Governo fixa teto “manifestamente insuficiente” para isenção fiscal das despesas de teletrabalho

O Governo definiu que até aos 22 euros mensais a compensação paga aos trabalhadores para cobrir as despesas associadas ao teletrabalho estará isenta de descontos. Parceiros sociais criticam valor.

Tanto os patrões como os sindicatos consideram insuficiente o valor escolhido pelo Governo como limite até ao qual as despesas do teletrabalho ficam isentas de descontos, considerando que este poderia ter ido mais longe. Em declarações ao ECO, os parceiros sociais frisam que não foram consultados a este respeito e avisam que já há mesmo contratos coletivos que preveem o pagamento aos teletrabalhadores de compensações superiores ao montante fixado, entretanto, pelo Governo.

“É positivo que o Governo, finalmente, tenha definido um valor isento de IRS. No entanto, o valor poderia ser mais alto, nomeadamente, se negociado em contratação”, sublinha João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).

Na mesma linha, fonte oficial da UGT diz considerar o valor escolhido pelo Governo “manifestamente insuficiente“, “penalizando os trabalhadores pelo aumento generalizado do custo de vida e, porque tudo o que for pago acima [do limite] será considerado rendimento. “Em última análise, até poderá criar constrangimentos à negociação dos aumentos salariais”, observa a central sindical.

Já Andrea Araújo, da CGTP, atira que o valor escolhido pelo Executivo “não há de deixar tristes as entidades patronais“, sendo insuficiente e “pernicioso“, uma vez que o montante em questão, em vez de funcionar como referência, deverá ser reconhecido como teto pelos empregadores, nas negociações com os trabalhadores.

“Mesmo nos casos em que as entidades patronais, com justiça, façam a devida compensação das despesas adicionais realizadas, o trabalhador é penalizado quando a quantia ultrapasse os 22 euros ou os 33 euros, tendo de pagar impostos e contribuições para a Segurança Social sobre um montante que sai diretamente da sua retribuição”, queixa-se a sindicalista.

Importa explicar que desde janeiro de 2022 que o Código do Trabalho já prevê claramente que os empregadores devem compensar os trabalhadores pelas despesas associadas ao teletrabalho, mas não era certo como devia ser calculado esse apoio. O esclarecimento chegou esta primavera.

A 1 de maio entrou em vigor a Agenda do Trabalho Digno, um pacote de alterações à lei do trabalho, que prevê, nomeadamente, que o valor para cobrir as despesas do teletrabalho pode ser acordado entre trabalhadores e empregadores, mesmo sem a apresentação de faturas.

A lei dita que esse apoio não deve ser considerado rendimento do trabalhador — ou seja, abre a porta a que fique isento de IRS e contribuições sociais –, mas indica que cabe ao Governo fixar o valor até ao qual não são exigidos descontos. Quase cinco meses depois, o Executivo decidiu dar a conhecer esse montante: 22 euros por mês (ou 33 euros por mês, no caso de ter sido acordado em negociação coletiva), isto é, um euro por dia.

“O valor aponta para um custo de um euro dia, quando alguns contratos coletivos já apontam para valores diários superiores“, alerta João Vieira Lopes.

A UGT confirma-o, referindo que, nos setores onde existe esta compensação, o valor é superior ao definido pelo Governo como limite até ao qual há isenção de IRS e contribuições sociais.

A central sindical liderada por Mário Mourão denuncia, por outro lado, que o atraso na publicação desta portaria veio penalizar os trabalhadores e a contratação coletiva, já que, sem um valor fixado por parte do Governo, a negociação foi sendo adiada. “Perdeu-se a oportunidade de introduzir este tema na contratação coletiva em contratos entretanto negociados”, salienta João Vieira Lopes, em linha com a UGT.

A CCP considera que o diploma chega tarde também porque, entretanto, foram pagos montantes, que poderiam ter ficado isentos de descontos, mas ainda não está claro se ficarão ou não livres de descontos pela aplicação retroativa da portaria. À saída de uma reunião da Concertação Social, o ministro das Finanças, Fernando Medina, assumiu que a demora na publicação desta portaria se deveu à área governativa que lidera.

Já da parte do setor turístico, Francisco Calheiros, da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), realça que os parceiros sociais “não foram convidados a pronunciarem-se sobre montantes da isenção de tributação dessas despesas”. “Também desconhecemos os estudos que foram efetuados pelo Governo para que viesse ser fixado o valor de 22 euros e não outro”, destaca o responsável, que acredita que, no prazo de um ano, a portaria pode vir a ser ajustada, “em função do que a realidade vier a demonstrar“.

Portaria permite que mais empresas paguem compensação

Ainda que a lei dite há mais de três anos que os empregadores devem compensar os trabalhadores pelas despesas do teletrabalho, várias empresas continuam a não pagar qualquer apoio, nomeadamente por causa das dúvidas em termos de tributação, têm argumentado os patrões. Agora que a portaria do Governo já está assinada, deverá aumentar o número de empresas a cumprir este direito dos trabalhadores.

“Clarificada esta questão, muito possivelmente vai aumentar o número de empresas a pagar estes custos. Mais importante, é que haverá mais condições para incorporar esta matéria na negociação coletiva, o que contribuirá para uma maior efetividade desta obrigação”, defende o líder da CCP.

Do lado dos sindicatos, a UGT faz a mesma leitura: “acreditamos que sim, muitas das empresas aguardavam a publicação da portaria para avançar com o pagamento de um valor fixo“.

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