cenário central um agravamento para 4% em setembro, considerando que existe o risco significativo de um novo aumento de 25 pontos base em outubro. O Deutsche Bank assinala que existem dados que apontam para uma subida em setembro, enquanto outros apontam para a manutenção, mas destaca que “é um erro considerar que uma nova subida em setembro é inevitável”.

Continuamos a pensar que a subida de 25 pontos base, muito provavelmente observada na reunião de julho, será a última deste ciclo, embora os riscos estejam claramente inclinados para a continuação do ciclo de subida também após o verão.

Nuno Mello, analista da XTB

Corte de juros só em 2024

Se é difícil os economistas anteciparem os movimentos do BCE nos próximos meses, mais complicado ainda é antecipar quando vai o banco central inverter a política monetária, começando a reduzir as taxas de juro. É um movimento que os responsáveis do BCE não vão admitir enquanto a inflação permanecer acima da meta, pelo que o cenário de corte de juros não se coloca este ano, pelo menos tendo em conta as perspetivas atuais.

Cerca de 90% dos economistas inquiridos pela Reuters não vê cortes de juros antes do final primeiro trimestre, até porque as estimativas apontam para que a economia da Zona Euro continue a crescer nos próximos três trimestres, embora a um ritmo brando (0,2%).

Mezzomo salienta que a economia da Zona Euro não está em recessão, os dados de curto prazo não apontam nesse sentido e o emprego continua a crescer. “Dito isto, o impacto da política monetária sobre a procura agregada deverá atingir o pico no próximo ano. Se acontecer, o BCE poderá flexibilizar a política monetária mais rapidamente do que prevemos atualmente”.

O Deutsche Bank adiou para setembro a data em que espera o primeiro corte de juros do BCE, estimando uma redução de 25 pontos base por trimestre até uma taxa terminal de 2,5% no final de 2025. “O crescimento lento/estagnação que se espera para a segunda metade de 2023 e primeiro semestre de 2024, bem como a descida da inflação para 2% no segundo semestre de 2024, vai aumentar a pressão para o BCE aligeirar a política monetária a partir de meados de 2024, mas como esperamos uma descida mais lenta da inflação subjacente, o ciclo de abrandamento do BCE será mais moroso do que o da Fed”, referem os economistas do banco alemão.

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