Sistema de pensões “já é deficitário”. O que propõem PS e PSD
Buraco supera os sete mil milhões, segundo o economista Jorge Bravo. Para evitar cortes futuros nas reformas, Pedro Nuno defende sistemas complementares. Montenegro quer esperar por 2028.
O sistema de pensões “já é deficitário em 7.000 milhões a 8.000 milhões de euros”, alerta o economista Jorge Bravo, em declarações ao ECO, desmontando, assim, a “farsa do Governo que tem tentado mascarar as contas, quando não revela as transferências que todos os anos são feitas” para o sistema previdencial da Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), o subsistema contributivo da Função Pública, que está fechado a novos subscritores desde 31 de dezembro de 2005.
Face ao risco de perdas para os futuros pensionistas, o que vão propor PS e PSD na corrida às eleições legislativas de 10 de março? Pedro Nuno Santos defende sistemas complementares. Luís Montenegro quer esperar por 2028.
No ano passado, o sistema previdencial apresentou um excedente do sistema previdencial, responsável pelo pagamento das pensões, de 4.059 milhões de euros, o mais alto em mais de uma década, ainda que a Caixa Geral de Aposentações tenha registado um défice de 196 milhões de euros. Contudo, o especialista em pensões esclarece que “estes números não têm em conta as transferências do Orçamento do Estado”. Ou seja, sem este tipo de reforço, “os sistemas seriam deficitários”.
De facto, e analisando o relatório do Orçamento do Estado (OE) para 2024, o Estado prevê injetar 7.080,6 milhões de euros só para pagar reformas, dos quais 6,5 mil milhões serão para a CGA e 580,6 milhões de euros para a Segurança Social.
Para o consultor científico do Instituto Nacional de Estatística (INE) e de grandes seguradoras nas áreas de gestão de risco e sistema de pensões, “não se deve separar o sistema previdencial da Caixa Geral de Aposentações, porque desde 1 de janeiro de 2006 que este subsistema já não recebe contribuições”. Os trabalhadores que entraram para a Administração Pública passaram a descontar para a Segurança Social que “passou a receber anualmente mais de 3.200 milhões de euros em contribuições”, salienta Jorge Bravo.
Mesmo considerando as transferências do OE como fazendo parte dos saldos do sistema previdencial, o que resulta em excedentes, o relatório orçamental para o próximo ano estima que “os primeiros saldos negativos ocorram em meados da década de 30, atingindo valores inferiores a -1% do PIB na década de 2040″. “Os saldos deverão manter-se negativos até ao final da projeção (-0,3% em 2060 e -0,6% em 2070)”, lê-se no documento.
Quando o sistema previdencial entrar em défice, o Estado terá de recorrer à almofada que tem para despesas com pensões, isto é, tem de acionar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). No final do ano passado, esta reserva estava em 22,99 mil milhões de euros, o que dava para para satisfazer apenas 17,3 meses de encargos com reformas, inferior ao ano anterior e aquém do objetivo de cobertura de dois anos.
No final de 2023, o Governo estima que a carteira de ativos do FEFSS ronde os 26,7 mil milhões de euros (10% do PIB), aumentando para 11,8% do PIB, em 2024, e 20% do PIB na década de 60, segundo o relatório do Orçamento.
Ora um sistema deficitário pode colocar em causa as pensões, avisa Jorge Bravo: “É um risco maior, porque quando o País entra em crise normalmente tem de cortar no sistema de proteção social”.
Por outro lado, a fórmula de cálculo das prestações que, a partir de 2007, deixou de considerar os 10 melhores anos, em termos salariais, dos últimos 15, passando a fazer uma média de todas as remunerações, vai penalizar os futuros pensionistas que terão reformas cada vez mais baixas em relação ao último ordenado.
Novos pensionistas arriscam perder mais de metade do salário em 2070
Vários estudos têm apontado para uma redução acentuada da taxa de substituição da pensão em relação ao último vencimento. Um relatório, de 2022, conduzido pela Nova School of Business and Economics da Universidade Nova de Lisboa para Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) concluiu que quem se reformar daqui por 47 anos, em 2070, arrisca perder mais de metade do seu salário na pensão que vier a receber.
