A Fed vai manter os juros em máximos de 22 anos, deixando a porta aberta a novos aumentos. Mas os economistas acreditam numa pausa longa, o que reforça a perspetiva de a economia escapar à recessão.
Os investidores têm diversas alternativas para tentar antecipar os movimentos da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed). Analisar os diversos indicadores económicos, decifrar a comunicação dos vários responsáveis do banco central, fazer fé nas estimativas de inúmeros economistas, ou confirmar nas sondagens que são publicadas pelas agências de informação (Reuters e Bloomberg). Todas são válidas, mas existe outra que é menos trabalhosa e com maior probabilidade de sair certeira.
Ler os artigos de Nick Timiraos é uma boa opção, uma vez que o jornalista do Wall Street Journal (WSJ) é visto em Wall Street como o melhor insider da Fed, que conhece por dentro o pensamento do banco central, que recorre ao experiente repórter para corrigir as expectativas do mercado. Em junho do ano passado, quando a Fed já estava em blackout, foi uma notícia de Timiaros que levou o mercado mudar a expectativa para a primeira subida de juros de 75 pontos base do atual ciclo. Em outubro de 2022, foi um artigo do WSJ que sinalizou o fim das subidas “jumbo” na reunião de dezembro. Também foi Timiraos a selar a expectativas do mercado de que a primeira pausa do atual ciclo surgiria em junho deste ano.
Não por ter uma bola de cristal, mas antes por ser muito “próximo” da Fed, os artigos deste jornalista têm potencial para provocar oscilações mais amplas no mercado do que declarações de um responsável da Fed. Ora o último artigo relevante de Timiraos fornece pistas muitos importantes sobre os próximos passos do banco central da maior economia do mundo, que estará mesmo em fase de pausa no ciclo de agravamento da política monetária.
Na semana passada (12 de setembro), Timiraos publicou uma notícia onde dava conta da existência de uma importante alteração na posição da Fed sobre as taxas de juro. Se antes os responsáveis da Fed preferiam pecar por exagero do que por defeito, agora têm uma abordagem mais equilibrada na avaliação dos riscos, temendo causar uma travagem mais brusca da economia ou causar turbulência no setor financeiro sem necessidade.
O WSJ escreveu que a Fed iria voltar a pausar os juros na reunião de setembro e avaliar depois, de forma mais cautelosa, se será necessária mais uma subida até ao final do ano para incrementar o esforço na luta contra a inflação. As atuais expectativas do mercado apontam no mesmo sentido. Investidores e economistas dão como quase garantida a manutenção das Fed Funds em 5,25%-5,5% esta quinta-feira. Quanto à probabilidade de um agravamento adicional em novembro ou dezembro, está atualmente abaixo de 40%.
Soft landing mais provável
O discurso oficial da Fed vai continuar a deixar a porta aberta à continuação do aperto da política monetária, mas o que o artigo de Timiraos nos mostra é que, atualmente, o plano do banco central passa mesmo por deixar as taxas de juro no atual nível, o que aumenta de forma substancial a probabilidade de se concretizar a ambicionada “aterragem suave” da economia norte-americana.
“Acreditamos que a Fed manterá as taxas estáveis no nível que representa o ponto mais alto do ciclo, mas continuará a sinalizar que outro aumento é possível este ano”, diz ao ECO Rubeela Farooqi. A economista-chefe para os EUA da High Frequency Economics explica que os responsáveis da Fed “não querem sinalizar que está tudo bem com a inflação quando a atividade económica está a acelerar e os preços ainda estão a subir a um ritmo que se situa bem acima da meta”.
Desde maio do ano passado, a Fed elevou as taxas de juro em 525 pontos base (5,25 pontos percentuais), o ciclo mais agressivo em quarenta anos para enfrentar o nível de inflação mais elevado desde os anos 80. 16 meses depois, a inflação na maior economia do mundo caiu para menos de metade (3,7% em agosto), mas continua bem acima da meta da Fed (2%).
A maior surpresa está na reação da economia, que demonstra uma notável resiliência à carga dos juros e perda de poder de compra das famílias devido à alta dos preços. Sobretudo no mercado de trabalho, onde a taxa de desemprego permanece encostada a mínimos desde século (3,8% em agosto) e a economia continua a criar bem mais de 100 mil novos empregos por mês.
No início deste ano, a generalidade dos economistas dava como certa uma recessão económica em 2023 nos Estados Unidos e até a Fed não escondia a timidez quando mantinha a confiança de que era possível evitar um cenário de contração prologada do PIB. Às portas do último trimestre do ano, a maior parte dos economistas já rasgou a estimativa de recessão nos EUA, apostando antes numa “aterragem suave” da economia.
O Goldman Sachs é dos que aposta neste cenário benigno conhecido por soft landing. O banco de investimento atribui atualmente uma probabilidade de apenas 15% a uma recessão nos próximos 12 meses e vê o PIB a crescer a um ritmo anual de 3,3% no terceiro trimestre. Estima ainda que a Fed vai mais do que duplicar a sua previsão de crescimento do PIB este ano para 2,1%, rever em baixa a projeção para a taxa de desemprego para 3,9% e a inflação subjacente (excluindo alimentos e energia) para 3,5%. Nos anos seguintes o Goldman Sachs vê o PIB com taxas de crescimento próximas de 2%.
