Encerramento das centrais a carvão? “O ideal era ter adiado”, diz António Mexia
No seu regresso ao espaço público, Mexia admite que hoje, face à escalada do conflito armado na Europa e à crise energética, teria "adiado" a decisão de encerrar a central a carvão em Sines.
Em 2022, ano marcado por uma crise energética que resultou da guerra na Ucrânia, e por uma subida exponencial nos preços da eletricidade tanto em Portugal como na Europa, foram várias as vezes em que se questionou se o timing do encerramento das centrais carvão em Portugal terá sido o mais indicado.
Dois anos volvidos, e com os preços da eletricidade já estabilizados, a pergunta volta a surgir mas desta vez foi lançada pelo ex-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, uma das cerca de 50 pessoas que se deslocou ao Tagus Park, esta quinta-feira, para assistir a uma palestra do ex-CEO da EDP António Mexia. Além de Saraiva, estiverem presentes no auditório outras caras conhecidas: Alexandre Fonseca, ex-CEO da Altice Portugal e Isaltino Morais, presidente da câmara de Oeiras, por exemplo.
O momento marcou o regresso ao espaço público do gestor que foi afastado da liderança da energética portuguesa, em julho de 2020, depois de ter sido constituído arguido no caso das alegadas rendas excessivas da EDP. Numa intervenção de aproximadamente 50 minutos perante uma plateia a meio gás, a apresentação de Mexia teve como tema central a transição energética, identificando mitos “pegajosos”, dificuldades, mas sobretudo, oportunidades a ela associadas.
A pergunta sobre o futuro das centrais ainda pairava no ar e, após uma breve hesitação e alguns rodeios, surgia a admissão: “É óbvio que as coisas vistas hoje são diferentes. Hoje, diria que o ideal era ter adiado [essa decisão] perante a guerra, é óbvio. A guerra não estava prevista”, respondeu António Mexia à pergunta de Saraiva, na plateia, sugerindo que esse adiamento fosse de um ano.
Ainda assim, defendeu que “transição é sempre uma transição” e que esta além de ser “harmonizada e inclusiva”, não se pode limitar a ser “apenas para plateia”, disse, mantendo confiança na decisão que a EDP oficializou a 15 de janeiro de 2021, de encerrar aquela que foi a maior central termoelétrica do país. A central chegou a abastecer quase um terço da eletricidade consumida em Portugal.
O foco agora é dar o passo no sentido de uma economia neutra em carbono. Este caminho, explicou o gestor, será feito através da eletrificação. “Electricity is the new oil“ [a eletricidade é o novo petróleo], pregou à plateia, defendendo que a transição energética deve ficar assente em cinco “D”: descarbonização, descentralização, digitalização, democratização e desenvolvimento sustentável.
Mas para isso será preciso dar impulso a novos investimentos, sobretudo através da energia renovável que hoje, de acordo com António Mexia, “é a tecnologia mais barata para gerar eletricidade”, rejeitando as noções de que as soluções “verdes” são mais caras do que aquelas com origem no gás ou carvão. “Mas será preciso triplicar a capacidade instalada, o que não é coisa pouca“, defendeu.
Embora António Mexia recorde que 80% do investimento das renováveis terá de ser feito pelo setor privado, o setor público também terá um papel a desempenhar neste processo, nomeadamente, no que toca ao “enquadramento necessário para atrair o investimento”.
“É preciso ambição, inovação, cooperação, parcerias e capacidade de execução. Em Portugal, isto é algo difícil mas esta luta contra as alterações climáticas só se fará em conjunto, e com um grupo de stakeholders muito alargado de instituições e empresas públicas e privadas”, defendeu.
Para o ex-CEO da EDP, a importância da cooperação entre o público e o privado na transição energética em Portugal ganha maior relevância quando se olha para o leque de oportunidades que dali podem surgir dado que o país beneficia de uma abundância de recursos naturais, como o sol e o vento, e preços baixos de eletricidade, quando comparado com outros países europeus.
“Portugal tem preços [da eletricidade] abaixo da média europeia. E, em muitos casos, é metade do preço dos nosso principais concorrentes”, afirmou, citando dados do Eurostat, o gabinete de estatísticas europeu. “Portugal tem sido capaz de apresentar resiliência e estabilidade nos preços da energia“, o que permitiu “sobreviver” à mais recente crise energética pós-invasão da Ucrânia, acrescentou.
O regresso do ex-CEO ao espaço público, esta quinta-feira, 11 de janeiro, tem outro propósito para além desta palestra. É que 2024 marca o ano em que António Mexia, agora com 66 anos, ficará livre para trabalhar novamente em empresas de energia, isto depois de ter firmado um acordo de 2,4 milhões de euros de não-concorrência com a EDP — acordo este que lhe deu, simultaneamente, direito a um seguro de saúde e de vida.
Se regressará à vida de gestor numa empresa energética (setor onde fez carreira durante três décadas) depois de quatro anos na sombra, permanece uma incógnita — e, à margem da palestra, Mexia não quis desvendar esse mistério aos jornalistas nem comentar a atualidade dominada por uma crise política por considerar não ser o momento mais “oportuno“. Até lá, deverá continuar a dar aulas ou a prestar serviços de consultoria. Sobre o seu futuro na energia, só o tempo dirá.
Noticia atualizada pela última vez às 20h40
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