IA generativa na advocacia: inovar ou ficar para trás

  • Mónica Teixeira André
  • 8 Novembro 2023

Há cinco anos alguns advogados treinavam e utilizavam sistemas de machine learning para extrair informação relevante de documentos jurídicos. Hoje, já podem tirar partido de sistemas de IA generativa.

Há cinco anos, alguns advogados treinavam e utilizavam sistemas de machine learning, para extrair informação relevante de documentos jurídicos. Hoje, já podem tirar partido de sistemas de inteligência artificial generativa. O grande avanço destes novos sistemas é a sua capacidade de processamento de linguagem natural, gerando, a partir do nosso comando, um output novo (não uma mera extração de informação) com base em modelos estatísticos e probabilísticos e sem requerer qualquer treino prévio do seu usuário.

É evidente que os sistemas não são todos iguais, tal como os advogados que tanto diferem no seu entusiasmo e capacidade de uso destas novas tecnologias. Nesta constatação, aponto então o foco do tema para cinco pontos essenciais:

  1. O Risco: As novas tecnologias também trazem riscos e desafios que devem ser considerados e mitigados. Um deles é a segurança da informação. Um sistema aberto de inteligência artificial generativa, como o Chat GPT, está ao dispor de qualquer um que queira experimentar as suas capacidades. Mas no reverso da resposta que o Chat GPT dá (mesmo quando não alucina1), na verdade, também rouba silenciosamente o input que lhe foi dado na pergunta. Qualquer sociedade de advogados ou empresa deve regular o uso destes sistemas abertos e proteger os seus dados sensíveis e confidenciais. É crucial alertar para estes perigos e procurar sistemas realmente seguros, que garantam a privacidade, a integridade e a autenticidade da informação. Este é o nosso bem mais valioso. Perante este risco, na Cuatrecasas estamos a trabalhar num novo projeto que tem por base a utilização de LLM (large language models) e está alavancado em tecnologias OpenAI e GPT4, estando garantida a privacidade e confidencialidade.
  2. O Medo: Outro desafio é o medo que a inteligência artificial venha a substituir o trabalho do advogado. Este receio sobre a tecnologia não é novo, nem exclusivo da nossa profissão. Podemos compará-lo com o que sentiram os pilotos de Fórmula 1 quando a tecnologia desenvolvida na equipa da Williams começou a trazer grandes diferenças no desempenho e afinação dos seus carros, para grande pesar do Senna na concorrente McLaren. A solução não foi travar a inovação, mas investigar, ajustar a forma de trabalhar e tirar partido da tecnologia. As equipas evoluíram e não dispensaram mecânicos nem pilotos. O mesmo se aplica aos advogados. Só se pode lutar contra o medo com conhecimento e trabalho. Através do nosso projeto piloto de inteligência artificial generativa na Cuatrecasas, tomámos bem consciência dos perigos da alucinação da inteligência artificial, mas também conhecemos as suas capacidades e preparámo-nos para perceber quais os casos e como pode ser realmente diferenciador e motivador trabalhar com essa ferramenta.
  3. A Estratégia no desenvolvimento de competências: A inovação não se constrói meramente com a compra de sistemas. Releva muito toda a estratégia integrada de desenvolvimento de competências e apetrechamento das nossas equipas. Seja das equipas de IT, gestão de conhecimento e inovação, que devem ter um radar sempre alerta para triar necessidades e ofertas ou criação de novos sistemas, seja do Conselho de Administração que toma as cruciais decisões de investimento e giza a cultura e políticas de firma. A aposta em sistemas inovadores, mas seguros, tem de ser uma prioridade, sempre equilibrada com a equação de retorno do investimento. A formação transversal na sociedade é fundamental para que não se tenha nas mãos um carro de Fórmula 1 apetrechado com a melhor tecnologia e o piloto não saiba sequer como conduzir o carro. Consolidar uma estratégia e fomentar uma cultura de inovação em toda a firma é assim crucial para o sucesso do nosso trabalho cada vez mais sofisticado.
  4. A Gestão: A consistente gestão do conhecimento (ou seja, a partilha, triagem e compilação sistematizada do conhecimento) trabalhada ao longo do passado é um ponto-chave para agora se acelerar e assegurar uma boa implementação dos novos sistemas, potenciando os resultados sustentados nessa valiosa base know-how. Por outro lado, os desafios de saber gerir e cruzar diferentes sistemas e aplicações é uma mestria, tal como um piloto de Fórmula 1 deve saber usar e afinar com os seus mecânicos os diferentes sistemas (dos mais básicos aos mais modernos) para melhorar a sua performance.
  5. O otimismo: E agora? Nos últimos anos assistimos a uma aceleração e multiplicação de aplicações de legal tech. Os próximos anos trarão seguramente avanços tão ou mais extraordinários. Os clientes e departamentos jurídicos estão atentos e zelosos para o uso seguro da tecnologia, mas também interessados na constante melhoria da nossa capacidade de resposta e sofisticação.

Assistamos animados a esta evolução, atrevendo-nos a participar, para a jornada ser realmente interessante e impactante.

1 “alucinar” é efetivamente o nome técnico que se utiliza quando o sistema fornece informações com conteúdo incorreto ou erróneo, mesmo que escritas de forma muito coerente.

  • Mónica Teixeira André
  • Advogada e responsável pela área de Conhecimento e Inovação da Cuatrecasas em Portugal

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