Crise no Mar Vermelho leva empresas a adiar transportes e começam a faltar contentores em terra
Escalada de preço dos fretes marítimos ronda os 300%. Algumas empresas já estão a rever as encomendas, à espera que valores dos transportes normalizem. Ano Novo chinês agrava riscos.
Cerca de dois meses depois de terem sido reportados os primeiros ataques dos rebeldes houthis no Mar Vermelho, a circulação de navios pelo canal do Suez continua a ser desviada para o Cabo da Boa Esperança, provocando uma escalada dos preços dos contentores e um acréscimo de 15 dias à viagem entre a Ásia e a Europa. Uma situação que, segundo os transitários ouvidos pelo ECO, está a levar muitas empresas a adiar transportes, isto num momento em que começam a escassear contentores em terra.
“Algumas empresas optaram também por adiar parte dos seus fornecimentos na esperança de evitar aumentos de custos”, reconhece Miguel Ángel de la Torre, vice-presidente da Ocean Freight Iberia, detida pela empresa de transportes e logística DB Schenker. O responsável argumenta, porém, que “a médio prazo, esta situação poderá conduzir a um aumento da procura, uma vez reduzidas as existências em armazém”.
Algumas empresas optaram também por adiar parte dos seus fornecimentos na esperança de evitar aumentos de custos.
Também Hélder Silva, diretor-geral da Torrestir Transitários, nota que “muitas empresas estão a reduzir stocks, congelando importações na expectativa que o problema se resolva e que os preços voltem a patamares normais“. O gestor considera ainda “expectável que muitos importadores procurem novas origens, pois o impacto dos fretes no preço do produto pode levar a comprarem produto um pouco mais caro, mas que, contabilizando o [custo] do produto e do frete, fique mais apetecível em origens como Turquia”.
A decisão de rever os fretes marítimos segue-se a um período marcado pela escalada crescente dos preços de transporte, com a elevada insegurança criada no Mar Vermelho, devido aos ataques dos houthis, a forçar a uma mudança de rota no transporte entre a Europa e a Ásia.
“As taxas do frete marítimo da China e de outras economias do Leste Asiático aumentaram cerca de 350% em relação a dezembro. E, embora os aumentos de custos para outras rotas marítimas sejam mais variáveis, o desequilíbrio nos navios devido a rotas mais longas e ao tráfego lento aumentou os custos noutros locais, com os custos de transporte da China para os Estados Unidos a aumentarem cerca de 100%”, escreve o Goldman Sachs, numa nota publicada esta segunda-feira, a que o ECO teve acesso.
“O impacto é brutal. Os preços mantêm-se numa escalada incessante, com um aumento de 300% em comparação com os valores de referência antes deste enorme problema“, corrobora Mário de Sousa, CEO da Portocargo.
Por um lado, refere, “os navios estão a demorar cerca de 15 dias adicionais em cada trajeto, o que representa praticamente um mês acrescido numa rotação completa“. “Tem um impacto enorme nos custos – dado que o custo é ao dia, temos de fazer a conta aos dias somados, aos quais vamos ainda adicionar o valor extra de combustível e dos seguros“, acrescenta.
Fruto deste tempo de trânsito muito superior, estão muitíssimo mais contentores no mar do que é habitual. O que significa que, mesmo existindo disponibilidade de espaço nos navios, não há contentores para carregar a mercadoria.
O segundo problema causado pela mudança de rota prende-se com o número de contentores disponíveis. “Fruto deste tempo de trânsito muito superior, estão muitíssimo mais contentores no mar do que é habitual, o que significa que mesmo existindo disponibilidade de espaço nos navios, não há contentores para carregar a mercadoria”, explica Mário de Sousa.
“Quase todas as companhias de navegação decidiram agora implementar este serviço [direcionar os navios através do Cabo da Boa Esperança] numa base regular e não excecionalmente, como no início da crise”. Uma rota que implica um tempo de trânsito adicional de 10 a 14 dias, refere Miguel Ángel de la Torre. “Passados 40 dias desde o início da crise, vamos assistir a um efeito adicional que tem a ver com o reposicionamento de contentores e a consequente falta de devolução de equipamento em alguns portos asiáticos”, alerta o responsável pela Ocean Freight DB Schenker Iberia
A disrupção dos horários dos transportes marítimos nas últimas semanas irá provavelmente ter efeitos de segunda ordem na capacidade disponível, tais
como escassez temporária de contentores e maior congestionamento em alguns portos.
Também o Goldman Sachs refere que “a disrupção dos horários dos transportes marítimos nas últimas semanas irá provavelmente ter efeitos de segunda ordem na capacidade disponível, tais
como escassez temporária de contentores e maior congestionamento em alguns portos”.
Já Hélder Silva destaca que “alguns carriers reduziram também o número de saídas, começando a sentir-se overbookings e limitações de espaço“, apontando o retalho e indústria transformadora como os setores mais afetados pelos atrasos nas entregas. Ainda assim, segundo Miguel Ángel de la Torre, “existem alguns casos de escassez devido à falta de matérias-primas para o fabrico, mas isso não está a acontecer de forma generalizada”.
Ano Novo chinês agrava riscos
Com a China a poucos dias de celebrar o novo ano, no dia 10 de fevereiro, os especialistas alertam que esta situação pode complicar ainda mais o comércio marítimo, uma vez que a economia chinesa deverá estar parada durante três semanas por causa destas festividades.
“Tudo o que não for carregado até lá [ao ano novo chinês], estará parado mais três semanas“, nota o CEO da Portocargo. “O efeito é transversal a todos os setores de atividade. Este cenário causa implicações muito complicadas, que não se circunscrevem aos preços, mas também aos problemas de stock e de substituição rápida de produtos”, destaca.
Sem soluções à vista para repor o tráfego pelo Mar Vermelho, os especialistas lamentam ainda a ausência de alternativas para transportar mercadorias entre a Ásia e a Europa, apontando problemas ao transporte aéreo e ferroviário.
“A alternativa principal é o transporte aéreo, que é muitíssimo mais caro e apresenta menos capacidade. É uma opção que resolve um número reduzido de situações”, justifica Mário de Sousa. “O transporte ferroviário a partir da Ásia também está fortemente condicionado, dado que atravessa um conjunto de países com circunstâncias muito especiais, com destaque para a Rússia”, acrescenta.
Também Miguel Ángel de la Torre refere que “as alternativas [ao transporte marítimo] passam sobretudo por um melhor planeamento da cadeia de abastecimento e pela utilização de transportes alternativos para mercadorias mais urgentes, como o serviço aéreo ou o serviço combinado marítimo-aéreo ou ferroviário da Ásia para a Europa e vice-versa”.
O mesmo responsável nota, contudo, que estas alternativas em termos de transporte apenas se justificam em caso de “interrupções nas linhas de produção, a compromissos de entrega a clientes com cláusulas de penalização por atrasos, ou a mercadorias de elevado valor, que podem absorver um aumento dos custos de transporte”.
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