Do digital à indústria automóvel. Quais os setores estratégicos para a economia?

Energias renováveis, inteligência artificial e cibersegurança podem ser outras áreas, segundo economistas ouvidos pelo ECO. O novo líder do PS quer incentivos apenas para atividades de elevado valor.

Se, nas eleições legislativas de 10 de março, o povo der a Pedro Nuno Santos o poder para governar o País, o novo secretário-geral do PS tem um plano para mudar a especialização da economia portuguesa, assente em “setores de baixa complexidade tecnológica, de menor valor acrescentado” e “em baixos salários”, como se lê na moção de estratégia com que concorreu às diretas do partido.

O líder socialista quer elevar o nível de sofisticação da economia, que assim poderá pagar melhores ordenados, através da aposta do Estado em setores estratégicos que poderão passar pelo digital, as tecnologias de informação, a inteligência artificial, a cibersegurança, as ciências da vida e a biotecnologia, o lítio associado à indústria do automóvel elétrico e as energias renováveis, segundo os economistas, consultados pelo ECO, Manuel Caldeira Cabral, que foi ministro da Economia no primeiro Governo de António Costa, viabilizado e suportado, no Parlamento, pela geringonça (PS, PCP e BE), e Paulo Trigo Pereira, presidente do Institute of Public Policy e antigo deputado do PS.

Quer na moção que levou ao congresso do PS quer no discurso de encerramento do conclave que terminou este domingo, Pedro Nuno Santos é muito claro. “O setor privado pode e deve investir onde bem entender, como em qualquer economia de mercado, mas o Estado tem a obrigação de fazer escolhas quanto aos setores e tecnologias a apoiar“, afirmou diante dos congressistas.

E insistiu: “Em Portugal, a incapacidade de se dizer ‘não’ levou o Estado a apoiar, de forma indiscriminada, empresas, setores e tecnologias, independentemente do seu potencial de arrastamento da economia. A incapacidade de fazer escolhas levou a que sucessivos programas de incentivos se pulverizassem em apoios para todas as gavetas de forma a assegurar que ninguém se queixava. O problema da pulverização dos apoios é que, depois, não há poder de fogo, não há capacidade do Estado de acompanhar, não há recursos suficientes para transformar o que quer que seja”, alertou.

O ex-ministro das Infraestruturas e eventual futuro primeiro-ministro defende, por isso, que é necessário um “desígnio nacional para a próxima década”, que passa por “selecionar um número mais limitado de áreas estratégicas onde concentrar os apoios durante uma década; concentrar a maior parte dos apoios nestas áreas, na investigação nestas áreas, nos centros de transferência de conhecimento destas áreas, no desenvolvimento de produtos e tecnologias destas áreas e nas empresas com projetos que se insiram nestas áreas estratégicas”. O objetivo último é ter “uma economia mais sofisticada, diversificada e complexa podemos produzir com maior valor acrescentado, pagar melhores salários e gerar as receitas para financiar um Estado Social avançado”.

Quais serão as áreas estratégicas de Pedro Nuno Santos? O caderno não está fechado, até porque o programa eleitoral ainda está a ser elaborado, sob a coordenação da antiga ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão, e com a participação de governantes como Fernando Medina, ministro das Finanças. Quando encerrava o congresso, o sucessor de António Costa na liderança do PS admitia mesmo que a seleção das áreas estratégicas ainda “deve ser participada e discutida”.

Mas é possível ler nas entrelinhas algumas orientações. O Estado deve incentivar setores que conjuguem “competências empresariais, tecnológicas e científicas”, com “potencial de crescimento e de arrastamento e com consequências na resolução de problemas específicos da sociedade portuguesa”, proclamou no encerramento do congresso.

Na sua moção de candidatura a secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos defende também que o Estado deve afinar o seu papel “como promotor do investimento em setores inovadores – seja na atração ao incentivo às empresas (como nos setores centrais para as transições energética e digital), seja através da associação a empresas privadas em grandes projetos de investimento (como nas agendas mobilizadoras), seja na constituição de clusters industriais e de clubes de fornecedores, permitindo ganhos de escala e de qualidade produtiva e substituição de importações de produtos que podem (e muitas vezes já são) produzidos em Portugal”.

Os economistas Manuel Caldeira Cabral e Paulo Trigo Pereira traçam as linhas orientadoras do que pode vir a ser o plano de Pedro Nuno Santos para investimento e atribuição de apoios para setores estratégicos da economia portuguesa.

Digital, inteligência artificial, tecnologias de informação

“O digital e as tecnologias de informação, porque dão valor acrescentado e são importantes no crescimento económico futuro, deverão ser uma das apostas do Estado na economia”, defende Paulo Trigo Pereira. Na mesma senda, Manuel Caldeira Cabral acrescenta que, “dentro das áreas tecnológicas, a inteligência artificial tem um potencial muito grande de contágio em todos os setores, desde a produção, à distribuição, ao marketing”. O antigo ministro da Economia considera ainda que deve existir “um programa específico para as startups e empresas digitais com forte inovação”.

Cibersegurança

Dentro das tecnologias digitais, “a cibersegurança tem uma grande capacidade de exportação”, segundo o antigo governante do primeiro Executivo de António Costa. Nesta área, “é importante uma articulação entre os institutos públicos na área da defesa e as empresas privadas face ao contexto em que vivemos de aumento de ataques cibernéticos em Portugal e na Europa”, sublinhou. Caldeira Cabral considera que a aposta do Estado num cluster de cibersegurança terá não só um efeito de “resiliência militar” mas também um impacto positivo nas “exportações de valor acrescentado”.

