Maioria das mexidas no Orçamento do Estado são do PS. IUC é a medida mais cara

O Parlamento aprovou 203 propostas de alteração, das quais 59% são da bancada socialista e 40,9% da oposição, sendo que PAN e Livre foram os partidos com mais medidas viabilizadas.

O último Orçamento do Estado (OE) da era António Costa foi aprovado com 203 propostas de alteração. Sem surpresa, a maioria das mexidas viabilizadas têm a marca socialista: tiveram luz verde 120 iniciativas, o que corresponde a 59% do total. O recuo do PS no agravamento do IUC, até um teto de 25 euros por ano, para carros anteriores a 2007 será a medida com a fatura mais pesada: vai custar 84 milhões de euros em perda de receita, o que corresponde a 56% da despesa global com medidas do PS.

Do lado da oposição, a bancada rosa deixou passar 83 alterações, que representam 40,9% das medidas viabilizadas. PAN e Livre destacam-se com o maior número de propostas aceites pelo PS. Cada partido conseguiu passar 26 medidas. De salientar que a Iniciativa Liberal conseguiu passar uma proposta, depois de o PS ter mudado o sentido de voto, que passa pelo estudo do alargamento da licença de parentalidade aos profissionais liberais. O Chega foi o único partido que viu rejeitadas todas as iniciativas de alteração ao OE.

À saída do hemiciclo, depois da aprovação final global do OE para 2024, e em jeito de despedida, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que “os portugueses vão ter em 2024 um OE que prossegue a trajetória de melhoria dos rendimentos, que promove o investimento e que protege o futuro”. “Ao longo destes oito anos, foi possível demonstrar que com uma política económica que apostasse em mais emprego, mais qualificações, mais inovação, teríamos maior investimento empresarial e maior capacidade de exportação”, completou.

De sublinhar que no final da intervenção do grupo parlamentar do PS, António Costa foi ovacionado de pé pela bancada socialista e chegou a emocionar-se. Num balanço sobre o período em que chefiou três Governos diferentes, António Costa afirmou ter “[virado] a página da austeridade e [tirado] o país de uma situação de défice excessivo para uma situação de sólida e tranquila estabilidade orçamental, o que aumenta agora as liberdades das escolhas políticas”.

Entre as alterações ao OE com maior impacto orçamental, destacam-se sobretudo as mexidas introduzidas pelo PS. Ao todo, e tal como o ECO tinha noticiado, as alterações socialistas irão custar aos cofres públicos cerca de 150 milhões de euros. O recuo no aumento do Imposto Único de Circulação (IUC) para carros entre 1981 e junho de 2007 tem a fatura mais pesada: irá custar 84 milhões de euros de receita que o Estado já não vai conseguir arrecadar, o que representa mais de metade (56%) da despesa global com as alterações apresentadas pelos socialistas.

Durante os cinco dias de debate e votações, a direita acusou por diversas vezes o PS de “eleitoralismo” e de “cambalhota” pelo facto de ter mudado de posição assim que foram convocadas eleições Legislativas antecipadas para 10 de março, na sequência do pedido de demissão do primeiro-ministro, António Costa, depois de ter tido conhecimento que era mencionado num parágrafo da Procuradoria-Geral da República no âmbito da Operação Influencer que investiga suspeitas de corrupção nos negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines.

Aliás, a propósito da reviravolta do PS em relação ao IUC, o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento ironizou no encerramento do debate desta quarta-feira: “É o PS marxista, mas na versão Groucho: Estes são os nossos princípios, se não gostam temos outros”.

Por outro lado, também terão um significativo impacto orçamental outras três propostas do PS: o aumento do incentivo à capitalização das empresas, que duplica de dois para quatro milhões de euros, a redução do IVA dos óleos alimentares da taxa normal, de 23%, para a taxa intermédia de 13% e a gratuitidade dos pequenos-almoços nas escolas para alunos carenciados do pré-escolar e dos ensinos básico e secundária.

Do lado da oposição, há medidas emblemáticas como o alargamento do passe ferroviário nacional, proposto pelo Livre, a gratuitidade dos passes navegante/andante estendida aos estudantes até aos 23 anos e a inclusão nesses títulos de transporte do serviço de bicicletas partilhadas, iniciativas do PAN, que terão algum impacto do lado da despesa. Uma outra proposta, do PAN, que prevê uma verba de dois milhões de euros para despesas relativas a prestação de serviços veterinários e para a criação de hospitais veterinários públicos também deverá ter algum peso no custo global.

Havia ainda um proposta do PCP que teria uma despesa significativa associada, mas, à última da hora, o PS deu o dito pelo não dito, e mudou o sentido de voto favorável para contra, chumbando a medida. Em causa está a abertura de 150 salas de aula no ensino pré-escolar da rede pública.

