O erro de Ivo Rosa não foi o que todos pensam que foi
A conclusão é esta: Ivo Rosa errou ao dividir o processo da Operação Marquês. Em nome do quê, em concreto? Para acelerar, para condenar e parecer que a Justiça afinal não é assim tão lenta?
Em abril de 2021, Ivo Rosa, o (à data) juiz de instrução da Operação Marquês, abalou a opinião pública ao deitar abaixo quase a totalidade dos crimes que a acusação de Rosário Teixeira previa: dos 189 crimes, apenas pronunciou cinco arguidos por 17 crimes. As críticas desde logo multiplicaram-se que nem cogumelos: o juiz que era o magistrado dos direitos, liberdades e garantias (será que todos sabem o que isso quer dizer mesmo?) decidiu, em direto pelas televisões, arrasar com o trabalho do Ministério Público, tão apreciado por toda essa opinião pública. Não valerá a pena tecer elogios ou aplaudir essa decisão de pronúncia e não pronúncia a José Sócrates, Santos Silva, Armando Vara, Ricardo Salgado e João Perna, o motorista. Mas valerá certamente relembrar uma decisão paralela de Ivo Rosa a esta que, na altura, passou pelos pingos da chuva e por meras notas de rodapé.
Ora, Ivo Rosa, apesar do recurso que o Ministério Público decidiu anunciar que iria apresentar desta decisão instrutória, fez logo saber que mantinha no processo principal José Sócrates e Carlos Santos Silva, cada um por seis crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Mas decisão diferente tomou em relação a Ricardo Salgado, por três crimes de abuso de confiança, Armando Vara, por um de branqueamento e outro de fraude fiscal, e o antigo motorista de José Sócrates, por detenção de arma proibida. Isto porque o juiz entendeu que estas suspeitas não tinham a ver com o cerne da acusação da Operação Marques e podiam ser separados. Ora, a consequência prática foram os julgamentos fast track e respetivas condenações de Armando Vara e Ricardo Salgado.
Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, foi o primeiro a saber o desfecho no processo. No dia 13 de julho de 2021 – apenas três meses depois da decisão de Ivo Rosa – foi condenado a dois anos de prisão efetiva pelo crime de branqueamento de capitais. Já Ricardo Salgado foi condenado a 7 de março de 2022 – 11 meses depois da decisão de Ivo Rosa – a uma pena total de prisão de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança: agravada em oito anos pela Relação de Lisboa.
Com isto, quer dizer que agora Armando Vara volta ao banco dos arguidos para ser julgado por um crime de corrupção e um de branqueamento de capitais. Depois da reviravolta judicial da responsabilidade das desembargadoras da Relação. Que avisaram logo que esta decisão de pronúncia não se iria debruçar sobre os crimes de Sócrates, Salgado e Vara, que Ivo Rosa decidiu que existiam em 2021.
Com isto, quer dizer que o antigo presidente do extinto Banco Espírito Santo volta também ao banco dos arguidos por um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, para atos ilícitos, relativo a negócios entre o grupo Portugal Telecom (PT) e o Grupo Espírito Santo (GES) “no que concerne aos pagamentos efetuados ao arguido José Sócrates”. Mais por outros dois crimes de corrupção ativa, para atos ilícitos, relativos a negócios entre a PT e o GES, por pagamentos efetuados aos antigos administradores da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
Com isto, quer dizer que José Sócrates vai ser também julgado duas vezes, por diferentes crimes, no âmbito da Operação Marquês. Uma vez pelos seis crimes pronunciados pelo juiz Ivo Rosa – três de branqueamento e três de falsificação de documento –, cujo julgamento estará quase a começar. E também pelos 22 crimes adicionados pelo coletivo de juízas – três de corrupção, 12 de branqueamento e seis de fraude fiscal.
Os processos seguem – e seguiram – assim cada um a sua vida e, com isso, corre-se o risco de ter quatro decisões contraditórias na Justiça portuguesa face ao mesmo processo. A conclusão é esta: Ivo Rosa errou ao dividir o processo. Em nome do quê, em concreto? Para acelerar, para condenar e parecer que a Justiça afinal não é assim tão lenta? Agora arriscamo-nos a ter – já dentro do imbróglio que este megaprocesso é – mais um sub-imbróglio. Quid iuris?
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