O francês, o consórcio do português e os sauditas. Quem são os candidatos à compra da Meo?
Grupo Iliad de Xavier Niel, um consórcio que envolve António Horta Osório e a operadora estatal saudita STC são os três principais candidatos à compra dos ativos da Altice em Portugal.
Os contornos da venda da Altice Portugal são pouco claros: Patrick Drahi, dono do grupo Altice, tem gerido o processo longe dos holofotes e está a pedir 8.000 milhões a 10.000 milhões de euros pelos ativos neste mercado, escrevem as agências internacionais. Perfila-se, assim, para ser o maior negócio luso deste ano. Mas quem poderá querer comprar a dona da Meo?
Os fundos Apollo Global Management e CVC Capital Partners já terão desistido do negócio e três interessados destacam-se por continuarem na corrida: o grupo Iliad, a Saudi Telecom (STC) e um consórcio liderado pela Warburg Pincus que envolve o antigo banqueiro António Horta Osório e um investidor português que se estreou no ano passado no sigiloso Clube de Bilderberg.
Contactadas pela imprensa internacional, nenhuma das partes tem feito comentários — até porque, oficialmente, a Altice Portugal não confirma estar a trabalhar na venda. Mas os três nomes, que a Bloomberg noticiou no princípio de fevereiro terem passado à fase seguinte da venda, mostram que são possíveis sinergias com outras empresas do setor, porém, não isentas de desafios.
Um negócio que fala francês
O grupo Iliad tem um peso relevante no panorama europeu das comunicações. A sede é em França, onde opera sob a marca Free, mas também está presente noutros mercados do continente, nomeadamente Itália e Polónia. Emprega cerca de 17.400 pessoas e presta serviços a 47,8 milhões de subscritores ativos.
Em 2022, gerou receitas de 8,4 mil milhões de euros, um crescimento a dois dígitos. Ainda não apresentou os resultados do ano completo de 2023 (vai fazê-lo no próximo dia 14), mas as receitas consolidadas subiram 10,1% nos primeiros nove meses de 2023, em comparação com o ano anterior, atingindo 6,8 mil milhões. Para tal contribuíram os aumentos de 12,5% em Itália, 8,3% em França e 4,4% na Polónia.
O Iliad foi fundado nos anos 90 por Xavier Niel, que tem sido o rosto desta proposta pelos ativos da Altice Portugal, noticiada em dezembro pela Bloomberg. Niel não é só um multimilionário francês. É genro de Bernard Arnault, o dono da marca Louis Vuitton e um dos homens mais ricos do mundo. Atualmente, ocupa o cargo de chairman da companhia. Thomas Reynaud, ex-diretor-geral de telecomunicações e media da Société Génerale, é CEO desde 2018.
Niel tem ambições de expansão na Europa: já por duas vezes tentou unir esforços com a Vodafone Itália, porém, sem sucesso. Primeiro em 2022, quando apresentou uma proposta através de um consórcio que liderava. A mais recente tentativa caiu por terra já neste ano de 2024.
Nos termos da proposta revista, originalmente apresentada em dezembro, Xavier Niel pretendia constituir uma joint venture detida a meias pela Iliad e pela Vodafone. A Vodafone receberia 6,6 mil milhões de euros em cash e um empréstimo acionista de dois mil milhões, o que avaliava a Vodafone Itália em 10,45 mil milhões de euros. Por sua vez, o grupo Iliad receberia 400 milhões em cash e um empréstimo acionista de dois mil milhões, ficando o negócio em Itália avaliado em 4,25 mil milhões.
Contudo, no dia 31 de janeiro, a Vodafone recusou. “O Grupo Vodafone falhou na aceitação desta oferta. (…) O grupo Iliad está confiante de que a oferta atual era a melhor combinação possível para beneficiar o mercado italiano em dificuldades e a indústria de telecomunicações”, notou a empresa num comunicado. Entretanto, soube-se que a Vodafone está a negociar a venda em Itália aos suíços da Swisscom.
Contactada pelo ECO sobre o alegado interesse na Altice Portugal, fonte oficial disse que o grupo Iliad “não comenta rumores do mercado”.
Em Portugal, onde se perspetiva a entrada dos romenos da Digi, as empresas já estabelecidas, principalmente a Vodafone, têm sido bastante vocais ao declararem que o mercado português não tem dimensão suficiente para abarcar cinco operadoras (Meo, Nos, Vodafone, Nowo e Digi). Isso é sinónimo de consolidação, que é precisamente o que a Vodafone está a tentar fazer ao propor comprar a Nowo. Mas a operação está retida na Autoridade da Concorrência, porque a Vodafone ainda não conseguiu convencer o regulador de que tem solução para mitigar eventuais ameaças à concorrência.
