Licenças para furos, regulação do preço final e apoios do PEPAC. As reivindicações dos agricultores portugueses
Agricultores de Aveiro e do Baixo Mondego criticam custos de produção. No sul do país, setor apela a licenças para captar água e maior regulação dos preços de venda ao consumidor final.
Os protestos de agricultores que começaram na Alemanha, nos Países Baixos, em França e na Polónia alastraram para outros países, inclusive Portugal. Mas as queixas do setor em território nacional não são exatamente as mesmas dos colegas europeus, existindo diferentes reivindicações mesmo entre as várias regiões do país.
Se na zona Centro são os custos elevados dos fatores de produção e os apoios ao setor através do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) as principais preocupações, mais a sul, especialmente na Península de Setúbal e no Alentejo, mais afetados pela seca, os agricultores pedem que o Governo conceda licenças para fazer furos ou captações de água para rega.
Ainda antes dos protestos, o Governo anunciou um novo pacote de ajuda ao setor, que chega aos 450 milhões de euros e inclui a baixa do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) para o gasóleo agrícola para o mínimo permitido pela União Europeia (UE). Esta sexta-feira, a ministra da tutela, Maria do Céu Antunes, teve uma reunião “positiva” com representantes dos agricultores, tendo-se comprometido a trazer respostas num novo encontro, que deverá ocorrer na próxima semana.
Aveiro contra custos elevados de produção
Preços justos à produção e proibir pagamentos abaixo dos custos de produção são as principais reivindicações dos agricultores que protestam numa marcha lenta na Estrada Nacional (EN) 109 em Estarreja. Na manifestação organizada pela União de Agricultores e Baldios do Distrito de Aveiro (UABDA), que representa a pequena e média agricultura, ouvem-se queixas acerca da margem de lucro “quase inexistente” e do custo de produção “muito elevado”.
“A palha, que comprávamos a sete/oito cêntimos, compramos a 22 cêntimos. A silagem do milho estava a 4/5 cêntimos, está a 10/12 cêntimos“, exemplificou Carlos Pinto, de 37 anos, em declarações à Lusa. Detentor de uma exploração com cerca de 200 animais, este produtor leiteiro diz que a maior parte dos fatores de produção está atualmente ao dobro dos preços, enquanto o leite subiu apenas 10 cêntimos.
Para estes agricultores, não estão tanto em causa as medidas já anunciadas por Bruxelas e pelo Governo, como noutros pontos do país. “Não nos interessam linhas de crédito, nem subsídios. Queremos só um preço justo à produção. Só vamos sair daqui quando a ministra [da Agricultura] nos der resposta a isso”, afirmou Carlos Pinto.
O presidente da UABDA, Carlos Alves, disse que os apoios prometidos pelo Governo “não passam de migalhas”, adiantando que parte do que foi anunciado já se destinava aos agricultores. Estes apoios só beneficiam “os lóbis da agroindústria”, enquanto “os pequenos e médios agricultores, que estão a sofrer na pele, estão a ser deixados de lado”, apontou.
Baixo Mondego quer garantia de ajudas do PEPAC até 2027
Depois de, na quinta-feira, ter entregado um caderno reivindicativo na Direção-Geral de Agricultura e Pescas, o movimento de agricultores do Baixo Mondego continuou os protestos esta sexta-feira na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra. Neste caso, as principais queixas prendem-se com a perda de rendimentos na última campanha e os cortes nos apoios ao setor, no âmbito do PEPAC — que, entretanto, o Governo já se comprometeu a reverter.
“Esta machadada que foi o corte de 25% das ajudas [relativas à produção integrada] foi o culminar de toda esta insatisfação”, dizia João Pinto da Costa, um dos organizadores do protesto, em declarações à RTP3, denunciando “a grande instabilidade financeira” do setor.
Antes da reunião por videoconferência com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que decorreu por volta das 14 horas, João Grilo, outro dos dinamizadores da manifestação em Coimbra, destacou que é preciso esclarecer se para este ano e até 2027 “também está assegurado o mesmo pagamento no âmbito do PEPAC“.
Sobre a linha de crédito de 50 milhões de euros, sem juros, considera “melhor que não ter nada”, mas queixa-se do facto de que os agricultores estarão a endividar-se mais, o que não resolve os problemas do setor.
Lamego critica atrasos nos seguros das colheitas
Em Lamego, cerca de 120 veículos agrícolas concentraram-se desde o meio-dia junto ao nó da A24. Aqui, os setores do leite e da fruta são os mais representados, protestando, em particular, contra a discrepância das regras entre Portugal e Espanha. “Um dos nossos problemas tem a ver com a utilização de produtos fitofármacos, que está regularizada em Espanha e França e em Portugal não. No combate a determinadas pragas paga-se mais por produto em Portugal. Por exemplo, produtos na ordem de 30 euros por hectare em Espanha e aqui a 140, 150 ou 160 euros. Numa produção de 30 hectares, são 3.000 euros de diferença”, exemplificou um dos agricultores presentes no protesto, em declarações à SIC Notícias.
