Ata do Ministério Público omite divergências internas sobre Operação Influencer
Ata da reunião de 22 de novembro do Conselho Superior do Ministério Público - liderado pela PGR - nada refere sobre a conversa e divergências dos vários membros relativas à Operação Influencer.
A ata da última reunião plenária do Conselho Superior da Magistratura (CSMP) — realizada a 22 de novembro — não tem qualquer menção às conversas e pontos de vista divergentes dos vários membros deste órgão colegial, apesar de estas terem existido, face a questões relacionadas com a Operação Influencer. Processo que foi divulgado no dia 7 de novembro em comunicado do gabinete de Lucília Gago e que culminou na demissão do chefe do Executivo, António Costa, e na marcação de eleições antecipadas para 10 de março por Marcelo Rebelo de Sousa.
O Conselho Superior da Magistratura é o órgão que fiscaliza a atividade dos magistrados do Ministério Público e que nomeia todos os dirigentes que controlam o andamento das investigações, presidido pela Procuradora-Geral da República, Lucília Gago. Em última análise, o CSMP é o órgão que domina a cadeia hierárquica do MP e que, por isso, poderá indiretamente dominar ou controlar a investigação. É composto por membros eleitos pela Assembleia da República e nomeados pela ministra da Justiça e procuradores.
A ata em questão — divulgada no site da PGR a 4 de dezembro –– não gasta uma linha a descrever a conversa que foi tida depois do polémico comunicado da PGR, que relevava uma investigação a António Costa. Mas, segundo o que a revista Visão já tinha publicado, o silêncio da Procuradora-Geral da República face à crise política que resultou na investigação da Operação Influencer, o papel do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) em público, o processo de averiguações à procuradora Maria José Fernandes e as palavras do ex-presidente do SMMP, António Ventinhas, sobre o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, foram temas que dominaram os “pontos prévios” da reunião, mas que nem Lucília Gago, nem os magistrados deste órgão pretenderam aprofundar.
Lucília Gago terá perguntado se existiam pontos prévios à ordem de trabalhos e o advogado Tiago Geraldo, membro designado pela ministra da Justiça e sócio da Morais Leitão, disse que era impossível fugir do assunto que está na ordem do dia: a Operação Influencer. Tiago Geraldo criticou o facto de, nas últimas semanas, ter sido o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a surgir publicamente como porta-voz da Procuradoria-Geral da República quando, na sua opinião, a comunicação com os cidadãos deveria partir do próprio Ministério Público.
Lucília Gago interveio na discussão apenas para dizer que tinha sido aberto um processo de averiguações ao artigo da procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes, publicado no jornal Público.
O artigo de opinião que deixou o Ministério Público desconfortável
O Ministério Público (MP) instaurou, a 24 de novembro, um processo especial de averiguação para aferir a “relevância disciplinar da conduta” da procuradora-geral adjunta, Maria José Fernandes, que escreveu um artigo de opinião em que criticava a atuação do DCIAP no processo da Operação Influencer.
Não se referindo diretamente à Operação Influencer, a procuradora-geral adjunta Maria José Fernandes defendeu que existe no Ministério Público quem entenda que “a investigação criminal pode ser uma extensão de poder”, denunciando situações de recolha de meios de prova por vezes “intrusivas e humilhantes”.
“No DCIAP deveria privilegiar-se o pensamento crítico, a discussão interdisciplinar, nomeadamente com colegas de outras jurisdições tocantes ou conexas”, escreveu, dizendo temer que se “tornem cabines herméticas, onde pontuam algumas prima donnas intocáveis e inamovíveis”. O tom crítico vai ainda mais longe quando a procuradora-geral adjunta defende que se permitiu a criação de “uma bruma de autossuficiência totalmente nefasta e contrária ao que deve ser a qualidade e a excelência” da profissão na carreira de procurador. “Os desfechos de vários casos já julgados permitem extrair que há aspetos do trabalho dos procuradores de investigação a carecer de revisão e aprimoramento pelo exercício da autocrítica”, assinala.
Operação Influencer e o comunicado escrito pela PGR
E foi a Procuradora-Geral da República (PGR), Lucília Gago, que redigiu o último parágrafo do comunicado sobre a Operação Influencer, divulgado a 7 de novembro, que levou à demissão do primeiro-ministro. Nesse comunicado ficou-se a saber da existência de uma certidão remetida para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para investigar suspeitas de participação de António Costa em alguns dos factos que estavam sob investigação.
Num segundo comunicado, enviado a 17 de novembro, a Procuradoria-Geral da República avisava, que o inquérito de investigação a António Costa já se encontra no Supremo Tribunal de Justiça desde 17 de outubro. “À data da emissão da mesma” – referindo-se ao comunicado anterior – “encontrava-se já instaurado no Supremo Tribunal de Justiça o inquérito mencionado no seu último parágrafo”. O parágrafo relativo ao ainda primeiro-ministro em que falava numa investigação autónoma a Costa enviada para o STJ e com o qual o primeiro-ministro justificou a sua demissão, duas horas depois.
Este esclarecimento da titular da investigação criminal surge depois do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa que dizia que, pela “primeira vez em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça”. No discurso de sete minutos, em que anunciou a marcação de eleições antecipadas, deixou um recado à Procuradora-Geral da República: “Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”, acrescentou o Chefe de Estado.
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