Lehman dos têxteis “puxa” novas linhas para fugir ao destino em Guimarães

Considerada demasiado grande para cair no setor têxtil, por três vezes escapou à falência. Depois de décadas conturbadas, a Coelima tem novos donos, mas ainda luta para apagar as "manchas negras".

O portão principal verde, junto à antiga casa dos Coelho Lima, a família fundadora da Coelima, está fechado. A entrada na empresa de têxteis-lar de Pevidém, no concelho de Guimarães, que chegou a ser uma pequena e vibrante “cidade”, faz-se agora pelo outro extremo do complexo de edifícios. Domina o silêncio e na descida até à receção não se encontra um único trabalhador. À chegada, onde apenas um velho jornal da outrora gigante têxtil — chegou a empregar mais de 3.000 pessoas — pousado numa mesa, o acolhimento é feito pelo próprio diretor-geral da Coelima, by Mabera, a marca assumida após o derradeiro resgate em 2021.

Rui Pereira, apontado para o cargo após a aquisição pela Mabera, faz de guia pelos edifícios da velha fábrica, que recentemente comemorou 100 anos — e que conhece como a palma da mão. Foi aqui que começou a trabalhar como aprendiz de eletricista, em 1979, anos antes de a fábrica ter estado à beira da extinção por três ocasiões.

O primeiro resgate deu-se em 1991, durante o Governo de Cavaco Silva, com o executivo social-democrata a salvar uma empresa que era demasiado grande para cair. Uma espécie de Lehman Brothers do têxtil. Em 2011 foi a vez de a banca impedir o colapso e, dez anos mais tarde, coube a um industrial o papel de salvador. Dâmaso Lobo, dono da Mabera e com ligações à histórica têxtil de Pevidém, pagou 3,7 milhões de euros para salvar a companhia da bancarrota. Um tumulto que não retira grandeza ao passado da Coelima.

O nome Coelima é bem conhecido nesta zona e, nos tempos áureos, foi sinónimo de prosperidade para os donos e para quem nela trabalhava. Depois das crises vividas nas últimas décadas, a tecelagem faz-se agora com outras linhas. A produção nos vários edifícios está a meio gás, tendo alguns edifícios sido mesmo alienados a outras empresas, como é o caso dos acabamentos. “É uma atividade que consome muita energia. Vendemos à Tinkave e agora subcontratamos os serviços deles”, explica Rui Pereira. O mesmo destino tiveram outros dois edifícios — e mesmo os que mantêm a identidade Coelima são uma sombra do que já foram.

O processo para confecionar os produtos mantém-se intacto, conforme explica o atual diretor-geral da Coelima. Tudo começa no armazém de fio, o qual será dividido para fazer teia e para fazer trama. Cabe às bobinadeiras a função de dividir o fio. A fiação, essa, vem hoje praticamente toda do Paquistão. É mais barato. Concentram-se os recursos na confeção das telas mais nobres.

Dos 70 teares, apenas 30 estão a funcionar. No armazém do fio/trama, as máquinas de fazer teia seguem desligadas, assim como as luzes do edifício. A produção de fio está concentrada no primeiro turno, que terminou às 14h. Apenas no dia seguinte, pelas 6h da manhã se voltam a ligar as máquinas. Antes de seguir para o armazém de tecido, a tela passa ainda pelos acabamentos, no edifício ali ao lado.

Quando se entra na confeção, porém, tudo ganha nova vida. Ao contrário dos outros edifícios vazios, a sala enche-se de luz e cor, com os estampados e as cores vivas do Natal a dominarem as coleções que estão a ser preparadas. Os primeiros produtos a saltar à vista são de sleepwear, a nova aposta da Coelima, para ajudar a têxtil a dar a volta à crise. Quando regressou à atividade, após a aquisição pelo grupo Mabera, a Coelima teve que repensar estratégias, recuperar a confiança de fornecedores e clientes, e voltar a faturar.

Entre daqueles paredes, onde antes apenas se confecionava roupa de cama – lençóis e edredons – passaram a fazer-se também pijamas, robes, mantas e outros produtos de sleepwear. E juntaram-se outros clientes à lista de encomendas, com a fábrica a passar a trabalhar também a chamada divisão “pet”. Além da roupa de cama e dos pijamas, a Coelima by Mabera também “faz a cama” aos animais de estimação. Novas gamas de produtos que estão a conseguir chegar a novos clientes.

O sleepwear, o novo segmento trabalhado pela empresa, tem conseguido bons resultados, com a venda destes produtos nos Estados Unidos. No ano passado, a fábrica minhota também já conseguiu “colocar esse produto em Inglaterra e Irlanda”, conforme explica Rui Pereira, o diretor-geral da Coelima. Estes novos produtos estiveram por estes dias em exposição na Heimtextil, na Alemanha, onde a Coelima by Mabera marcou presença, num regresso às exposições com o seu nome e novos produtos.

Esta é uma marca muito reconhecida e padece do mal do que foi a [antiga] Coelima, das falências que teve antes. Arrasta uma mancha negra.

Rui Pereira

Diretor-geral da Coelima

A sustentabilidade é outra das apostas da fábrica centenária, que sempre foi vanguardista no seu tempo. Na mala leva produtos feitos à base de corantes naturais, produtos orgânicos, fibras sustentáveis, como cânhamo ou linho. É esta a linha que a empresa começou por promover no seu novo site de vendas, lançado apenas no último mês de dezembro e com que espera chegar a clientes mais jovens. “Vendemos muito na loja tradicional, apesar de estar presente no El Corte Inglés”, explica Rui Pereira. Para 2024, o diretor-geral da nova Coelima afiança que a têxtil está a explorar novos canais de distribuição.

A mancha negra das insolvências

Com um nome de peso no setor, a Coelima ainda está a lutar para dar a volta à difícil situação, que deixou a empresa à beira da falência por três ocasiões nas últimas décadas. É preciso pôr o pé em terreno seguro e isso apenas se consegue com uma situação financeira estável. Ainda que o atual acionista garanta que os cerca de 200 postos de trabalho são para manter, Rui Pereira admite que é preciso fazer mais para “ter uma margem de lucro confortável para o investidor”. Mas há desafios a superar.

Reportagem na empresa têxtil Coelima, by Mabera - 19DEZ23
Rui Pereira, diretor-geral da Coelima by Mabera, lamenta a má reputação deixada pelas crises da empresa.Pedro Granadeiro/ECO

“Esta é uma marca muito reconhecida e padece do mal do que foi a [antiga] Coelima, das falências que teve antes. Arrasta uma mancha negra”, admite o atual diretor-geral. Grande parte do trabalho inicial da nova administração focou-se em recuperar a confiança. Mas, inevitavelmente, o nome Coelima cruza com o passado. Ora áureo, de uma empresa que dava cartas a nível global no setor; ora quase decadente. Basta sair uma notícia relacionada com a massa insolvente da “antiga” Coelima para ressuscitar velhos fantasmas, dos quais a nova Coelima se quer desligar de vez.

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