Açores vão às urnas no domingo com o Chega à porta do Governo
Sem uma maioria absoluta, a chave para o próximo governo regional pode estar no Chega, a terceira força política. Efeitos a nível nacional, para já, só se sentem na campanha para 10 de março.
Onze forças políticas, entre as quais três coligações, vão a votos no domingo, dia 4 de fevereiro, nos Açores. É a primeira de três idas às urnas em Portugal este ano – que poderão ser quatro, se se confirmarem eleições antecipadas também na Madeira. No arquipélago com nove ilhas, a votação ocorre cerca de oito meses antes do previsto, depois de o último orçamento regional ter sido chumbado e, consequentemente, o Presidente da República optar pela dissolução do Parlamento açoriano.
A mais recente sondagem da Universidade Católica apontava para o PS ser o partido mais votado, numa estimativa de 39% das intenções de voto, contra 36% da coligação formada pelo PSD, o CDS-PP e o PPM. No entanto, embora os socialistas tenham tido o melhor resultado (39%) nas eleições anteriores, em 2020, foi o PSD, com 33% dos votos, que formou governo, coligado com o CDS e com o apoio parlamentar da Iniciativa Liberal (IL) e do Chega.
Aquilo que desencadeou eleições antecipadas foi a própria configuração desta fórmula governativa, que desde o primeiro dia apresentou o seu prazo de validade. Não sabíamos é qual era a validade.
Foi a primeira vez que o partido liderado por André Ventura (e a Iniciativa Liberal) fez parte de um acordo parlamentar para a formação de um executivo, ainda que tenha sido ao nível regional. Desde então, a hipótese de a fórmula se repetir – ou de fazer mesmo parte de um governo – quer a nível nacional, quer novamente nos Açores ou na Madeira, tem sido sempre equacionada nos debates pré e pós-eleitorais.
“Já estamos em campanha para as eleições legislativas de 10 de março e os tópicos sobre potenciais parceiros de apoio parlamentar, caso o Governo necessite desse apoio, estão fortemente presentes”, até porque “os partidos são de âmbito nacional e não regional”, apontou Teresa Ruel, professora de Ciência Política, em declarações ao ECO.
Os olhares centram-se nos partidos pequenos, mas mais sobre o Chega do que em qualquer outro. Surgindo em terceiro lugar nas sondagens (9%), pode ser a chave para desbloquear uma solução governativa depois de domingo, visto que dificilmente existirá uma maioria absoluta. Para o PS, o cenário é uma linha vermelha, mas o cabeça-de-lista da coligação do PSD/CDS-PP/PPM, José Manuel Bolieiro, já disse que “não abre nem fecha a porta ao Chega”.
Embora o líder do PSD/Açores tenha sido “muito equívoco” em dizer se considera o Chega para formar governo, também o próprio André Ventura já disse que, desta vez, não quer acordos de incidência parlamentar e admitiu discutir uma posição no governo da região, notou Teresa Ruel. No entanto, acrescentou, “o próprio posicionamento do Chega já foi muitas coisas ao longo dos últimos três anos”, tendo ameaçado várias vezes romper o acordo.
A experiência governativa inédita que resultou das eleições regionais de outubro de 2020 não aguentou a constante instabilidade, provocada tanto pelos partidos que suportavam o Executivo de José Manuel Bolieiro – com a demissão do secretário regional da Saúde, que alegava “divergências insanáveis” –, como pelo apoio parlamentar na Assembleia Legislativa. A IL que, desde o primeiro momento, foi fazendo as suas exigências para manter o apoio parlamentar, acabou por romper o acordo em março de 2023. Em novembro, o deputado Nuno Barata juntou-se ao PS e ao BE e votou contra as propostas de Plano e Orçamento da região para este ano, cujo chumbo levou à dissolução do Parlamento.
O Chega, que havia elegido dois deputados, viu o seu líder regional, Carlos Furtado, abandonar o partido e passar a deputado independente, passados apenas nove meses das eleições. José Pacheco, o outro parlamentar, ameaçou por várias vezes rasgar o entendimento. Pela primeira vez, absteve-se na votação da proposta orçamental em novembro, mas o seu voto favorável não teria sido suficiente para aprovar o documento.
“Aquilo que desencadeou eleições antecipadas foi a própria configuração desta fórmula governativa, que desde o primeiro dia apresentou o seu prazo de validade. Não sabíamos é qual era a validade“, afirmou Teresa Ruel. A docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL) lembrou quando, logo em 2021, houve o risco de a região ser governada por duodécimos devido à ameaça dos liberais de que não aprovariam o orçamento.
Outro caso relacionado com o acesso às agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) também fez tremer um pouco o Governo açoriano, tendo chegado a ser criada uma comissão de inquérito parlamentar para investigar as candidaturas das empresas da região às verbas dos fundos comunitários. “Terá sido esse o problema que tenha prevalecido nesta iniciativa: falta de informação, comunicação e de tempo para o envolvimento geral de todos os atores e coautores desta oportunidade”, admitiu, na altura, José Manuel Bolieiro.
No domingo, os 10 círculos eleitorais (um por cada ilha e um de compensação) elegem os 57 lugares do Parlamento açoriano, onde a coligação encabeçada pelo PSD deseja alcançar uma maioria. A Alternativa Democrática Nacional (ADN), a nova sigla do antigo Partido Democrático Republicano (PDR), e o Juntos Pelo Povo, partido que nasceu na Madeira, são as novidades no boletim de voto.
