Leilão “desastroso” no Reino Unido recomenda “cautela” em Portugal. Especialistas em eólicas offshore pedem “menos ambição”
Subida de 40% dos custos afastou promotores de irem ao leilão eólico offshore no Reino Unido. Por cá, aguarda-se pelas regras do jogo, mas especialistas recomendam que Governo avance com "cautela".
“Desastroso.” Foi esta a palavra usada pelo The Guardian para dar conta dos resultados do último leilão de energia eólica offshore no Reino Unido. Depois de o Governo britânico ter sido alertado pelos promotores de que os projetos offshore já não eram economicamente viáveis ao abrigo do atual sistema, os resultados do mais recente concurso para a instalação de turbinas vieram evidenciar essas reticências: o concurso ficou deserto.
Além de não ter registado candidaturas, as pressões inflacionistas podem mesmo pôr em causa a viabilidade dos projetos aprovados no leilão britânico do ano passado. Um desses projetos, o multimilionário parque eólico Norfolk Boreas, concebido para fornecer energia suficiente para abastecer 1,5 milhões de casas, vai ser suspenso, face ao aumento dos preços.
“[Os resultados do leilão no Reino Unido] vão ter muito impacto para o leilão em Portugal. No mercado já se sabia que haviam riscos. A altura não foi a mais propícia. Com a inflação e os preços da cadeia de abastecimento, os preços subiram até 40%”, indica ao ECO/Capital Verde António Vidigal, especialista em energia e que, durante vários anos, liderou a EDP Inovação.
O fracasso do leilão britânico esteve intimamente ligado ao facto de ter sido fixado um preço máximo de 51 euros por MWh (megawatt-hora) para a comercialização de energia eólica offshore fixa e de 132 euros por MWh para as plataformas flutuantes. O valor, considerado pelos promotores interessados no concurso inglês como “insuficiente” e “impraticável”, teve por base os preços de 2012, altura em que as pressões inflacionistas, as subidas das taxas de juro e a guerra na Ucrânia ainda não tinham atingido as condições de financiamento, a produção de materiais e a respetiva cadeia de abastecimento.
Convertendo os preços para os dias de hoje, o teto seria de 52 euros para as turbinas fixas e de quase 136 euros para os aerogeradores flutuantes. A estes valores acresce ainda o custo da interligação elétrica dos parques eólicos sobre o mar que no Reino Unido é pago pelos proprietários, isto é, mais cerca de 23 euros por MWh. “Estamos a falar de 160 euros por MWh [para as eólicas offshore flutuantes] e mesmo assim não chega. Ninguém concorreu porque é preciso mais”, explica António Vidigal. E para Portugal atira: “A primeira conclusão [que tenho] é que deveria haver interesse em adiar [o concurso].”
Em Portugal ainda não foram oficializadas as regras do leilão, nomeadamente, as localizações que serão licitadas, a potência, os critérios de adjudicação das propostas e as condições de renumeração. Mas sabe-se que o grupo de trabalho responsável por elaborar uma proposta sobre os contornos deste leilão recomendou que sejam colocados a concurso 3,5 gigawatts (GW) de potência, numa primeira fase, ao largo de Viana do Castelo, Leixões e da Figueira da Foz. Segundo a proposta, em Viana do Castelo existe a capacidade de serem explorados até 2 GW de capacidade – local que representa a maior fatia dos 10 GW que o Governo pretende licitar, de forma faseada, até 2030.
Mas perante os resultados no Reino Unido, e face à subida das taxas de juro na Zona Euro e da inflação em Portugal, os especialistas recomendam “cautela”, sugerindo até a possibilidade de ser licitada, numa primeira fase, menos potência do que a que estava inicialmente prevista.
Para António Sarmento, fundador do centro de estudos de energias oceânicas Wavec, o que aconteceu no Reino Unido dá uma lição para Portugal na forma de um “pau de dois bicos”: um preço máximo mais elevado, embora garanta o interesse dos promotores e o sucesso daquele que será o primeiro leilão de eólicas offshore em Portugal, “vai encarecer a produção de energia no país”.
”É preciso cautela. Estamos numa situação complicada e é possível que a forma de resolver isto esteja em ser-se menos ambicioso nos GW a lançar, e deixar que haja alguma acalmia e recuperação da cadeia de valor para que, posteriormente, se possam atingir valores mais próximos daqueles antes da guerra na Ucrânia”, recomenda o responsável.
António Vidigal subscreve a posição, argumentando que o “ir devagar”, aliado a uma “ambição mais pequena”, também podem conferir resultados positivos como o que aconteceu em Viana do Castelo, onde opera o Windfloat Atlantic, o primeiro parque eólico offshore em Portugal operado pelo consórcio entre a EDP e Engie, pela Repsol, o Ocean Winds.
