Fed e BCE. Nos céus nublados da ‘Sintra do Oeste’, a inflação foi a estrela visível
Em Jackson Hole, Lagarde e Powell falaram muito sobre incerteza, mas a certeza que os uniu foi a da necessidade de continuar a combater a inflação. Investidores ficaram na expectativa.
O discurso de Jerome Powell no Jackson Hole Economic Symposium deste ano, na passada sexta-feira, não foi tão extremo como o de 2022, quando a promessa de uma política monetária ultra-restritiva para combater a inflação levou os índices acionistas americanos a tombarem mais de 3%. Desta vez, o presidente da Reserva Federal (Fed) foi mais equilibrado, com uma mensagem de continuidade que manteve os investidores na expectativa.
Powell recordou que a Fed ‘apertou’ significativamente a política ao longo do ano passado e embora a inflação tenha descido do pico continua “demasiado elevada” e portanto está preparada para aumentar ainda mais as taxas de juro, pretendendo manter a política num nível restritivo até estar confiante de que a inflação está a descer de forma sustentável em direção ao objetivo.
Para Marco Silva, consultor da corretora ActivTrades, “o facto da subida de preços na componente core [sem preços de bens alimentares e energia] se manter acima dos 4% em termos anuais é uma preocupação que não permite que o banco central norte-americano esteja demasiado tempo à espera que a restrição da política monetária, que teve início o ano passado, tenha o seu impacto total antes de haver mais alterações“.
O consultor sublinhou, em nota de reação, que não apenas os juros poderão aumentar, mas como já se tem dito por inúmeras vezes, não haverão cortes durante um período de tempo considerável, podendo ocorrer só mesmo em 2024, provavelmente no segundo a terceiro trimestre.
Marco Silva vincou que “os investidores tentam guiar-se pelas estrelas num céu nublado”, referindo-se à parte final do discurso de Powell, na qual utiliza essa ideia para garantir que a Fed vai agir de forma cautelosa, mas sempre em busca da estabilidade de preços. As decisões sobre as taxas de juro nas reuniões de setembro, na qual é esperada uma pausa nas subidas, e nas de novembro e dezembro, com uma eventual última subida, vão depender dos dados que irão sair, “reafirmando assim as incógnitas que assombram a economia dos EUA”.
Ao contrário do que aconteceu no ano passado, as reações nos mercados foram tímidas. Após algumas horas sem direção, os principais índices em Wall Street acabaram por fechar a sessão de sexta-feira a subir: o Dow Jones 0,73%, o S&P 500 0,67% e o Nasdaq Composite 0,94%. No mercado secundário de dívida soberana, a yield da obrigações americanas a 10 anos fechou praticamente inalterada nos 4,2314%.
Segundo David Sadkin, presidente da Bel Air Investment Advisors, esta reação é explicada pelo facto de que no discurso de Powell “havia algo para todos”. Os ‘ursos’, que apostam na queda dos índices, ouviram o presidente da Fed dizer que será restritivo e poderá aumentar as taxas de juro. “Os ’touros’ [que apostam em subidas dos índices], a mensagem foi de progressos contra a inflação, atraso em relação aos efeitos da política monetária e um possível modo de espera“, disse, citado pela Reuters.
Marco Silva conclui que “Powell não inventou, reafirmando tudo o que já se sabia, enquadrando com outras palavras o cenário que a Fed tem mantido há já alguns meses, ou seja o objetivo para a inflação é e será de 2%, e não irão relaxar até que esse patamar seja atingido”.
Número mágico também para o BCE
Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE) também discursou na sexta-feira, tendo antes da intervenção apelidado o simpósio de Jackson Hole de “Sintra do Oeste”, em referência ao Fórum BCE, que é organizado pelo banco central da Zona Euro nessa vila portuguesa anualmente.
Lagarde concluiu que numa era de incerteza, para o BCE a prioridade é “fixar as taxas de juro em níveis suficientemente restritivos durante o tempo necessário para alcançar um regresso atempado da inflação ao nosso objetivo de médio prazo de 2%”.
O discurso, complexo mas sem novidades além do enfoque na inflação, foi recebido sem drama pelos investidores em ativos europeus. Os principais índices fecharam a sessão de sexta-feira praticamente inalterados, o euro atenuou a depreciação durante a sessão para fechar a desvalorizar 0,12% face à moeda norte-americana nos 1,07965 dólares.
Em declarações à Bloomberg, Christine Lagarde evitou falar sobre uma eventual pausa nas subidas das taxas de juro na reunião de 14 de setembro, focando antes na questão dos salários.
“Estaremos muito, muito atentos à evolução salarial porque, obviamente, uma das partes mais fortes da economia onde os preços estão a subir são os serviços e os serviços são intensivos em mão de obra”, disse na entrevista.
Adiantou que é fundamental manter as expectativas públicas de inflação em 2%, observando que “se os sindicatos e associações empresariais entenderem que, em relativamente pouco tempo, a inflação voltará a 2%, eles não vão querer alimentar mais a inflação tendo aumentos salariais ou de margem que não seriam consistentes com isso“.
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