“Continuamos do lado dos que não preveem uma recessão. Enquanto o mercado de trabalho permanecer forte e não entrar em colapso, a trajetória de crescimento deverá permanecer positiva, com o aumento dos rendimentos e dos salários reais, à medida que a inflação continua a diminuir”, adianta a economista da High Frequency Economics.
Feito raro
Apesar da tendência positiva, a Fed está longe de poder declarar vitória na inflação e evolução positiva da economia. O abrandamento no crescimento dos preços para os ambicionados 2% não está garantido e a “aterragem suave” da economia da economia ainda é um cenário que carece de validação.
Timiraos publicou esta semana outro artigo, este mais de análise, onde coloca água na fervura no otimismo com a possibilidade de um soft landing. Lembrando que os “aviões aterram, mas as economias não”, o jornalista conclui que são quatro os requisitos que ameaçam a concretização deste cenário benigno: 1) Fed manter os juros altos por demasiado tempo 2) Economia demasiado aquecida 3) Subida dos preços do petróleo 4) rutura nos mercados financeiros.
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Se o soft landing acabar por ser uma realidade, será sempre uma vitória para a Fed de Jerome Powell, que conseguirá domar uma inflação de quase dois dígitos sem forçar uma recessão. Não existe um consenso entre os economistas sobre quantas vezes a Fed conseguiu este feito, mas não há dúvidas de que foram muito poucas.
A mais notável e consensual aconteceu em 1995, quando era Alan Greenspan o presidente da Fed. A taxa de juro mais do que duplicou, superando os 6%, mas a economia não contraiu. Pelo contrário, nos anos 80, Paul Volcker foi obrigado a atirar as taxas de juro para perto de 20%, forçando uma recessão profunda na economia norte-americana (taxa de desemprego aproximou-se dos 11%).
A economia dos EUA já sofreu duas aterragens fortes (hard landing) neste século, que aconteceram após aumentos de juros da Fed para controlar a inflação, mas ambas com motivos mais fortes. Depois da Fed subir os juros entre 2004 e 2006, a economia entrou em recessão em 2008 devido à crise financeira. O hard landing repetiu-se em 2020 devido à pandemia, depois de um ciclo de aumento de juros que durou entre novembro de 2015 e janeiro de 2019.
Acreditamos que a Fed manterá as taxas estáveis no nível que representa o ponto mais alto do ciclo, mas continuará a sinalizar que outro aumento é possível este ano. Os responsáveis da Fed não querem sinalizar que está tudo bem com a inflação quando a atividade económica está a acelerar e os preços ainda estão a subir a um ritmo que se situa bem acima da meta.
Quando descem os juros?
A história dirá qual o destino da economia norte-americana, mas a probabilidade de soft landing será maior, quanto mais curto for o período em que as taxas de juro permanecerem no atual nível restritivo.
Apesar de ser evidente que a Fed tem a ambição de não voltar a subir os juros, os economistas esperam que o banco central deixe a porta aberta a este cenário. “As preocupações com a inflação e a resiliência da economia sugerem que a Fed vai continuar a sinalizar um potencial aumento final, mesmo que pensemos que não se vai concretizar”, escrevem os economistas do ING.
Além de atualizar as projeções para vários indicadores económicos, nesta reunião a Fed também vai publicar o dot plot, gráfico onde constam as médias das previsões dos responsáveis do banco central para as taxas de juro no final de 2023 e anos seguintes. O Goldman Sachs estima que o target para final deste ano permaneça em 5,625%, o que supere mais um aumento de 25 pontos base.
Apesar de este dot plot ser meramente indicativo, o mercado irá centrar atenções nos targets para 2024 e 2025, para avaliar o comprimento do planalto (manutenção de juros) e a velocidade da descida da montanha (cortes de juros). O Goldman Sachs aponta para 4,625% em 2024 e 3,375% em 2025, o que traduz um corte de apenas 25 pontos base por trimestre no próximo ano e um ritmo um pouco mais célere em 2025.
O ING estima 4,3% e 2024 e 3,4% em 2025. Tendo em conta o risco de o abrandamento da economia ir demasiado longe e transformar-se numa recessão, aliado aos desenvolvimentos positivos na inflação e mercado de trabalho, “pensamos que Fed vai estar em pausa durante vários meses, evitando aumentos em novembro e dezembro”, entrando depois numa “fase de cortes mais agressiva do que vai ser assumido pela Fed e está a ser estimado pelos mercados”.
De acordo com a ferramenta CME Group, que reflete as expectativas dos mercados para os juros da Fed, o cenário mais provável passa por a taxa estar em 4,75%-5% na reunião que acontecerá dentro de um ano (18 de setembro de 2024), o que pressupõe a redução de apenas 50 pontos base face ao nível atual.
Esta expectativa reflete as declarações que têm sido repetidas pelos responsáveis dos bancos centrais (não só da Fed), de que as taxas de juro vão ficar elevadas por mais tempo. É a narrativa do higher for longer que deverá dominar a conferência de imprensa desta quinta-feira de Jerome Powell.
“O momento em que a Fed mudará para uma política mais branda é incerto e dependerá da evolução da inflação e do mercado de trabalho. Se as nossas estimativas de uma desaceleração da inflação se revelarem corretas, então a orientação política deverá continuar a tornar-se cada vez mais restritiva ao longo do tempo, algo que a Fed irá considerar ao traçar a trajetória das taxas de juro no próximo ano”, salienta Rubeela Farooqi.
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Fed em modo de pausa nos juros fica mais perto da ambicionada “aterragem suave” da economia
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