Cheques-dentista batem recorde, mas ficam por usar quase 40%

Emissão dos cheques-dentistas tem vindo a ganhar terreno, mas a taxa de utilização "deveria ser superior", admite Miguel Pavão. Ordem diz que Governo pode ir "mais além" na atualização do valor.

No ano passado, foram emitidos mais de 726 mil cheques-dentista, um valor recorde. No entanto, quase 40% não foram utilizados. Desde que a medida foi criada, em 2009, foram “desperdiçados” quase três milhões de cheques, de acordo com os cálculos realizados pelo ECO com base na informação disponibilizada no Portal da Transparência do SNS.

Em janeiro e dezembro de 2023, foram emitidos 726.739 cheques-dentista, o que representa um aumento de cerca de 2% face aos 711.376 ao longo de 2022. É um máximo de sempre, depois de em 2021 ter ultrapassado a barreira dos 700 mil. A emissão destes cheques tem vindo a ganhar terreno: se a comparação for feita com 2009 (primeiro ano completo em que a medida vigorou) foram emitidos mais 216.449 cheques, face ao total registado no ano passado. No espaço de 15 anos, já foram emitidos 9.280.470 cheques, segundo os cálculos do ECO.

Criados em 2008, no âmbito do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral, os cheques-dentista podem ser utilizados em consultórios privados aderentes e são dirigidos a populações-alvo, como grávidas seguidos pelo SNS, beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI), crianças e jovens até aos 18 anos, utentes portadores de infeção por VIH/SIDA ou com lesão suspeita de cancro oral.

Na prática, são guias que dão acesso a cuidados de medicina dentária que abrangem áreas como a prevenção, diagnóstico e tratamento. A partir deste ano, o valor de alguns destes cheques aumentou e passou também a ser emitido pela linha SNS24 e por outros profissionais de saúde do SNS, que não apenas médicos de família.

Mas apesar de o Executivo ter assumido a saúde oral como prioridade, dadas as dificuldades no acesso a estes cuidados de saúde por parte dos portugueses, a taxa de inutilização continua elevada. Dos 726.739 cheques-dentista emitidos em 2023, foram utilizados 459.850, segundo os dados do Portal da Transparência do SNS. Contas feitas, 36,72% dos vales emitidos no ano passado ficaram por utilizar (abaixo do valor registado em 2022, cuja taxa de inutilização era de 37,76%).

De notar, que o número de cheques utilizados tem vindo a subir desde 2021, depois de ter registado um “trambolhão” de cerca de 18% no primeiro ano de pandemia. Ainda assim, a taxa de utilização está ainda abaixo do registado no pré-pandemia: dos 681.271 emitidos em 2019 foram utilizados 459.726, pelo que 32,52% ficaram por utilizar.

Taxa de utilização “deveria ser superior”, admite bastonário

Em declarações ao ECO, o bastonário da Ordem dos Dentistas considera que a taxa de utilização destes cheques “deveria ser superior“, dado que “a prestação dos cuidados de saúde oral voltou completamente à normalidade depois da pandemia”. Para Miguel Pavão será necessário “um estudo para conhecer as razões por detrás de taxas de inutilização tão elevadas”.

No entanto, o bastonário lamenta que “a agenda política, ao longo de décadas, não tem dedicado especial atenção, nem investimento, à saúde oral”, pelo que aponta como consequências “a desvalorização do cheque-dentista por parte dos beneficiários” e “o valor em saúde que ele pode trazer ao indivíduo”. O médico dentista aponta ainda a “parca divulgação do programa, nomeadamente nos períodos em que os beneficiários estão mais disponíveis para utilizá-lo”, nomeadamente “na altura das férias escolares, no caso das crianças e jovens”.

A tendência não é nova, dado que, regra geral, e desde que a medida foi implementada, a taxa de utilização destes cheques tem oscilado entre os 62,24% e os 75,33%, segundo os cálculos realizados pelo ECO. Exceção feita para 2012, cuja taxa de utilização foi de cerca de 93%.

Ao ECO, o bastonário da Ordem dos Dentistas justifica a elevada taxa de utilização em 2012 com o facto de nesse ano Portugal estar sob o Programa de Assistência Económica e Financeira, acordado entre o Governo português e a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (que durou até 2014) e que levou a um aperto financeiro por parte das famílias.

Nesse período, “verificou-se uma diminuição do recurso aos seguros de saúde, o que levou a população a recorrer a outras opções de cobertura para acederem aos cuidados de saúde oral”. Além disso, “nessa fase existia um número significativo de médicos dentistas aderentes ao programa”, lembra Miguel Pavão, sublinhando que “a diminuição do valor dos cheques, durante a troika” e que não foi reposto “levou muitos médicos dentistas a desistirem deste programa”.

Faltam medidas que promovam a literacia nesta matéria e que incentivem a utilização do cheque-dentista, simplificando os métodos de acesso, criando outras formas de cobertura e evidenciando os ganhos da prevenção em saúde oral”.

Miguel Pavão

Bastonário da Ordem dos Dentistas

A validade destes cheques varia consoante o projeto no qual se insere, mas, regra geral, é de 12 meses, após a emissão. E a sua não utilização “não tem custos diretos para o SNS”, dado que “os atos não foram executados e, por isso, não existe qualquer pagamento aos médicos dentistas”, sublinha o bastonário. Ainda assim, o médico alerta que “os custos dos tratamentos de problemas e doenças orais, que poderiam ter sido prevenidas ou detetadas precocemente, são bastante mais elevados do que os custos da prevenção”, pelo que a não adesão pode ter consequências no futuro.

Desde que o Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral foi lançado foram emitidos 9.280.470 cheques-dentista, dos quais 6.366.155 foram utilizados. Contas feitas, 2.914.315 foram “desperdiçados”, isto é, cerca de um terço do total (31,40%).

Ordem defende revisão do programa e nova subida do valor dos cheques

Neste contexto, o bastonário da Ordem dos Dentistas considera que é premente implementar medidas que “promovam a literacia” em matéria de saúde oral e que incentivem a utilização do cheque-dentista, simplificando os métodos de acesso, criando outras formas de cobertura e evidenciando os ganhos da prevenção”.

Nesse sentido, a Ordem defende que é necessário “investir na difusão do programa, através de campanhas dirigidas aos respetivos públicos-alvo”, bem como rever o mesmo “a cada dois anos”, de modo a permitir “uma efetiva monitorização“. E apesar de aplaudir a subida do valor dos cheques que entrou em vigor este ano, Miguel Pavão considera que o Governo “pode ir mais além, de forma a incentivar a adesão de mais médicos dentistas ao programa e, assim, aumentar a sua cobertura”.

O tema já chegou à campanha eleitoral que se avizinha, com Pedro Nuno Santos a prometer criar “um programa de saúde oral que, de forma gradual e progressiva, garanta cuidados de saúde oral aos portugueses no SNS”. No entanto, a promessa não é nova, dado que desde 2016 o PS promete resolver o problema. Já o Bloco de Esquerda sugere que passe a existir um dentista por cada 25 mil habitantes nos centros de saúde ou entre 10 e 25 mil habitantes nos concelhos mais pequenos e, tal como defendido pelo PS, que se crie a carreira de médico-dentista no SNS.

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