Ciências da vida e biotecnologia

“As ciências da vida e a biotecnologia são outras áreas com muito potencial”, defende Caldeira Cabral, sublinhando que a aplicação da biotecnologia à medicina ou à indústria poderá ser um grande impulsionador do crescimento económico. “Paralelamente à revolução digital, está a haver uma revolução na biotecnologia a nível mundial e Portugal tem muito conhecimento nesta área, já que quase metade dos doutorados estão nas ciências da vida e na biotecnologia”, indicou. “Como Portugal não tem grandes empresas na área da biotecnologia”, Caldeira Cabral considera que “é necessário apoio público consistente, ainda que existam farmacêuticas de renome como a Bial”.

Ambiente e energias renováveis

Apoios ao cluster do ambiente e das energias renováveis são incontornáveis, na opinião de Caldeira Cabral e de Trigo Pereira. Esta aposta visa não só a criação de “novas alternativas de mobilidade sustentável como também a exportação para os países em desenvolvimento de soluções já existentes, nomeadamente, para o tratamento de águas residuais, exemplifica. “A transição energética continuará a ser um dos pontos fulcrais”, reforça o antigo deputado do PS.

Indústria do automóvel elétrico e lítio

Portugal não deve deixar escapar a revolução do carro elétrico. Neste momento, “o País já tem uma capacidade industrial importante na área automóvel, que está em forte transformação com os veículos elétricos”, considera Manuel Caleira Cabral. “Se a isto ligarmos as nossas disponibilidades de lítio, com a implementação de uma fábrica de baterias, a indústria do automóvel elétrico terá muito potencial de crescimento”, defende o economista. “Em sete anos, o número de automóveis que exportamos praticamente duplicou. Portugal não deve ficar para trás na transição para os veículos elétricos”, defendeu.

Formação, inovação e internacionalização

O secretário-geral do PS defende que o Estado deve concentrar incentivos em determinados setores estratégicos, em vez de dispersar apoios. Contudo, há três áreas transversais ao tecido económico empresarial que devem continuar a beneficiar de ajudas públicas. Pedro Nuno Santos afirmou, no discurso de encerramento do congresso, que “a política económica deve continuar a apoiar a formação, a inovação e a internacionalização das empresas que apresentem bons projetos, independentemente do setor onde se insiram”.

Neste âmbito, o líder do PS comprometeu-se a apresentar “um programa de desburocratização e simplificação, elaborado em diálogo e com a participação das empresas portuguesas, que reduza de forma substancial os obstáculos ao investimento, sempre com transparência e no respeito pelo ambiente”. Pedro Nuno Santos quer também implementar “um programa para a capitalização das empresas, que promova o acesso a formas alternativas e complementares ao financiamento bancário […] e um programa de apoios à internacionalização, que seja mais do que um programa de apoio às exportações e que tenha a ambição de ter um maior número de empresas portuguesas internacionalizadas, isto é, com presença internacional”, defendeu.

Participação do Estado em empresas estratégicas: TAP e CTT

Estando ainda fresca a polémica compra do Estado de 0,24% de ações dos CTT em 2021, Pedro Nuno Santos preferiu omitir a sua posição sobre a participação pública em empresas estratégicas. Apesar disso, entre as moções setoriais ao congresso, surgiu uma a defender precisamente a recuperação do controlo estatal da empresa de correios.

O ex-ministro das Infraestruturas já admitiu que a privatização dos CTT foi “desastrosa” e que “lesou o interesse do Estado e dos portugueses”, pelo que a “participação do Estado na empresa permitia acompanhar o cumprimento do contrato”, afirmou na passada sexta-feira, no Parlamento. No entanto, já afastou a ideia de reverter privatizações.

Ainda antes do congresso e das eleições internas do partido, o socialista defendeu que a maioria do capital da TAP deve continuar na esfera pública: “Defendo a abertura do capital da TAP a um grupo de aviação, não a fundos ou instituições financeiras, mas que o Estado mantenha a maioria do capital”.

“É importante a TAP não ficar sozinha, e estar integrada num grupo de aviação, mas acho que a melhor forma de garantirmos uma TAP portuguesa, sediada em Portugal, a pagar impostos em Portugal, a cobrar às empresas portuguesas e a desenvolver o hub de Lisboa. A melhor forma de garantir isso, é ficar com essa maioria de capital”, afirmou em outubro, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, ainda antes do primeiro-ministro se ter demitido e de o próprio ter anunciado a sua candidatura a líder do PS.

Pedro Nuno Santos defende ainda uma “nova estratégia para as empresas públicas” como a CP – Comboios de Portugal, isto é, um reforço do seu papel na economia portuguesa, de acordo com a sua moção estratégica.

O regime jurídico do setor empresarial do Estado, criado em 2013 durante o programa da troika, introduziu um regime apertado de controlo financeiro sobre as empresas públicas. Embora muito importante, este controle deve ser complementado com uma estratégia em que as empresas públicas, dotadas de know-how e capacidade no investimento, possam assumir um trabalho de coordenação enquanto empresas-âncora, na dinâmica de modernização e sofisticação dos setores onde atuam”, lê-se no mesmo documento.

O líder do PS indica que essa coordenação “envolverá necessariamente empresas privadas numa lógica de parceria para a inovação, arrastando o seu desenvolvimento através de projetos colaborativos – na linha do que a CP está a fazer na dinamização do setor industrial ferroviário, onde a colaboração entre o setor público, o setor privado e a academia permitiu fortalecer a empresa, ao mesmo tempo que incentivou o investimento privado neste setor, criando um cluster industrial da ferrovia e do comboio que até aí não existia”.

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