Após perder clientes para a Ásia, líder dos cadernos teme novas “rasteiras” no Mar Vermelho
Disparo dos custos fez Ancor perder contratos e volume de vendas em 2023. Produtora vila-condense de material escolar e de escritório avalia fábrica em África e acaba de entrar na Estónia e Eslovénia.
A maior fabricante portuguesa de artigos de papelaria perdeu mais de dois milhões de euros de vendas no ano passado, com a Ancor a fechar o último exercício com uma faturação de 14,2 milhões de euros. O alargamento “substancial” da diferença de custos das matérias-primas face aos concorrentes asiáticos levou à perda de “meia dúzia de operações com alguma envergadura”, com clientes de Espanha, França e Alemanha a desviarem encomendas para a Ásia.
Após esta perda “momentânea” de competitividade, a empresa de Vila do Conde prevê recuperar este ano para valores mais próximos de 2022, em torno dos 16,4 milhões de euros. Francisco Correia indica ao ECO que o diferencial de custos nestas duas geografias está agora “mais mitigado” e já é “suficientemente pequeno para os clientes preferirem trabalhar com fornecedores de proximidade na Europa”, que também garantem uma resposta mais rápida às encomendas.
Embora as vendas tenham caído em 2023, o administrador da Ancor estima uma melhoria nos resultados face ao ano anterior, que tinha sido de “forte convulsão”. Entalada entre fornecedores e clientes gigantes, a produtora nacional foi “esmagada pela subida sistemática” dos custos das matérias-primas, sem os conseguir repercutir de imediato no preço de venda. Nos últimos meses diz ter conseguido “reencontrar um equilíbrio” e, portanto, recuperar aquelas que eram as margens habituais neste negócio, com um rácio EBITDA/vendas entre 9% e 10%.
As previsões de vendas e de desempenho para 2024 apontam ainda para um cenário de estabilização, mas a crise no Mar Vermelho deve “pregar umas rasteiras”. É que os problemas de inflação em 2021 e 2022 resultaram sobretudo do desequilíbrio das cadeias de fornecimento — que voltam a ser ameaçadas com os ataques dos rebeldes houthis. O preço dos fretes marítimos disparou cerca de 300% e a cotação da pasta de papel aumentou 160 euros por tonelada só no último mês. “Estamos a falar de subidas substanciais”, reconhece Francisco Correia.
Fundada há 54 anos nas traseiras de um edifício em Cedofeita, no centro do Porto, como oficina de produtos de arquivo, a Ancor mantém esta área original, mas o segmento mais relevante é agora o escolar. Tem várias marcas próprias, como a Ancor, B’log ou Smooth, e fabrica com a insígnia de grandes clientes, como o Continente. Na fábrica situada na freguesia de Guilhabreu, o volume de produção ronda as 30 milhões de unidades por ano, que vende a grossistas e retalhistas de papelaria, e à distribuição moderna (generalista e especializada).
Ao segmento escolar e de escritório, esta empresa 100% familiar, que emprega perto de 140 pessoas, acrescentou no final de 2018 uma nova área de packaging, que já vale 10% da faturação. Funciona numa outra nave industrial com 2.000 metros quadrados, onde fabrica “embalagens para produtos de valor acrescentado”, como vinho do Porto, sapatos, jogos ou telemóveis. O grupo nortenho, um dos maiores fabricantes ibéricos de produtos de papelaria e embalagem, integra ainda uma empresa gráfica e outra dedicada ao desenvolvimento das coleções.
“Virar a página” na Estónia e Eslovénia
Mais de metade do volume de negócios da Ancor é assegurada em 30 mercados externos, com destaque para Espanha, França, Bélgica, Holanda e Marrocos. A principal novidade é a entrada na Estónia e na Eslovénia, na sequência de contactos iniciados numa feira profissional em outubro. Nestes dois países, está por estes dias a fazer as primeiras entregas da gama completa de material escolar para o próximo ano letivo, incluindo cadernos, produtos de arquivo e de secretária, mochilas e estojos.
“São dois mercados interessantes. É uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. Estamos num mercado de vendas de continuidade, em que os clientes ficam muito tempo connosco. Não procuramos distribuidores de centenas de milhares ou de milhões [de unidades], mas que estejam interessados em trabalhar as nossas marcas com alguma exclusividade”, resume Francisco Correia, que partilha com o irmão Pedro a gestão do negócio criado pelos pais. Fora da Europa, exporta para a América Latina, para o Médio Oriente e para vários países francófonos em África.
Abrir uma fábrica em África já surgiu na agenda algumas vezes e até vejo como muito possível que venha a acontecer. Não é menos despiciente que as possibilidades de consolidação na Europa. Temos coisas concretas em avaliação.
Enquanto no Velho Continente as oportunidades de consolidação têm surgido por via de ganhos de quota na sequência de falências ou da aquisição de contratos de fornecimento a outras empresas, como já concretizou em Espanha, em África tem vindo a ser “regularmente desafiada” para instalar unidades produtivas e deslocalizar parte da produção para abastecer os mercados locais. “Já surgiu na agenda algumas vezes e até vejo como muito possível que venha a acontecer. Não é menos despiciente que as possibilidades de consolidação na Europa. Este ano? You never know. Temos coisas concretas em avaliação”, adianta o gestor.
No que toca ao mercado interno, que equivale a quase metade das vendas da empresa, Francisco Correia mostra-se preocupado com a atual crise política, atestando que “esta explosão de casos, ‘casinhos’ e ‘casões’ são muito negativos para o ambiente económico” e lembrando que “a estabilidade é o melhor ingrediente” para os negócios. “Vamos esperar que as eleições [antecipadas de 10 de março] resultem numa clarificação da situação política e que a imagem do país saia melhorada. No momento da demissão [de António Costa] tivemos vários clientes a perguntar-nos o que se passava”, sentencia Francisco Correia.
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