Inteligência artificial requer diligência real

  • João Rocha de Almeida
  • 28 Fevereiro 2024

Sem prejuízo destes riscos, parece-nos inegável o potencial benefício para o exercício da Advocacia que pode advir do recurso à IA.

Se há algo que podemos dar por assente no que toca à evolução tecnológica e científica é que esses processos são irreversíveis e se impõem mesmo perante a resistência de alguns destinatários. Vimos noutras profissões que a disrupção tecnológica não cede nem mesmo perante o mais aguerrido entrincheiramento de uma classe profissional. A introdução na advocacia de ferramentas assentes em sistemas de Inteligência Artificial (“IA”) é inevitável, sobretudo com as potencialidades que estas revelam no processamento de grandes volumes de dados e informação, identificação de padrões linguísticos e, mais recentemente, na capacidade para gerar documentos (ou outros outputs) com base em parâmetros previamente fixados pelo utilizador (“Generative AI”). Para além de inútil, a tentativa de obstaculizar o recurso a estas ferramentas seria injustificada, porque estas permitem obter ganhos de eficiência significativos na execução de determinadas tarefas nas quais o ser humano não consegue competir com uma máquina.

Do ponto de vista legal, a Comissão Europeia tomou a dianteira e avançou com uma proposta de Regulamento que visa harmonizar as regras aplicáveis em matéria de IA. A proposta tem feito o seu caminho e, com grande probabilidade, brevemente teremos novidades a este respeito. Independentemente dos méritos que o Regulamento venha a ter – e serão certamente muitos – a limitação dos riscos inerentes à utilização da IA aplicada à Advocacia assentará sempre muito na capacidade de os próprios Advogados compreenderem esses riscos e os mitigarem através de uma utilização prudente.

Os fatores a considerar são inúmeros, pelo que, nesta sede, nos focaremos apenas em três aspetos que consideramos basilares para uma utilização prudente destas ferramentas.

Numa profissão tão marcada pela importância do sigilo profissional e da confidencialidade e reserva no tratamento das informações e documentos dos clientes, o recurso a quaisquer instrumentos que envolvam a análise e interpretação de informação tem necessariamente de assegurar que não é quebrado o vínculo inerente ao sigilo profissional.

No que se refere à utilização de ferramentas de Generative AI, importa não ceder à aparência de fiabilidade que os utilizadores tendem a atribuir ao resultado final gerado artificialmente. As máquinas também falham, e por vezes falham redondamente. Basta recordar o caso recente de um advogado do escritório nova-iorquino Levidow, Levidow & Oberman que, ao que tudo indica por confiar acriticamente no ChatGPT, utilizou numa ação judicial citações jurisprudenciais inexistentes, geradas artificialmente por aquela ferramenta. É fundamental implementar mecanismos de controlo do resultado final produzido para verificar a sua conformidade com o enquadramento jurídico aplicável.

Ainda neste domínio, importa ter presente o risco de o recurso a ferramentas de Generative AI poder expor o utilizador a situações de violação de direitos de autor, na medida em que o utilizador pode não ter qualquer controlo sobre as “fontes” a que recorrem estas ferramentas.

Sem prejuízo destes riscos, parece-nos inegável o potencial benefício para o exercício da Advocacia que pode advir do recurso à IA. Se o exercício desta profissão já exige constantemente padrões de diligência elevados e uma forte sensibilidade para a mitigação de riscos, o esforço de adaptação que a introdução da IA no dia a dia exige e continuará a exigir dos Advogados parece um preço relativamente acessível face a esse potencial benefício.

  • João Rocha de Almeida
  • Sócio da Eversheds Sutherland

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