A CDU, por sua vez, vai tentar regressar à assembleia regional, enquanto o PS tem em jogo o regresso ao governo, novamente sob a liderança de Vasco Cordeiro. O PAN, a IL, o Chega e o Bloco de Esquerda procuram a reeleição dos mandatos alcançados em 2020, indo ainda a votos o Livre e a coligação Alternativa 21, formada pelo Aliança e o Partido da Terra, que viram a candidatura rejeitada e só concorrem em Santa Maria.
Foco em apoios sociais deixa de fora propostas para crescimento económico da região
A criação de um fundo de garantia para os produtores de leite e a implementação do “Preço Açores” são as principais novidades do programa económico apresentado por José Manuel Bolieiro. O ainda presidente do Governo dos Açores destaca esta última como uma “medida de caráter transitório” que visa regular o preço do cabaz de bens alimentares essenciais, cujo objetivo é poder aplicar, mediante determinadas condições, um desconto até 20% nos produtos da região.
Por outro lado, a coligação PSD/CDS-PP/PPM promete dar continuidade a medidas como a Tarifa Açores (que permite a residentes no arquipélago viajar de avião entre ilhas por um valor máximo de 60 euros, ida e volta) e avaliar o seu alargamento, enquanto ao nível dos impostos quer manter “a redução das taxas do IVA, do IRS e do IRC, nos limites máximos permitidos pela Lei das Finanças das Regiões Autónomas” e “explorar novas competências no domínio fiscal”.
As áreas da saúde e da habitação não foram esquecidas nas propostas da coligação de centro-direita. Na primeira, propõe “a renovação automática da medicação crónica nas farmácias, a cada dois meses, sem necessidade de marcação de consulta médica a doentes crónicos, que tomam medicação habitual e regular”, como também o aumento do COMPAMID (aquisição de medicamentos), do Complemento Especial para o Doente Oncológico e da comparticipação diária atribuída aos doentes deslocados e seus acompanhantes; para a habitação, quer criar um “programa de casas acessíveis”.
As medidas incluem ainda a apresentação de uma iniciativa legislativa à República “para antecipar a idade da reforma dos açorianos“; a valorização das carreiras profissionais gerais dos trabalhadores na Função Pública; e o aumento do complemento ao abono de família.
De fora do debate público tem ficado a estratégia para o crescimento da economia e do incremento da capacidade económica e fiscal própria da região. Para além disso, o debate tem omitido o que é preciso fazer para melhorar as nossas instituições sociais e económicas (…). Com instituições mal preparadas, esta volatilidade prejudica sobremaneira o bom funcionamento de muitas instituições e, consequentemente, da economia.”
Do lado do PS, é proposto retomar o transporte marítimo de passageiros e viaturas, tendo como base a Tarifa Açores, que é para manter. O líder dos socialistas nos Açores, Vasco Cordeiro, defende que esta medida contribuirá para estimular o desenvolvimento do mercado interno e criar as condições para uma melhor mobilidade de pessoas e bens entre as ilhas da região.
Ainda ao nível dos transportes, nomeadamente da privatização da Azores Airlines, que “é algo do interesse da própria companhia, da sua vitalidade, da sua sustentabilidade”, Vasco Cordeiro declarou que “é um compromisso assumido pela região junto da Comissão Europeia que o Governo Regional do PS honrará”.
À semelhança da experiência no continente, o também presidente do Comité das Regiões pretende encetar a semana de trabalho de quatro dias na administração regional, argumentando ser “preciso voltar a respeitar os funcionários públicos, para que não sejam alvo de perseguições e de joguetes políticos e de promoções pessoais”. Não obstante, garante que, com o PS, os lugares de nomeação política na administração regional vão diminuir, assim como se compromete a “cortar nas nomeações para os gabinetes dos membros do governo”.
Vasco Cordeiro promete ainda a criação de um mecanismo financeiro para garantir às empresas pagamentos a tempo e horas. Após uma reunião com a direção da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, sublinhando “o risco que os Açores têm de perder fundos comunitários”, defendeu “a existência de uma carta estratégica que dê previsibilidade aos empresários das diversas áreas quanto à forma, ao tempo e ao modo” como as verbas do PRR e do Programa 2030 serão aplicados.
No entanto, em declarações ao ECO, o presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada criticou “a continuidade das políticas que ambas as forças vinham seguindo enquanto governaram”. “Não há qualquer proposta que se possa considerar estruturalmente disruptiva das políticas anteriormente seguidas”, afirmou Mário Fortuna.
No que toca às propostas para os transportes marítimos, o também professor catedrático da Universidade dos Açores nota que quer o PS quer a coligação apostam na melhoria do tráfego inter-ilhas, mas não referem o que se preconiza para fazer baixar custos ou para as ligações com o resto do país, enquanto na aplicação dos fundos comunitários apontam para um melhor aproveitamento sem especificar como isso se pode fazer.
“As questões económicas têm sido secundarizadas a favor das questões sociais e da habitação, que se transformaram em bandeiras transversais a todas as forças políticas”, apontou Mário Fortuna, especificando que, embora o controlo do endividamento público seja assumido como um propósito dos vários partidos, o problema dos pagamentos em atraso às empresas não é abordado de forma aprofundada, e “a privatização da SATA é um assunto remetido para as exigências de Bruxelas”.
Assim, continuou, a estratégia para o crescimento da economia e do incremento da capacidade económica e fiscal própria dos Açores “tem ficado fora do debate público”, que tem igualmente omitido propostas para melhorar as instituições sociais e económicas. “Com instituições mal preparadas, esta volatilidade prejudica sobremaneira o bom funcionamento de muitas instituições e, consequentemente, da economia”, assinalou, ao ECO, o responsável.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Açores vão às urnas no domingo com o Chega à porta do Governo
{{ noCommentsLabel }}