Fundos europeus permitem maior seletividade nos investimentos
“Programas de incentivos em Portugal foram dos que sistematicamente apresentaram menos seletividade na UE", disse Pedro Nuno Santos. Antigos ministros de esquerda e de direita pedem estratégia.
Maior seletividade nos apoios europeus e concentrar os recursos nos projetos capazes de transformar economicamente o país, como sugeriu Pedro Nuno Santos, é uma estratégia elogiada por antigos ministros de esquerda e de direita, ouvidos pelo ECO. O problema está na forma de o fazer. E o obstáculo não são as regras dos fundos comunitários, porque esses podem sempre ser reprogramados.
“Em Portugal não há uma estratégia pré-existente onde utilizar os apoios europeus”, critica o antigo ministro da Economia, Augusto Mateus. “Perante a existência de dinheiro é que nos perguntamos: vamos gastar onde? Decidimos fazer umas coisas à pressa”, acrescenta.
“As regras comunitárias são muito caras à concentração temática e financeira dos fundos estruturais e de investimento europeus, seja na programação plurianual (PT2030) ou no PRR”, defende o professor e especialista em fundos europeus. “O incentivo é de utilização das verbas em projetos com massa crítica e não fazer chegar 50 cêntimos a todas as partes”, acrescenta.
No seu discurso de encerramento do congresso socialista este domingo, Pedro Nuno Santos defendeu que, “em Portugal, a incapacidade de se dizer ‘não’ levou o Estado a apoiar, de forma indiscriminada, empresas, setores e tecnologias, independentemente do seu potencial de arrastamento da economia. A incapacidade de fazer escolhas levou a que sucessivos programas de incentivos se pulverizassem em apoios para todas as gavetas de forma a assegurar que ninguém se queixava”. “O problema da pulverização dos apoios é que, depois, não há poder de fogo, não há capacidade do Estado de acompanhar, não há recursos suficientes para transformar o que quer que seja”, sublinhou o novo líder socialista.
“Devemos acentuar a dimensão vertical do sistema de incentivos e intensificar o grau de seletividade que permita garantir a concentração de recursos necessários para desenvolver aqueles setores ou tecnologias capazes de arrastar processos de transformação económica”, prosseguiu o sucessor de António Costa, como secretário-geral do PS. “Os sucessivos programas de incentivos em Portugal foram dos que sistematicamente apresentaram menos seletividade na União Europeia”, apontou. “É tempo de ser claro e de fazer escolhas, porque governar é escolher”, concluiu.
Seria bem-vindo que propusessem uma política económica com concentração temática e financeira dos investimentos. Continuamos numa lógica de fazer chegar investimentos a todo o lado. Como não têm massa crítica, não geram resultados.
Augusto Mateus concorda que “qualquer Governo português”, independentemente da cor partidária, “deve ter uma estratégia de desenvolvimento, que pode ser mais estatista ou mais para o mercado, mas tem de ser estratégica. O mundo avança a uma velocidade muito significativa para a qual é preciso estar preparado”. Mas, alerta, “não basta ter boas ideias, é preciso levá-las à prática e ter em conta o que os outros estão a fazer”. “Há décadas que discutimos aeroportos e alta velocidade e não o que queremos, apenas onde os localizar. Nesse espaço de tempo, a China fez 40 linhas”, ironiza o antigo ministro de António Guterres.
O objetivo de maior seletividade também é elogiado por Miguel Poiares Maduro. “Mais seletividade é importante, mas não da forma como Pedro Nuno Santos sugere”, diz o antigo ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional de Pedro Passos Coelho e que tinha a tutela dos fundos europeus. Na sua opinião a seletividade deve ser feita com base na avaliação de resultados – dar mais dinheiro aos projetos de maior sucesso e que mais contribuem para o desenvolvimento da economia. O professor universitário dá o exemplo da formação profissional: os cursos que asseguram maior empregabilidade e cujos alunos têm mais sucesso no mercado de trabalho devem ser discriminados positivamente, defende.
