Crise no Mar Vermelho corta produção automóvel na Europa e força setor dos componentes a reprogramar entregas

Algumas entregas previstas para a próxima semana estão já a ser reprogramadas, com muitos fabricantes de automóveis na Europa a pararem ou cortarem produção devido à crise no Mar Vermelho.

Os atrasos nas entregas de bens e mercadorias devido à mudança de rota para evitar o Mar Vermelho já estão a ter impacto na atividade das empresas, nomeadamente no setor automóvel. Vários fabricantes na Europa estão a suspender produção, uma situação que já se está a refletir nas empresas portuguesas fornecedoras de componentes automóveis.

Empresas como a Tesla, Volvo ou a japonesa Suzuki anunciaram a suspensão de parte da sua produção nas fábricas na Europa, com as companhias a reagirem às perturbações nas cadeias de fornecimento provocadas pela crise no Mar Vermelho. Com os navios que fazem a travessia da Ásia para a Europa a serem forçados a mudar a rota para o Cabo da Boa Esperança devido aos ataques feitos pelo grupo de rebeldes Huthi do Iémen, junto ao Golfo de Áden, as entregas estão a sofrer atrasos de vários dias e a forçar as empresas a reformularem a sua produção.

Há um conjunto significativo de empresas na Europa a parar ou programar parar a produção e a atrasar o processo de entrega e planeamento de empresas portuguesas”, explica José Couto, presidente da AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel). De acordo com o mesmo responsável, as empresas em Portugal como trabalham com subcontratação [cerca de 98% dos automóveis produzidos na Europa têm peças produzidas em Portugal] vão sentir o efeito deste processo “um pouco mais tarde”, pois “vai ser um efeito dominó”.

Há um conjunto significativo de empresas na Europa a parar ou programar parar a produção e a atrasar o processo de entrega e planeamento de empresas portuguesas. Há entregas programadas na próxima semana que estão a ser reprogramadas.

José Couto

Presidente da AFIA

Ainda assim, José Couto admite que “há entregas na próxima semana que estão a ser reprogramadas”. Com as empresas do setor automóvel na Europa a suspenderem ou a cortar produção, também as empresas portuguesas que exportam para estas companhias terão que reduzir a sua atividade produtiva para se adaptarem às necessidades dos clientes. “Teremos que reprogramar e reajustar a produção”, sublinha.

Se as empresas europeias baixarem a sua atividade, isso terá efeito nas empresas portuguesas e vai levar a uma readequação do parque de produção [em Portugal]. Pode ter impacto nas pessoas [que trabalham no setor]”, admite o presidente da AFIA. “Esta atividade não costuma trabalhar para stocks. Vai haver uma resposta à reformulação da procura”, conclui.

Custos mais elevados ameaçam descida da inflação e economia

Os ataques realizados pelos huthis têm provocado sérios problemas à navegação de navios que fazem a travessia entre a Europa e a Ásia, com as grandes companhias de transporte, como a Maersk, MSC ou a Mediterranean Shipping, a interromperem a circulação pelo Mar Vermelho e levando os seus navios ao largo de África, pelo Cabo da Boa Esperança. Esta rota além de ser muito mais dispendiosa – os preços dos transportes para as empresas portuguesas mais que duplicam – , é também muito mais demorada, uma vez que adiciona 7.000 quilómetros à travessia e entre 10 a 15 dias nas entregas.

Apesar da resposta dos Estados Unidos e do Reino Unido, que na semana passada, bombardearam posições dos huthis em pelo menos seis províncias iemenitas, os ataques deste grupo de rebeldes mantém-se, com as companhias a equacionarem alternativas à passagem pelo Canal do Suez.

Mapa Mar Vermelho

A juntar-se aos problemas no Mar Vermelho, o Canal do Panamá, que liga o Oceano Pacífico e Atlântico, também enfrenta vários constrangimentos. A seca na região levou os níveis de água a baixar, colocando em causa o funcionamento deste canal, o que levou a dinamarquesa Maersk a informar os seus clientes que vai deixar de usar esta rota, passando a transportar por terra a carga proveniente de países como Austrália e Nova Zelândia.

“A alteração das rotas que está a suceder no comércio mundial impacta diretamente no aumento do preço do transporte de mercadorias”, reconhece Luís Miguel Ribeiro. Para o presidente do conselho de administração da AEP, “parece estar já a desenhar-se um aumento exponencial do preço dos contentores de mercadorias, que necessariamente terá de se refletir no preço final dos bens, pois muitas empresas não terão capacidade (na sua margem de negócio) que lhes permita absorver tais acréscimos de custos“.

Parece estar já a desenhar-se um aumento exponencial do preço dos contentores de mercadorias, que necessariamente terá de se refletir no preço final dos bens, pois muitas empresas não terão capacidade (na sua margem de negócio) que lhes permita absorver tais acréscimos de custos.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da AEP

Para o mesmo responsável, “toda esta situação que está a ocorrer introduz desafios muito sérios que fragilizam a atividade empresarial, sobretudo as empresas exportadoras, mas que também se estendem às empresas direcionadas ao mercado nacional, pois não podemos esquecer que os custos logísticos afetam também as importações. Poderemos estar perante um sério risco sistémico, que potencialmente afeta toda a economia”.

Estes fatores poderão inverter as expectativas da descida da inflação“, alerta Luís Miguel Ribeiro. David Rees, economista sénior de mercados emergentes da Schroders, também destaca que “as crescentes tensões geopolíticas no Médio Oriente começaram a perturbar as cadeias de fornecimento globais”, fazendo o paralelismo com o que aconteceu após a pandemia da covid-19, que acelerou a escalada dos preços que conduziu ao atual ciclo de subida de juros.

Com a inflação a dar sinais de estar controlada, os investidores têm vindo a descontar vários cortes de juros quer nos EUA, quer na Europa em 2024. Contudo, David Rees alerta que uma escalada dos preços da energia poderia inverter a tendência de queda da inflação e ameaçar os cortes de juros. No entanto, tudo dependerá de como vai evoluir a situação no Mar Vermelho.

Para já, a situação recomenda cautela. “Testemunhamos diariamente a forte preocupação dos empresários“, realça o presidente da AEP. “Além dos receios na redução das encomendas, os empresários enfrentam já uma subida dos custos operacionais, numa altura em que, simultaneamente, continuam a defrontar um patamar elevado nos custos de financiamento (taxas de juro)“, remata Luís Miguel Ribeiro.

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