O perfil dos advogados mudou e evoluiu. Desde a versatilidade ao conhecimento profundo do negócio e do setor, as valências dos profissionais são mais diversificadas e tecnológicas.
Mais versáteis, tecnológicos, poliglotas e com conhecimento profundo do negócio e do setor. Estes são os novos advogados do futuro, pelo menos para os cinco escritórios contactados pela Advocatus.
“O perfil dos advogados está em constante mudança. Há já muito tempo que para se ser um advogado completo, não basta conhecer o Direito; a profissão, crescentemente complexa, requer valências tão diversificadas quanto um conhecimento profundo do negócio e setor de atividade do cliente, uma atenção quotidiana aos novos serviços e produtos jurídicos lançados pelo mercado e o domínio das mais recentes tecnologias”, referiu Joana Almeida, diretora de Pessoas da Morais Leitão.
Mas em que consiste esta mudança? Para Maria de Lancastre Valente, diretora de Pessoas e Cultura da SRS Legal, para além das “óbvias” competências técnicas, um advogado tem de saber “dialogar noutras linguagens”, e por isso a “elasticidade e destreza são fundamentais”.
“Isso significa colocar-se ao lado do cliente na análise dos seus problemas, compreender o setor em que operam, a sua cultura organizacional interna, como funciona operacionalmente e em termos de governo interno, nomeadamente na tomada da decisão, quais os seus ‘pain points’ e, sobretudo, oferecer soluções pragmáticas, que resultam da gestão do equilíbrio entre tempo, custo e risco para aquele cliente, em concreto, num contexto específico”, acrescentou.
Já Bernardo Cunha Ferreira, sócio da CMS Portugal, considera que o perfil de um advogado necessita de se ajustar, adequar e atualizar face à evolução da realidade. “Um advogado dificilmente ‘sobreviverá’ se não for um conhecedor profundo do setor/negócio em que trabalha, antecipando as suas tendências, se não tiver capacidade de identificar, ‘traduzir’ e solucionar problemas jurídicos e se não olhar para as tecnologias como um parceiro essencial da sua atividade”, defendeu.
Por outro lado, o departamento de Recursos Humanos da Garrigues assegura que não há uma mudança de perfil, mas antes uma “evolução”. “As chamadas soft skills, que sempre foram necessárias, estão a ganhar cada vez mais relevância e já constituem um fator de diferenciação muito importante, se não fundamental”, sublinhou.
Soft skills pesam na hora de recrutar
As soft skills, como as relacionadas com as tecnologias, “pesam” cada vez mais na hora de recrutar advogados. Se há uns anos o conhecimento teórico, ou as chamadas hard skills, eram o mais importante, com o passar do tempo as soft skills passaram a ser cada vez mais valorizadas, quer pelos empregadores quer pelos trabalhadores.
Para a diretora de Pessoas e Cultura da SRS, o advogado tem de saber comunicar bem, pensando na linguagem e contexto do cliente, ler bem o cliente e o interlocutor. Para tal, precisa de “inteligência emocional”, “agilidade”, “proatividade” na busca de soluções pragmáticas e “confiança para endereçar necessidades que muitas vezes o cliente pode nem estar a equacionar ou valorizar”.
“O advogado tem de ser curioso, orientado para o negócio do seu cliente. E tem também de compreender e de se adaptar à sua linguagem, seja entregando soluções no formato dominante em que o cliente comunica internamente, com a tal agilidade tecnológica ou outra, seja ele próprio explorando outras linguagens, como a da gestão, a capacidade de analisar e trabalhar números, raciocinar, etc., para oferecer soluções realmente eficientes e eficazes”, disse.
Ainda que considere que a sólida formação jurídica seja fundamental, a managing partner da Gómez-Acebo & Pombo, Mafalda Barreto, defende que existe um conjunto de soft skills que são “extraordinariamente relevantes no contexto profissional” e que fazem a diferença no recrutamento. Entre elas estão os idiomas, conhecimentos informáticos, conhecimentos matemáticos e um espírito aberto e curioso ao mundo.
Na Morais Leitão procuram advogados “abertos” às novas tecnologias e “curiosos” em perceber de que forma elas podem ser colocadas ao serviço do Direito e dos interesses dos nossos clientes. “O modelo de recrutamento de advogados estagiários tem uma importante componente de avaliação de competências pessoais, em termos de soft skills, que é para nós fundamental”, disse.
Também a Garrigues considera que o desenvolvimento de competências que acrescentem valor, como o pensamento crítico baseado num profundo conhecimento do Direito, as relações interpessoais, a empatia e a criatividade, serão “fundamentais para os advogados do futuro”.
“Outra das características fundamentais que os profissionais do futuro e do presente terão de desenvolver será a contínua capacidade de aprendizagem e de adaptação à mudança. Não só na sua área de conhecimento, seja direito, medicina ou qualquer outra, mas também, e ao mesmo nível, das diferentes ferramentas tecnológicas e ambientes de trabalho a elas associados”, acrescentou o departamento de Recursos Humanos da Garrigues.
Com o perfil dos advogados a “evoluir”, os processos de recrutamento tiveram que se atualizar e tornar-se mais abrangentes e profissionais.
