Cimeira do clima com número recorde de lobistas ligados aos combustíveis fósseis

Ao sexto dia da cimeira do clima, uma coligação ambiental identificou 2.456 lobistas de combustíveis fósseis presentes no Dubai. Preocupações em torno das negociações adensam-se.

O número de lobistas dos combustíveis fósseis na 28ª cimeira do clima das Nações Unidas (COP 28) é quase quatro vezes mais alto do que o número registado na cimeira do ano passado. Segundo as contas da coligação Kick Big Polluters Out (KBPO) formada por mais de 450 organizações internacionais ambientalistas, nesta cimeira do clima, no Dubai, contabilizaram-se 2.456 representantes dos combustíveis fósseis que, segundo a ONG, estarão a interferir nas negociações.

“O número recorde de lobistas este ano vai, sem dúvida, alimentar o fogo dos legisladores e dos grupos ambientalistas que exigem maiores restrições aos representantes do petróleo e do gás, que, segundo eles, têm demasiado poder na COP“, alerta a organização no comunicado divulgado esta terça-feira, sexto dia da cimeira do clima.

De acordo com a KBPO, vários países de todo o mundo inscreveram representantes de gigantes petrolíferas nas suas próprias delegações nacionais, como é o caso da França com membros da TotalEnergies e da EDF, Itália com uma equipa de representantes da ENI, mas também a União Europeia com funcionários de empresas como a bp, Eni e ExxonMobil. Recorde-se que os líderes mundiais reunidos no Dubai procuram chegar a um acordo que visa determinar um fim gradual para o uso e produção de combustíveis fósseis, até 2050.

Ativistas exibem cartazes durante um protesto que apela ao fim dos combustíveis fósseis no sexto dia da COP28, no Dubai.EPA/ALI HAIDER

Feitas as contas, dos cerca de 10 mil participantes que se contabilizaram no primeiro dia da cimeira, quase 2.500 estão ligados à indústria dos combustíveis fósseis. Em comparação, detalha a KPBO, este valor é superior a qualquer outra delegação de um único país, — com exceção do Brasil e dos Emirados Árabes Unidos — sete vezes superior ao número de representantes oficiais de comunidades indígenas oficiais, quase 14 vezes o número de representantes nas Nações Unidas e maior do que as delegações das 10 nações mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas.

O número de lobistas dos combustíveis fósseis nas negociações sobre o clima que podem determinar o nosso futuro é injustificável”, cita o comunicado as palavras de Joseph Sikulu, diretor-geral para o Pacífico do grupo ambientalista 350.org, uma das organizações integrantes da coligação. “Viemos aqui para lutar pela nossa sobrevivência. Que hipóteses temos se as nossas vozes forem sufocadas pela influência dos grandes poluidores?”, questiona.

Este é o primeiro ano em que as Nações Unidas exigiram que os participantes revelem para quem trabalham. Mas mesmo sem essa transparência, a investigação mostra que um número impressionante de pessoas do setor tem comparecido nas negociações anuais sobre o clima. Nos últimos 20 anos, os lobistas dos combustíveis fósseis receberam pelo menos 7.200 passes para participar nas COP, de acordo com uma investigação da KBPO.

Embora, oficialmente, só as delegações podem negociar os acordos internacionais sobre o clima, a investigação vai mais longe e alerta que alguns lobistas participam como delegados dos partidos, o que significa que estarão à mesa das negociações. A organização sem fins lucrativos descobriu que nos últimos 20 anos foram atribuídos, pelo menos, 7.200 passes a pessoas ligadas ao setor dos combustíveis fósseis para participar nas COP

Brasil, Japão e EUA levam “carimbo” do fóssil do dia

À semelhança do ano passado, as organizações ambientais presentes na COP têm atribuído todos os dias da cimeira o prémio de “Fóssil do Dia”. Os galardões começaram ser atribuídos pela primeira vez nas negociações sobre o clima em 1999, em Bona, por iniciativa de ONG alemãs, e decorrem na sequência de uma votação conduzida pelos membros da Rede de Ação Climática (CAN) que procuram identificar os países que se consideram terem dado o seu “melhor” para bloquear o progresso das negociações nos últimos dias. Ao sexto dia da COP, os Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia e Brasil foram os laureados.

No caso da Nova Zelândia, o CAN acusa o novo governo do país de minar a luta liderada pelos povos indígenas ao anunciar planos para reabrir as águas de Aotearoa à exploração de petróleo e gás. No comunicado divulgado, os ambientalistas consideram que as últimas decisões do Ministro das Alterações Climáticas, Simon Watts, comprometem os esforços das comunidades indígenas maoris que conseguiram obter a proibição da exploração de petróleo e gás nos oceanos da Nova Zelândia. Os ambientalistas da CAN, acusam Watts de tomar uma decisão “trágica”.

Igualmente “trágica” tem sido a posição assumida pelo Japão. Embora o primeiro-ministro Kishidatenha tenha anunciado duas iniciativas que visam escalar a “descarbonização global”, a CAN considera que os avanços são apenas “tentativas de prolongar a vida do carvão e do gás a nível nacional e em toda a Ásia”.

Também os Estados Unidos mereceram a distinção por ficarem aquém no que toca ao financiamento climático. Aos olhos dos ambientalistas, a contribuição de 17,5 milhões de dólares para o Fundo de Perdas e Danos fica longe das necessidades identificadas por este mecanismo que tem como objetivo ajudar os países mais vulneráveis a enfrentar as alterações climáticas.

“Os EUA dão prioridade ao fomento de conflitos em detrimento do clima, através de despesas militares excessivas e da triplicação da sua capacidade de produção de energia nuclear até 2050, em vez de financiarem o alívio dos inevitáveis impactos climáticos”, acusa a CAN, recordando que Washington disponibilizou 38 mil milhões de dólares em ajuda militar para Israel e mais de 60 mil milhões de dólares para Ucrânia. “Esta contribuição insignificante para ajudar a sarar as feridas climáticas é o cúmulo da hipocrisia”, dizem.

O Brasil, que se prepara para acolher a COP 30, em 2025, foi também eleito como “Fóssil do Dia”. O momento ocorreu depois de o presidente Lula da Silva se ter comprometido em ajudar as negociações que visam colocar um fim gradual aos combustíveis fósseis, no mesmo dia em que manifestou interesse em integrar no país na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP+).

“A corrida do Brasil pelo petróleo prejudica os esforços dos negociadores brasileiros no Dubai, que estão a tentar quebrar velhos e antigos impasses e agir com um sentido de urgência”, lê-se no comunicado do CAN.

 

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