Acima de tudo, vingou a política das contas certas, tão defendida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina. Aliás, no encerramento do debate do Orçamento do Estado, o governante reforçou o slogan, destacando que conseguiu vencer os dogmas da esquerda, que permanentemente, se opõe às contas certas. “A redução da dívida não é um capricho, não é um troféu, não é um fetiche. É um caminho que garante a nossa soberania”, defendeu o Medina.

O ministro até parafraseou o economista de Paul Krugman, que falou de Portugal como um “milagre económico”. “A resposta não está nos santos, está nas boas políticas”.

Conheça, em baixo, as principais alterações do OE introduzidas pelos vários partidos, com o aval da maioria absoluta socialista.

PS: IUC, aumento das deduções com rendas, regime dos residentes não habituais alargado

Os socialistas garantiram a viabilização de todas as propostas de alteração que apresentaram, entre as quais a que eliminou a subida, ao ritmo de 25 euros por ano, do IUC dos carros anteriores a 2007, uma das que mais contestação gerou.

Mas o PS não recuou quanto à contribuição extraordinária do Alojamento Local (CEAL), de 15%, ainda que tenha clarificado que essa taxa não se aplica aos Açores e à Madeira, ficando as Assembleias Legislativas das regiões autónomas com a responsabilidade sobre que territórios querem aplicar a contribuição.

O PS aprovou ainda uma subida de 502 para 600 euros do limite da dedução em IRS com as rendas das casas, que pode ser majorado para 900 euros, no caso de famílias com rendimentos anuais até ao 1.º escalão do IRS (7.703 euros), e abriu caminho para que parte dos gastos com explicações ministradas em centros de estudo possa ser deduzida como despesa de educação.

Foi ainda integrada no OE a clarificação de que o programa Regressar, alargado até 2026, pode ser usado apenas por ex-residentes e que a descida da taxa especial de IRS de 28% para 25% se aplica apenas a rendas habitacionais.

O OE prevê a eliminação do regime fiscal dos residentes não habituais em 2023, mantendo a taxa de 20% de IRS para determinados profissionais e o PS alargou a possibilidade de usufruir deste regime durante mais um ano, até 2024, caso os pensionistas ou trabalhadores estrangeiros provem, até ao final de 2023, que já tinham intenção de se mudar para Portugal.

Foram ainda aprovadas medidas como o alargamento dos programas de rastreio oncológico aos cancros do pulmão, da próstata e do estômago, a descida em 40 euros da retenção na fonte para pessoas que vivem em casa arrendada ou a descida da taxa do IVA (de 23% para 13%) do óleo alimentar e das alheiras.

Livre: Passe ferroviário nacional e fundo de emergência para a habitação

O Livre conseguiu ver viabilizadas 26 propostas de alteração, entre as quais a que visa a criação de um fundo de emergência para habitação e uma banca ética e solidária.

O deputado único Rui Tavares teve também luz verde ao alargamento do passe ferroviário nacional aos comboios interregionais, urbanos e intercidades, no valor de 49 euros por mês, e ao levantamento exaustivo dos edifícios devolutos do Estado que possam ser adaptados para residências de estudantes.

O Livre conseguiu inscrever ainda na proposta orçamental a criação de um plano de formação dos funcionários das conservatórias e postos consulares sobre procedimentos de mudança de sexo e de nome e que, no primeiro trimestre de 2024, o Governo aprova a nova Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação Sem Abrigo 2024-2030.

Rui Tavares conquistou também a criação de uma unidade orgânica para promoção da língua mirandesa, com uma dotação de 200 mil euros, assim como a atualização dos cadernos eleitorais no próximo ano.

PAN: Alargamento da gratuitidade dos passes aos estudantes até aos 23 anos com sistema de bicicletas partilhadas

Entre as 26 conquistas da deputada única do PAN, Inês Sousa Real, está o alargamento da gratuitidade do passe sub23 aos jovens entre 18 e 23 anos de idade matriculados em cursos do ensino profissional e o aumento para 600 euros da dedução ao IRS com a renda da casa, uma proposta igualmente apresentada e aprovada pelo PS.

Para as pessoas em situação de sem-abrigo, o PAN conseguiu a aprovação de uma estratégia nacional para a sua integração e a garantia, pela parte do Governo, do financiamento dos protocolos do Instituto de Segurança Social para respostas como o “Housing First”.

Por proposta do PAN, o passe gratuito de transportes públicos incluirá também acesso aos sistemas de bicicletas partilhadas no próximo ano e as cadeiras e assentos para crianças em bicicletas passam a ter taxa de IVA intermédia (13%).

A criação de programas para acolher e apoiar estudantes, investigadores e professores que venham de instituições de ensino superior de Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia foi inscrita na proposta orçamental por sugestão do PAN.