Reconhecendo que os manifestantes ali presentes não partilham as mesmas preocupações que os agricultores na maioria do país, João Calhau enumerou outros problemas graves para o setor na região de Viseu: os prejuízos causados pela geada e pelo granizo e o seguro de colheitas. “Do seguro que pagamos, cerca de 45% já fica lá, porque é 20% de franquia, 20% de prémio e 5% de áreas não cobertas, ou seja, de um seguro que teoricamente seria benéfico, não é”, contou, em declarações à Lusa, notando que “pior ainda é o atraso no pagamento que, em alguns casos, é de sete meses”.
O seguro em atraso, esclareceu, diz respeito “aos prejuízos causados pela geada e pelo granito em maio de 2023”, não tendo ainda chegado o reembolso. Um dos pedidos destes agricultores é, aliás, a alteração dos seguros. “Não é esta a forma de nos ajudar. Sabemos que há uma grande comparticipação do Estado e nós pagamos muito e não temos nenhum benefício”, reforçou.
Outro problema que afeta os fruticultores tem a ver com “o sistema de proteção de colheitas contra as geadas e granizo”. “Há seis meses que aguardamos o aviso de abertura de candidaturas ao PDR [Programa de Desenvolvimento Rural] para podermos investir na proteção de colheitas, com o antigeadas e antigranizo, para evitar os problemas dos últimos anos“, descreveu.
Segundo João Calhau, da “última reunião com o secretário de Estado soube-se que os avisos estariam publicados até outubro, mas o que é certo é que não saíram e já está novamente na altura da floração, uma fase crucial” para os fruticultores.
Também nesta região o elevado preço da produção é um problema “gravíssimo”, com o fruticultor a assinalar que, “em cerca de três anos, os custos duplicaram, quer os produtos fertilizantes, os fitofármacos, a eletricidade ou o gasóleo“. “Há 20 anos o preço da maçã rondava os 25 cêntimos e hoje permanece, quando os custos de produção estão muito, mas muito mesmo, superiores”, notou.
No Montijo, pede-se mais regulação nos preços e licenças para furos
Os agricultores da Península de Setúbal, bem como de concelhos como Alcácer do Sal, Grândola e Vendas Novas, protestam pela “valorização do setor primário”, o que inclui a exigência por uma maior regulação entre o preço pago ao produtor e o preço pago pelo consumidor final. Segundo André Miranda, que se dedica à exploração de produtos hortícolas em Palmela, a diferença “é de mais de 300%” relativamente ao preço pago à produção.
À semelhança das motivações dos agricultores de outros países da Europa lutam também contra a “concorrência desleal” com países terceiros, que utilizam produtos químicos e adubos na produção, mas que exportam os seus produtos para a Europa sem estarem obrigados a cumprir as regras impostas ao setor na União Europeia. Querem, portanto, uma legislação mais favorável à produção nacional.
“Não existe uma legislação, não existe um controlo sobre a origem desses produtos e para verificar se têm resíduos ou não. Nós cá, na Europa, temos que produzir quase tudo com ‘resíduo zero’. Tudo o que vem de fora, nada é controlado, vale tudo e podem trabalhar de qualquer maneira”, criticou André Miranda.
Outro pedido dos agricultores desta região é o acesso a licenças para fazer captações ou furos de água para rega, queixando-se que o Governo tem ignorado as principais consequências da seca e há vários anos que não concede essas licenças.
Apelo em Serpa por apoios contra a seca iguais aos espanhóis
Mais a sul do país, os problemas dos agricultores têm maioritariamente a ver com a seca. Em Vila Verde de Ficalho, a três quilómetros de Espanha, apelou-se por um “tratamento igual” ao que recebem os agricultores no país vizinho, bem como pela devolução das ajudas da agricultura biológica e da produção integrada.
“Tivemos a maior seca dos últimos 92 anos e recebemos três vezes menos apoio que os espanhóis e com seis meses de atraso. Temos as nossas explorações sem tesouraria, os nossos agricultores desesperados”, contava António Veríssimo, um dos dinamizadores do protesto, à RTP3, pedindo o “pagamento integral” do contratualizado no Pedido Único do PEPAC de 2023.
Ricardo Castilho, produtor de leite que tem uma exploração de cerca de 400 cabras leiteiras, denunciou também as dificuldades relativas ao “processo burocrático” do licenciamento das produções. “É complicadíssimo. No meu caso, estive perto de sete anos para [conseguir] licenciar a minha exploração”, afirmou.
A isso acrescentam-se “grandes dificuldades” na alimentação dos animais, bem como os preços “caríssimos” das forragens: “Não conseguimos comprar porque já nem há stock, os custos produtivos que temos estão muito altos, as rações duplicaram ou triplicaram, e depois não conseguimos reverter os nossos custos produtivos no que vendemos”. Ricardo Castilho pede, nesse sentido, “algumas das mesmas ajudas” que recebem os vizinhos espanhóis.