Em 2019, a taxa de substituição do vencimento pela pensão era de 79%, segundo o mesmo estudo. Ou seja para um ordenado de dois mil euros, o trabalhador recebe 1580 euros de reforma. Mas daqui por 47 anos, as estimativas são bem mais negras e apontam para uma redução de 33 pontos percentuais, de 79% para 46%, a terceira maior quebra da Europa, logo atrás de Espanha e Letónia. Já o recuo da taxa de reposição na média da UE a 27 é de nove pontos entre 2022 e 2070. Ou seja, para um mesmo ordenado de dois mil euros, o pensionista terá uma reforma de apenas 920 euros, menos 1.080 do que a último vencimento.
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) publicou recentemente uma análise sobre os riscos orçamentais e a sustentabilidade das Finanças Públicas em que cita o último Ageing Report, de 2021, da Comissão Europeia e conclui que, fruto da reforma estrutural do sistema de pensões em 2007 que procurou reforçar a sustentabilidade de longo prazo do sistema de Segurança Social, a despesa com pensões até 2070 vai baixar significativamente.
“O reforço da sustentabilidade financeira do sistema de pensões levou a uma diminuição da despesa com pensões, ou seja, a uma redução dos valores das pensões a atribuir comparativamente aos valores que se obtinham antes da aprovação desta reforma”, destaca o CFP.
Assim, e para evitar penalizações futuras nas reformas, tanto por via do défice do sistema previdencial tanto pela redução da taxa de substituição, Jorge Bravo defende a criação de sistemas complementares com empresas “como já existem na maioria dos países da Europa Ocidental”. É o chamado segundo pilar, previsto na Lei de Bases da Segurança Social, e que praticamente não tem expressão em Portugal. O terceiro pilar diz respeito aos sistemas de poupança individuais: os Planos de Poupança Reforma (PPR).
PS quer planos complementares com empresas já PSD prefere manter tudo como está
A caminho das eleições legislativas antecipadas de 10 de março, os partidos do arco da governação – PS e PSD – ainda não têm os programas eleitorais concluídos. Contudo, já é possível antever quais serão as propostas dos candidatos a primeiro-ministro.
O novo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, alinha com Jorge Bravo e defende “sistemas complementares de reformas de acesso alargado, a definir no âmbito da contratação coletiva”, lê-se na moção com que se candidatou a líder socialista nas eleições internas.
“Em complemento à pensão em sistema de repartição, todos os trabalhadores devem poder beneficiar de um patamar de proteção que melhore os seus rendimentos através de um mecanismo de poupança apoiado pelo Estado, constituído por esforço conjunto dos trabalhadores e dos empregadores, privilegiadamente obtido na negociação coletiva e executado por um sistema público. A proteção complementar na reforma deve deixar de ser um privilégio de trabalhadores de salários elevados e com poder negociar individual”, de acordo com o mesmo documento.
O ECO tentou obter mais detalhes sobre a proposta que está no capítulo da moção dedicado ao reforço do Estado social e da Segurança Social, mas a assessoria de Pedro Nuno Santos afirmou que só depois do Congresso do PS, que se realiza entre 5 e 7 de janeiro, será possível dar mais informações, já com o programa eleitoral concluído.
A medida “é defendida há anos pela UGT”, revelou ao ECO o secretário-geral adjunto da federação sindical, Sérgio Monte. Para o sindicalista, a proposta de Pedro Nuno “deverá passar por acordos globais setorais entre associações patronais e federações sindicais com vista a constituição de complementos de reforma”.
Porém, reconhece que “Portugal não tem tradição nesta área e é muito difícil implementar esses sistemas, porque empresas e trabalhadores têm de descontar mais”. Ou seja, para além das contribuições para a Segurança Social, de 11% para os trabalhadores e de 23,75% para as empresas, seria necessário descontar uma parcela adicional para o sistema complementar.