O parque flutuante, que assinalou no mês passado três anos de operação, conta com uma capacidade instalada de 25 MW, tendo sido ligado à rede com uma tarifa garantida de venda da energia produzida à rede elétrica portuguesa de 140 euros por MWh, abaixo do preço grossista da eletricidade no mercado ibérico (Mibel), que se aproxima dos 100 euros por MWh. A expectativa do setor é que, à medida que a tecnologia se vai maturando, à semelhança das energias renováveis em terra, também a energia eólica offshore se torne mais barata.
“Devemos continuar a apostar no desenvolvimento da tecnologia, mas não a qualquer custo. A melhor maneira de fazer [o leilão] é com passos pequenos. Talvez com centenas de MW para não prejudicar o consumidor final”, sublinha António Vidigal
Da parte do Governo é deixada a garantia de que o grupo de trabalho está a estudar os modelos de leilão mais equilibrados e que beneficiem não só o país e os consumidores, mas também os promotores, numa altura em que apostar na energia eólica sobre o mar é uma prioridade para Portugal e para a União Europeia.
“Está a ser conduzida uma análise de sensibilidade ao custo nivelado de geração de eletricidade e ao impacto que diferentes modelos de remuneração têm no sistema elétrico nacional”, afirma fonte oficial do Ministério do Ambiente ao Capital Verde, detalhando que estes estudos têm por base cenários de evolução do consumo de eletricidade em Portugal alinhados com os constantes da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030.
A expectativa é que o Governo siga o exemplo de outros modelos de leilão na União Europeia e avance com a fixação de um preço máximo, embora existam outras opções em cima da mesa. “Aqui, a questão que mais preocupa é saber qual é o preço de referência que o Governo vai colocar no leilão”, nota António Sarmento.
Promotores aguardam com expectativa por regras do jogo
Desde de que foi anunciada a intenção de Portugal avançar com um leilão de eólicas sobre o mar, o interesse dos promotores a nível nacional e internacional tem sido notável. E, mesmo com as notícias vindas do Reino Unido, a vontade em lançar turbinas sobre o mar não abalou a vontade dos investidores, que se dizem “confiantes” de que as regras do jogo em Portugal venham a ser favoráveis. Ainda não existe calendário, mas a intenção do Governo é a de anunciar as regras da primeira fase do leilão até ao final deste ano, devendo o concurso ser realizado no início de 2024.
A IberBlue Wind, que se apresentou no ano passado ao mercado como um promotor capaz de assumir todas as fases de desenvolvimento de parques eólicos offshore, garantiu que o compromisso com Portugal e Espanha é de longo prazo e que “não está condicionado pelo desenvolvimento de leilões”, embora esteja interessado em participar no concurso. Ao Capital Verde, Júlio Vera, diretor de Relações Institucionais da joint venture espanhola e irlandesa deixa, porém, um apelo para que o Governo “tome nota” dos resultados de outros leilões semelhantes, “como sabemos que já o faz há algum tempo”, urgindo que o país afaste a possibilidade de um possível adiamento no lançamento do concurso.
"Portugal não se pode dar ao luxo de deixar de avançar na energia eólica ‘offshore’, as políticas energéticas devem ser estáveis e previsíveis para transmitir tranquilidade aos investidores.”
Já portuguesa Hyperion Renewables, que se aliou à australiana Corio Generation para avaliar oportunidades do concurso, garante ao Capital Verde manter-se “totalmente empenhada” mas mantém-se expectante em relação aos detalhes do leilão, nomeadamente a capacidade, os prazos e os modelos de leilão, “para ajudar a fundamentar a abordagem ao mercado”.
A posição é a mesma da EDP, que, desde o início, tem deixado claro que só determinaria a sua participação no concurso caso os modelos do leilão fossem adequados. As condições são também o que irá determinar a disponibilidade da gigante escalar o projeto Windfloat Atlantic, em Viana do Castelo, tal como avançou o CEO Miguel Stillwell d’Andrade ao Capital Verde.
A energética portuguesa, que já tinha participado nos leilões anteriores de eólica offshore no Reino Unido, garante ao Capital Verde não ter tido intenções de participar no concurso que ficou deserto. “O Moray East está em funcionamento, o Moray West foi ao leilão do ano passado e os outros projetos ainda estão em fase de desenvolvimento”, esclarece.
Os alemães da BayWa r.e. também aguardam novidades, tendo em cima da mesa várias questões cuja resposta ainda não foi dada. “Acreditamos que o Governo está a trabalhar no sentido de criar um primeiro leilão de eólicas offshore robusto, atrativo, transparente e com um programa que permita garantir os objetivos definidos para 2030 e que não faltarão promotores interessados em participar”, perspetiva Ricardo Rocha, diretor técnico da energia eólica offshore da BayWa r.e. E sublinha: “Caso o primeiro leilão de eólicas offshore em Portugal seja ‘desenhado’ com objetivos assertivos, com critérios claros e transparentes, seguramente que iremos participar.“
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