O partido de Sousa Real conseguiu também ganhos na causa animal: criação de um grupo de trabalho para minimização das capturas acidentais de mamíferos, aves e répteis marinhos, a realização de estudo sobre o gato bravo e criação de programa de conservação.

PSD: Aumento das deduções em IRS de despesas com ginásios e garrafas de vidro isentas de IVA

Duas das bandeiras do maior partido da oposição foram rejeitadas pelo PS: o fim da contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local e um programa de ajuda do Estado à compra da primeira casa.

Entre as 16 propostas viabilizadas, o PSD conseguiu duplicar, de 15% para 30%, o valor do IVA dedutível em IRS das despesas com ginásios e estabelecimentos de ensinos desportivo e recreativo. Também foi aprovado o IVA zero, até final de 2024, das garrafas de vidro usadas no âmbito das atividades de produção agrícola.

Teve ainda luz verde a criação de um Programa Nacional de Apoio ao Planeamento da Mobilidade Urbana Sustentável, a criação de um programa para que as águas residuais tratadas usadas no combate aos incêndios rurais, bem como o reforço dos meios para prevenir e combater o tráfico de seres humanos e a violência contra as pessoas idosas.

PCP: Inclusão de fruta diária nas refeições escolares e eliminação de barreiras arquitetónicas

Entre as 10 propostas do PCP aprovadas, está a que exclui as empresas locais de silvicultura e cinegética da obrigatoriedade de dissolução em caso de desequilíbrio económico e financeiro nos últimos três anos, bem como a inclusão diária da fruta da época e das diversas regiões do país em todas as refeições escolares fornecidas em estabelecimentos de ensino público.

Os comunistas conseguiram ver passar também a eliminação de barreiras arquitetónicas, ficando de fora a parte relativa à transferência de verbas, mas viram o PS recuar relativamente a uma proposta que chegou a aprovar, inviabilizando a abertura de 150 novas salas na rede pública do pré-escolar.

BE: Limites aos alojamentos turísticos e revisão do modelo de financiamento da rede de apoio a vítimas de violência doméstica

Entre as quatro propostas do BE viabilizadas pelo PS, está a limitação a uma vez por ano da realização de contratos de arrendamento para fins turísticos, de forma a libertar estes imóveis para habitação própria e permanente.

Outra medida prevê que o Governo, “em diálogo com as associações feministas e de apoio às vítimas de violência sexista e sexual”, faça uma revisão do modelo de financiamento da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica.

Os bloquistas viram ainda passar uma proposta para que as entidades passem a ter 60 dias para comunicar aos requerentes a decisão de atribuição ou não do financiamento dos produtos de apoio a pessoas com deficiência.

IL: Estudo sobre alargamento da licença de parentalidade aos profissionais liberais

A IL apenas teve aprovada parte de uma proposta, após mudança do sentido de voto do PS nas votações avocadas, que estipula que se estude a possibilidade de os profissionais liberais serem abrangidos pelos regimes das licenças de parentalidade.

Chuva de críticas da oposição na hora da despedida

A sessão de encerramento do debate do OE, que decorreu esta quarta-feira, e que antecedeu a votação final global, ficou marcada por uma chuva críticas da oposição à gestão do governo socialista. À direita, o líder da bancada do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, defendeu que o PS “desbaratou a maioria e ruiu por dentro”, enquanto o Chega, pela voz de André Ventura, criticou as “cambalhotas eleitoralistas” do Governo, com os recuos na lei do tabaco e no aumento do IUC, na sequência da crise política.

Já Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, apontou que “não foi o parágrafo [da PGR] que fechou urgências de 36 hospitais, provocou a crise na habitação, manteve o desemprego jovem em mais de 20% ou que deixou turmas sem professores”. “Não foi o parágrafo que apresentou este OE que bate mais um recorde de carga fiscal”, declarou Rui Rocha.

À esquerda, a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, realçou que a maioria absoluta socialista ficou marcada pela “instabilidade política” e considerou que este OE “não vai melhorar a vida dos trabalhadores e do povo, nem assegurará melhores serviços públicos ou mais justiça fiscal”.

Mariana Mortágua, coordenadora do BE, descreveu como “o ex libris da maioria absoluta na hora da despedida” o país a “arder com a crise da habitação”. A sucessora de Catarina Martins falou ainda numa gestão do Governo marcada por uma “política de remendos”, com a “vida do povo” a ficar “presa por arames”.

PAN e Livre, que se abstiveram no voto final, preferiram realçar as conquistas que alcançaram com a aprovação de algumas medidas que propuseram em sede de especialidade. PSD, Chega, IL, PCP e BE votaram contra o OE e apenas o PS votou favoravelmente.

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