“Atualmente cremos que o processo de recrutamento será menos inquisitório do ponto de vista académico – questões jurídicas -, e mais centrado nas metas atingidas, no percurso de vida do candidato, nas opções tomadas; um processo ágil e próximo mais centrado no candidato”, explicou Bernardo Cunha Ferreira.
Para o sócio da CMS, da perspetiva dos candidatos, constatam um “maior critério” na escolha das sociedades a que se candidatam e uma maior experiência acumulada designadamente através de estágios de curta duração, o que “permite escolhas e decisões mais assertivas e fundamentadas”.
Maria de Lancastre Valente considera também que os processos de recrutamento profissionalizaram-se, exigindo-se uma preparação “cuidada” por parte das organizações e capacidade de resposta a questões que no passado não eram colocadas.
“Tem de haver, da parte da organização, uma proposta de valor clara, comunicada de forma clara, e, evidentemente, apreendida e respeitada pelo advogado, numa lógica de reciprocidade. Esse alinhamento de valores e de expectativas é fundamental para um bom ‘matching’ e desenvolvimento da relação”, notou.
Para a diretora de Pessoas e Cultura da SRS, as empresas passaram também a ser mais exigentes na seleção de candidatos.
Já para Mafalda Barreto, a maior diferença no recrutamento é estarmos a viver numa situação de “quase pleno emprego”, que veio alterar os equilíbrios entre recrutadores e recrutados. “E isso tem muito impacto em todas as dinâmicas de recrutamento, nomeadamente dando origem a processos mais apressados e com maior risco de erro”, acrescentou.
Com uma nova geração de advogados, novas expectativas são colocadas em cima da mesa na hora de recrutar, para além dos aspetos habituais como a remuneração e planos de carreira.
Por exemplo, Bernardo Cunha Ferreira admitiu que no escritório assistem a um crescente interesse dos candidatos pela projeção internacional e pela oportunidade de estar envolvido em temas multi-jurisdicionais. “Além desses aspetos há novas expectativas das atuais gerações a despontar e que são naturalmente tidas em conta nas estratégias de recrutamento como sejam: o ambiente no escritório, o acompanhamento e mentoring, a maior aposta na saúde e bem-estar dos colaboradores, a proliferação de uma cultura de inovação e agilidade, orientações ESG”, acrescentou.
O desafio é reter talentos
Nos últimos anos, um dos principais desafios do setor apontados pelos escritórios tem sido a retenção de talentos. “Este é possivelmente o maior desafio que enfrentamos: a geração z tem interesses, expectativas, aspirações totalmente distintas das que a antecederam. Temos de entender o que os motiva e retém – bom ambiente de trabalho, capacidade de aprendizagem, rotações no exterior, worklife balance -, e ver como ajustar, sem descaracterizar, as nossas organizações para reter eficazmente o talento”, disse Mafalda Barreto.
Num mercado de trabalho tão competitivo, Joana Almeida, diretora de Pessoas da Morais Leitão, considera que a melhor forma de reter talento é antecipando o que as novas gerações procuram, “sejam oportunidades de trabalho ou de formação no estrangeiro ou um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”, sem perder o ADN da firma.
Sublinhado que a atração e retenção de talentos será sempre um dos principais desafios, a Garrigues assegura que os profissionais são o ativo “mais importante” e “mais valioso”, uma vez lhes permitem oferecer o melhor serviço aos clientes.
“É por essa razão que sabemos que devemos estar sempre atentos às necessidades e preocupações, sempre em contínua evolução, não apenas dos futuros advogados, mas também de todos os profissionais que trabalham connosco”, disse o escritório.
Assim, a Garrigues considera que os jovens advogados são exigentes em relação ao ambiente profissional em que querem desenvolver a sua carreira, procurando organizações “tecnologicamente desenvolvidas”, “flexíveis” e “inclusivas” que lhes ofereçam oportunidades de desenvolvimento profissional e formação contínua e que “estejam verdadeiramente comprometidas com a sustentabilidade a longo prazo”.
À Advocatus, Maria de Lancastre Valente admitiu que o primeiro passo para reter talento é assumir que as necessidades das gerações mais jovens são diferentes e que é preciso “endereçá-las de espírito aberto”. O segundo passo é delinear e comunicar claramente o que valorizam e desejam a organização.
“Em terceiro lugar, sendo as novas gerações nativos digitais, as sociedades devem saber posicionar-se com uma oferta de inovação e tecnologia que ampare e catalize os serviços jurídicos que prestam, potenciando os advogados para tarefas de verdadeiro valor acrescentado. Isso não significa, no entanto, que estas gerações, todas de resto, descurem por um lado, o necessário investimento na aprendizagem de tarefas simples e rotineiras, mas igualmente importantes, e por outro, na sua “polivalência” de competências e linguagens, ainda que sejam especializados numa área do direito; é da combinação destes vários fatores que nasce a virtude”, referiu a sócio da SRS.
A advogada apontou ainda a “própria capacitação e compromisso das liderança e o reconhecimento da centralidade de uma boa governance interna” como passos cruciais à retenção.
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Versáteis e tecnológicos. Estes são os advogados do futuro
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