“Não pode ser o Estado a determinar quais os setores onde se deve investir para aumentar a competitividade da economia”, diz Poiares Maduro. “Isso gera problemas de criar rendas e corremos o risco de capturar os fundos europeus. Deixar a definição das áreas estratégicas a quem tem o poder político é aumentar o risco de a decisão ser tomada não com base em elementos técnicos, mas com intenções político-partidárias”, acrescentou.
Deixar a definição de onde deve ser feito o investimento a quem tem o poder político num determinado momento é aumentar o risco de criação de rendas.
Augusto Mateus considera que Portugal até tem “alguma política financeira, mas não uma política económica”. “Não tomamos as decisões preparadas e validadas em eleições. Nada é apresentado em termos eleitorais. Os partidos dividem-se sobre métodos, sobre se devemos ir mais depressa ou mais devagar e não sobre a estratégia”, lamenta, acrescentando ainda que existe uma “esquizofrenia entre o que se critica e o que se propõe”.
“Atribuímos fundos a projetos e não a estratégias”, critica o antigo responsável que sucedeu a Daniel Bessa. Apoiar projetos que até aumentam as exportações, mas requerem imensas importações e não têm uma estratégia de aumentar os recursos endógenos pode não ser a melhor opção. Augusto Mateus dá ainda o exemplo do data center de Sines como um projeto que parece ter subjacente uma “lógica só de gastar”. “Não se constrói um data center em cima do oceano, sem bom posicionamento, numa zona com riscos sísmicos e sem condições climatéricas que poupem energia, além de que deve ter acesso a energia boa e barata”, diz.
O eurodeputado José Manuel Fernandes considera que “Portugal deveria pensar primeiro onde quer chegar em termos de salários médios, exportações, educação, investigação e desenvolvimento. Depois de fixar os objetivos nacionais e estruturantes ver quais os fundos à sua disposição”. Nesse sentido, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi mais uma “oportunidade perdida” já que o Governo optou por usar as verbas para fazer “o investimento que o Estado deveria ter feito no setor público”. “O PRR está demasiado virado para o Estado e menos para projetos estruturantes que ajudassem a melhorar a competitividade da economia nacional”, acrescenta.
Temos desperdiçados os recursos disponíveis, nomeadamente ao nível da mobilidade, e Pedro Nuno Santos é o grande responsável.
Mas ainda estamos a tempo de inverter caminho, garantem todos os responsáveis ouvidos pelo ECO.
“Vamos sempre a tempo de fazer uma reprogramação”, garante Augusto Mateus.
“Os Acordos de Parceria”, que enquadram cada quadro comunitário de apoio, “podem ser alterados as vezes que um Estado-membro quiser”, explica ao ECO o eurodeputado José Manuel Fernandes. Mas, “como a execução do Portugal 2030 é zero em termos de pagamentos e temos de executar este ano três mil milhões de euros”, o eurodeputado social-democrata alerta para os riscos que comportaria uma reprogramação total, que poderia obrigar à devolução de verbas. “Vai haver execução à pressa”, alerta o responsável que vê nas palavras de Pedro Nuno Santos “uma autocrítica à incapacidade de o Orçamento do Estado gerar riqueza para investir em obras estruturantes”. E dá um exemplo: “em 2013, os fundos europeus representavam 50% do investimento público e agora representam 90%”.
Miguel Poiares Maduro acredita que, mesmo sem uma reprogramação, “podem ser dadas instruções para que quem avalia os projetos selecione os que têm maior dimensão. Sem ser necessário definir ex-ante áreas”, até porque isso já existe. Mas, “as próprias finalidades dos fundos nem sempre estão alinhadas com as finalidades nacionais” e, por isso, “é necessário ter capacidade de investimento próprio”.
Augusto Mateus dá o exemplo da Área Metropolitana de Lisboa que saiu do nível de apoio máximo dos fundos europeus no período de programação 2000-2006. O seu nível de desenvolvimento era 25% do contexto da UE e agora é 4% inferior. “Foi uma quebra imensa”, diz o antigo ministro socialista, “porque Portugal só faz investimento com base nos fundos estruturais. Sem eles nada é feito”, lamenta. Além disso, alerta, “as regiões têm de trabalhar entre si e não concorrer umas contra as outras”.
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