Crescimento impulsionado pela procura interna pode ser “sustentável”, mas há riscos
Exportações portuguesas serão penalizadas pelo abrandamento das economias parceiras de Portugal. Procura interna vai suportar crescimento do PIB, mas sustentabilidade dependerá da criação de valor.
Com o abrandamento da economia internacional, com destaque para a União Europeia, as exportações vão deixar de dar um impulso significativo ao crescimento económico português. A procura interna vai assumir um papel mais central de suporte ao crescimento do PIB, um modelo que pode ser “perfeitamente sustentável”, mas depende de vários fatores, nomeadamente do “processo de criação de valor”, apontam os economistas ouvidos pelo ECO. Tem ainda riscos como o protecionismo ou um crescimento desequilibrado, alertam.
O Orçamento do Estado elaborado pelo Governo para 2024 tem já em vista este cenário, contando que, “em 2024, o crescimento do PIB assentará sobretudo na procura interna, num contexto em que se antecipa um menor dinamismo das exportações, particularmente de bens, fruto de uma conjuntura internacional mais adversa”, como se lê na página de apresentação do OE2024.
O reforço dos rendimentos dos portugueses é um dos pilares deste Orçamento, que terá de depender mais do consumo das famílias residentes. Como comentou o Presidente da República: o “Orçamento injeta dinheiro tentando fazer subir a procura interna, para equilibrar aquilo que deixa de ser recebido do exterior”.
O economista Ricardo Ferraz também destaca ao ECO que o Governo está a adotar estas medidas “porque a conjuntura externa se agravou e quer estimular a procura interna”. Mas salienta que mesmo se não desse estes apoios, “o excedente seria muito grande”, pelo que “era lógico que o Governo tinha de fazer algo”, destaca — ainda que considere que existia margem para uma descida mais pronunciada do IRS.
Mas será que um crescimento baseado na procura interna é um modelo viável? Para o economista João César das Neves, “é perfeitamente sustentável”. Como diz ao ECO, “tem de ser equilibrado, e é mais fácil basear-se na procura externa, que é mais vasta, mas na falta desta a procura interna é perfeitamente adequada”.
“Mas, claro que em Portugal as exportações, mesmo com o abrandamento europeu, continuam a ser essenciais”, admite. Enquanto em 2022 as exportações cresceram 17,4%, o número cai para 4,3% em 2023 e 2,5% em 2024, segundo as previsões inscritas no OE.
O Governo prevê um crescimento de 2,2% este ano, que desacelera para 1,5% em 2024. Ainda que a procura interna já desse um contributo importante para o desempenho económico, agora vai ter de suportar o crescimento. Isto já que para o próximo ano, o Governo espera que o contributo desta rubrica para o PIB seja de 1,8 pontos percentuais, enquanto a procura externa líquida traz um contributo negativo de 0,3 pontos.
Já para o economista José Reis, “quer estejamos a falar de crescimento impulsionado pela procura externa como pela interna, há sempre uma questão essencial que antecede cada um dos dois modelos: saber como vai ser internamente o processo de criação de valor”.
“Uma grande questão é quando passamos para um modelo de crescimento mais assente na procura interna, não estamos a falar de produção”, destaca o professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Assim, “se formos desenvolver essa procura interna, o que interessa saber é se vai ser um modelo que vai impulsionar a criação de valor nacional ou não”. “Se não for, continua em desequilíbrio”, nota.
O economista argumenta ainda que também não era porque o crescimento assentava na procura externa que era inerentemente bom. “Estávamos a exportar com baixo conteúdo nacional incorporado e o turismo também acrescenta pouco valor, porque os salários são baixos e vendemos turismo barato”, nota.
Desta forma, “se a mudança para um modelo de crescimento baseado na procura interna estiver articulado com uma capacidade nacional de maior criação de valor, é bom”, conclui.
Já no que diz respeito aos riscos de um crescimento suportado pela procura interna, César das Neves aponta que o primeiro “seria evidentemente o protecionismo ou a substituição de importações, que está de novo na moda, a subir um pouco por toda a economia mundial”. É “um desastre económico”, alerta o economista. Há também riscos de um “crescimento desequilibrado, que esquecesse a competitividade e o investimento”, acrescenta.
É de destacar que a procura interna agrega três componentes. Por um lado, tem o consumo privado, cuja previsão é de um crescimento de 1,1%, o mesmo que em 2023. Contempla também o consumo público, para o qual o Governo projeta uma subida de 2,3%, enquanto o investimento deverá crescer 4,1% no próximo ano, muito impulsionado pelos fundos europeus, nomeadamente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
O investimento ganha assim também uma importância redobrada. Para César das Neves, o investimento público “foi sacrificado durante muitos anos de política de “contas certas”, mas agora regressou graças ao PRR”. “Só que o investimento público, em si, nada significa”, diz. “Temos de ter bom investimento público, senão é desperdício” e os primeiros passos do PRR “não estão a ser animadores”, concluiu.
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