Ordem terá menos 40% das inscrições, depois de vetar entrada de advogados brasileiros

A Ordem estima receber menos 211 mil euros de taxa de inscrição. O Conselho Fiscal, que avaliou o orçamento para 2024, aponta a razão: o fim do regime de reciprocidade para advogados brasileiros.

A Ordem dos Advogados vai receber menos 211 mil e 200 euros em 2024, devido à não inscrição de advogados brasileiros para poderem exercer em Portugal. O Orçamento da Ordem para 2024 prevê, assim, receber 310 mil euros de taxas de inscrição, quando em 2023 receberam 521 mil euros (ver quadro abaixo).

Foi no início de julho que a OA deliberou, por unanimidade, cessar o regime de reciprocidade em vigor com a Ordem dos Advogados do Brasil. Na altura, os representantes dos advogados asseguraram que esta tomada de posição não iria afetar os processos de inscrição de advogados que se encontrem em curso. Cinco meses depois, a Associação dos Advogados Estrangeiros em Portugal (AEEP) avançou com ações judiciais contra a OA para exigir a nulidade da decisão. Ao todo, já foram intentadas cerca de 53 ações. Questionada pelo ECO/Advocatus, a presidente da AEEP Jennifer Dallegrave sublinhou que o número de ações judiciais intentadas contra a OA vão crescer. “Fui levantar o número atualizado. São 53 e a crescer… No tribunal administrativo e fiscal de Lisboa”, referiu

“Quanto à taxa de inscrição de novos advogados, as estimativas têm por base o número de novos advogados que se irão inscrever em 2024. Nesta premissa apura-se um decréscimo significativo face ao orçamentado para 2023, sendo um dos efeitos considerados o fim do regime de reciprocidade com os advogados brasileiros”, diz o parecer do Conselho Fiscal da OA, liderado pelo advogado Pedro Madeira Brito. “Estima-se um decréscimo de 40% no número de inscrições face ao considerado na preparação do orçamento de 2023, o que justifica a variação nesta rubrica”, acrescenta.

O número de advogados considerados nesta estimativa, por Conselho Regional, são os seguintes:

Mas como justificou a OA o fim do acordo?

Entre os motivos apontados estavam a diferença na prática jurídica em Portugal e no Brasil e as queixas recebidas. “Embora possa ter existido uma matriz de base comum aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, constata-se que em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil, até por força da aplicabilidade e transposição para o direito interno português do direito da União Europeia, o que, inevitavelmente, tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes”, referiram em comunicado.

Assim, a Ordem dos Advogados portuguesa considerou que as normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito num e noutro ordenamento jurídico “já não são sequer equiparáveis”.

“É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos advogados brasileiros e portugueses quando iniciam a sua atividade em Portugal ou no Brasil, verificando-se que ocorre, por isso mesmo, a prática de atos próprios de advogado de elevada complexidade técnica, por quem não dispõe da necessária formação académica e profissional no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro”, justificam.

Tomada de posse da nova bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro - 09JAN23
Tomada de posse da bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida PinheiroHugo Amaral/ECO

A OA sublinha ainda que existem “sérias” e “notórias” dificuldades na adaptação dos advogados brasileiros ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual e às plataformas jurídicas em uso corrente, “o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses e, de forma recíproca os dos cidadãos brasileiros”.

“Cumpre ainda salientar que foram recentemente transmitidas à Ordem dos Advogados portuguesa inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como advogado nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados-membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo”, acrescentaram.

Atualmente, cerca de 10% dos advogados registados em Portugal são brasileiros. Dados avançados em dezembro de 2022 pela OA mostram que, dos cerca de 34 mil profissionais inscritos na instituição, 3.173 são brasileiros. Desses, quase 60% estão concentrados na região de Lisboa. Um aumento de quase 482%, já que em 2017 eram apenas 536 os advogados brasileiros em Portugal. Em 2019, estavam inscritos 2.270 brasileiros no total.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mostrou-se na altura “surpreendida” com a decisão. Em declarações ao jornal O Globo, a OAB apontou “discriminação” e “mentalidade colonial” e admite que vai lutar pelos direitos dos brasileiros.

“Estava em curso um processo de diálogo iniciado há vários meses com o objetivo de aperfeiçoar o acordo. A OAB, durante toda a negociação, opôs-se a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros. A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia-a-dia das duas nações”, referiu a OAB.

As conversações entre as instituições decorreram entre fevereiro e junho de 2023. Apesar de admitir que têm mantido um diálogo aberto com a Ordem brasileira, a Ordem dos Advogados portugueses diz que, segundo informação que foi remetida através de um email no dia 28 de junho de 2023, a OAB afirmou “não dispor de condições para poder proceder às alterações do atual regime de reciprocidade (e que mereceram o acordo de ambas as instituições no passado dia 23 de maio de 2023), nem no imediato, nem dentro de um prazo considerado por este como razoável”.

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