O que promete o Governo aos agricultores?
Um dia antes do início dos protestos, o Governo avançou com um pacote de ajuda aos agricultores, no valor de 450 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum. Segundo a informação disponibilizada quinta-feira à Lusa, a maior parte das medidas que integra o “Pacote de Apoio ao Rendimento dos Agricultores”, financiado pelo Orçamento do Estado, entra em vigor ainda este mês, com exceção das que estão dependentes de “luz verde” de Bruxelas.
O primeiro pilar do pacote de ajuda prevê apoios à produção no total de 200 milhões de euros, para todo o país, “assegurando a cobertura das quebras registadas em 2024 e 2025”, e uma linha de crédito de 50 milhões de euros, sem juros, para apoio à tesouraria, destinada a este setor.
A segunda vertente inclui medidas de “reforço dos apoios aos rendimentos” dos agricultores, no valor de 190 milhões de euros. Desde logo, com a luz verde do Ministério das Finanças, Maria do Céu Antunes anunciou uma redução do imposto sobre os produtos petrolíferos do gasóleo agrícola para o nível mínimo permitido na União Europeia, diminuindo de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos por litro (ou seja, 55%).
A baixa da tributação sobre o gasóleo agrícola, avaliada em 11 milhões de euros por ano, deverá entrar em vigor “o mais tardar na segunda-feira”, segundo avançou esta sexta-feira o ministro Fernando Medina, numa entrevista à Rádio Renascença. A própria ministra da Agricultura já tinha adiantado, na quarta-feira, que o diploma já tinha sido submetido para publicação no Diário da República com “caráter de urgência”. Uma vez publicado, é apenas tempo de as gasolineiras ajustarem os preços ao alívio fiscal.
Maria do Céu Antunes confirmou, ainda na quarta-feira, o reforço de 60 milhões de euros do Pilar 1 do PEPAC, nos apoios à produção dos agricultores, “para assegurar as candidaturas nos ecorregimes ‘agricultura biológica’ e ‘produção integrada’ e o pagamento integral aos agricultores que se candidataram”.
Esta é uma das principais razões que motivou a convocação dos protestos do setor, já que o Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP) havia dito, antes do anúncio deste pacote, que os apoios da agricultura biológica e da produção integrada seriam reduzidos em 35% e 25%, respetivamente.
No entanto, pouco antes da conferência de imprensa de quarta-feira, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Álvaro Mendonça e Moura, tinha anunciado que chegou a acordo com o Governo para que esses “cortes” ficassem sem efeito, o que estará sujeito a uma autorização “especial” da Comissão Europeia.
As medidas incluem ainda um reforço de 60 milhões de euros no segundo pilar do PEPAC, o do desenvolvimento rural, “para assegurar, até final de fevereiro, o pagamento da totalidade das candidaturas às medidas de ambiente e clima”. Maria do Céu Antunes disse que foram recebidas no “dobro” do orçamento disponível, pelo que o Governo entendeu ser “determinante” reforçá-lo deste modo e permitir que os agricultores “acelerem” a “transição ecológica”.
Por fim, o Executivo comprometeu-se a submeter a reprogramação do PEPAC em fevereiro para “criar novas medidas de ambiente e clima”, algo feito “a pedido dos agricultores” e em sede do acordo de médio prazo de melhoria de rendimentos. As novas medidas valerão 58 milhões de euros, disse a governante, informando que este pacote é financiado pelo Orçamento nacional sob a forma de auxílios de Estado.
Quanto às críticas dos agricultores que dizem que o apoio chega tarde, a governante revelou, em entrevista à SIC Notícias na quinta-feira, que o Governo “tem vindo [desde] há dois anos a chamar a atenção de que o Plano Estratégico que cada um dos Estados-membros apresentou não está ajustado a esta nova realidade” e não serve as necessidades do setor. Maria do Céu Antunes admitiu mesmo que espera que os protestos dos agricultores, que decorrem em vários países da Europa, ajudem a acelerar o processo.
Esta sexta-feira, a ministra da Agricultura reuniu-se com representantes dos agricultores de vários pontos do país por videoconferência. José Estêvão, representante do Movimento Cívico de Agricultores, disse que a reunião foi “positiva” e que o Governo se comprometeu a levar “respostas” para os problemas da classe a um encontro que deve decorrer já na próxima semana. Entre os temas debatidos estiveram o uso de água, medidas agroambientais e fatores de produção e respetivos custos.
No contexto europeu, a Comissão Europeia vai preparar com a presidência semestral belga do Conselho da UE uma proposta para a redução de encargos administrativos dos agricultores, que será debatida pelos ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros do bloco europeu no próximo dia 26 de fevereiro.
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