Qual poderia ser a contrapartida para as empresas? “Baixar a Taxa Social Única (TSU) é um tabu”, alerta Sérgio Monte, tendo em conta o chumbo do passado. Em 2017, a UGT subscreveu um acordo com Governo e patrões que previa a redução da TSU para as empresas em 1,25 pontos percentuais, como moeda de troca para o aumento do salário mínimo, mas a geringonça conseguiu travar a medida no Parlamento diante de um PS sem maioria absoluta.
Por isso, o secretário-geral adjunto da UGT considera que “a via será a da criação de um benefício fiscal” como aquele que foi aprovado que prevê, para o próximo ano, uma majoração em 50% das deduções em sede de IRC com os custos salariais desde que os ordenados sejam atualizados acima de 5%.
Mas se o PS ganhar sem maioria absoluta vai precisar de negociar à esquerda e terá um braço de ferro pela frente com o PCP, o que pode inviabilizar a criação de sistemas complementares de reforma tal como aconteceu com a TSU em 2017. O partido, liderado por Paulo Raimundo, revelou ao ECO que é contra esta solução.
“A promoção dos sistemas complementares de reforma serve, essencialmente, os interesses dos fundos de pensões que arrecadam milhões de euros de lucros utilizando os descontos dos trabalhadores para especular das mais diversas formas. Os resultados desastrosos desses sistemas são bem conhecidos dos milhões de trabalhadores em todo o mundo que ficaram sem descontos nem reforma depois dos escândalos que levaram à falência de fundos de pensões privados, como aconteceu com a Worldcom e a Enron, nos EUA”, segundo o PCP.
Por isso, “é significativo que o PS queira fragilizar a Segurança Social e o sistema solidário de repartição, introduzindo a lógica egoísta dos sistemas complementares de capitalização, abrindo a porta a mecanismos que arriscam na especulação os descontos dos trabalhadores e as suas reformas”, criticam os comunistas.
Entre as medidas que Pedro Nuno Santos deixa antever na moção com que se candidatou às diretas do partido, há ainda a indicação de que é necessário “avaliar a taxa de formação das pensões das pessoas que estiveram desempregadas ou que, em virtude da intermitência ou precariedade, veem a estimativa das suas pensões degradada”.
O PSD de Luís Montenegro é muito mais comedido, preferindo, para já, não mexer no sistema de sustentabilidade da Segurança Social. “Se o PSD ganhar as eleições, não vamos mexer no sistema de pensões nos próximos quatro anos, porque o importante é haver estabilidade e confiança no Estado social”, indicou ao ECO Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional (CEN) dos sociais-democratas. “Estamos a falar de um contrato social e as pessoas não podem estar sujeitas a alterações imediatistas”, reforçou.
“Primeiro vamos estudar, promover um debate na sociedade e, a partir das conclusões que forem tiradas, o PSD apresentará uma proposta daqui por quatro anos, na campanha eleitoral seguinte”, ou seja, para as legislativas de 2028. O cenário ideal seria “um pacto de regime com o PS”, sublinha, acrescentando que “o PSD não se opõe à criação de sistemas complementares de pensões”, como propõem os socialistas.
A única medida que o PSD vai propor passa pelo aumento faseado do complemento solidário para idosos para 820 euros, ao longo dos quatro anos da próxima legislatura.
De recordar que, no ano passado, o atual Governo criou uma Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social que ficou encarregue de apresentar propostas para a reforma do sistema de pensões, numa altura em que o Executivo temia um rombo nas contas públicas com uma atualização das prestações em linha com uma inflação muito elevada de 7,8%. O relatório devia ser apresentado no final deste ano, mas foi adiado duas vezes: primeiro para janeiro e, perante a convocação de legislativas antecipadas para 10 de março, para depois do ato eleitoral.
Ainda não são conhecidas as conclusões, mas, em julho do ano passado, aquando da constituição daquele grupo de peritos, a coordenadora, Mariana Trigo Pereira, deu entrevistas, apontando algumas soluções que poderiam estar em cima da mesa: taxar os lucros das empresas, aumentar as contribuições para a Segurança Social ou incentivar as poupanças dos contribuintes através de sistemas individuais e/ou coletivos.
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