A compra da Altice Portugal pela Iliad não ajudaria, diretamente, a resolver esse problema. Mas, enquanto player do setor, o grupo Iliad poderia dar nova dinâmica a um mercado que apresenta ofertas pouco diversificadas. Além disso, o ex-presidente da Anacom, João Cadete de Matos, disse em dezembro de 2023, quando ainda estava em funções, que “a Meo não tem investido ao mesmo ritmo” que a Nos e a Vodafone no 5G (as declarações foram muito criticadas pela presidente executiva da Altice Portugal, Ana Figueiredo).
Sinergias com Espanha via Médio Oriente
A Saudi Telecom (STC), liderada por Olayan Mohammed Alwetaid, também é candidata à compra dos ativos da Altice em Portugal. A empresa estatal da Arábia Saudita quer ter influência no mercado europeu e até já pôs uma estratégia em marcha, tendo comprado, no ano passado, 4,9% das ações da Telefónica em Espanha, destronando o banco BBVA e tornando-se no maior acionista. Além disso, comprou outros 5% em instrumentos derivados, mas ainda aguarda aprovação para conseguir exercer os respetivos direitos de voto.
As possíveis sinergias entre Portugal e Espanha foram notícia no país vizinho esta semana, com o jornal El Economista a sinalizar, citando fontes anónimas, que o grupo de Riade pretende “criar uma aliança ibérica na qual convergiriam os seus possíveis ativos na Altice Portugal com os da Telefónica”. O ECO já tentou chegar ao contacto da STC, mas sem sucesso.
O principal obstáculo é geopolítico. Em Espanha, a entrada da STC no capital da Telefónica foi uma operação feita em segredo e apanhou todo o mercado de surpresa. Além disso, com a STC a pretender chegar aos 9,9% dos direitos de voto na Telefónica, o Governo espanhol viu-se obrigado a intervir, anunciando depois a intenção de comprar 10% da operadora com dinheiros públicos para tentar blindar a empresa.
Em causa está a elevada importância estratégica das redes de telecomunicações numa economia cada vez mais digital. E Portugal não é exceção, com a Altice Portugal a deter importantes ativos, como o centro de dados da Covilhã, pontos de amarração de cabos submarinos ou, por exemplo, a ser a principal prestadora de serviços do SIRESP, a rede de comunicações de emergência do Estado, pela qual passa informação crítica para a segurança nacional.
Tal como em Espanha, a lei portuguesa confere algum poder de intervenção ao Governo nesta matéria e, apesar de o país estar em período de eleições legislativas, Mário Campolargo, secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, já sinalizou, sem mencionar diretamente a STC, que o Executivo português, “respeitando as normas de direito, tomará uma decisão impactante que contrarie uma compra por algum investidor que não cumpra o quadro regulamentar do quadro europeu”, afirmou ao Jornal de Negócios.
Mas a própria Comissão Europeia poderia intervir. Fonte oficial de Bruxelas recusou ao ECO “comentar sobre transações individuais”, mas lembrou que existe um regulamento em vigor sobre Investimento Direto Estrangeiro que permite “identificar e dar resposta a potenciais ameaças à segurança ou ordem pública na União Europeia que possam ser causadas por certos investimentos”.
“Os Estados-membros e a Comissão avaliam, numa lógica caso a caso, se uma aquisição específica ameaça a segurança ou a ordem pública e, se assim for, sugerem medidas apropriadas para mitigar esses riscos”, continua a fonte oficial da Comissão Europeia, ressalvando que não está excluído proibir totalmente um determinado investimento se não for possível mitigar esses riscos.
O regresso da Portugal Telecom
O alegado interesse da Warburg Pincus nos ativos de telecomunicações da Altice Portugal foi tornado público em dezembro pelo Financial Times, que noticiou uma oferta de mais de seis mil milhões de euros por este conjunto de ativos. No entanto, segundo o jornal britânico, este investidor de private equity não vai a jogo sozinho, mas sim num consórcio com outra private equity, a Zeno Partners.
Mais surpreendente foi a notícia de que António Horta Osório, ex-banqueiro português com carreira internacional, está envolvido nesse projeto, e não apenas como consultor. O FT diz que o gestor poderia mesmo assumir um papel na empresa depois da compra. A poucos dias do Natal, o Expresso avançou que o consórcio da Warburg quer toda a Altice Portugal e tem um projeto para reativar a antiga marca Portugal Telecom.
Fundada em 1966, a Warburg Pincus diz ser a “mais antiga empresa de private equity” do mundo, gerindo ativos avaliados em 83 mil milhões de dólares. Anunciou em outubro ter conseguido levantar 17,3 mil milhões de dólares em capital para um novo fundo, “apesar do ambiente desafiante para a captação de fundos pelas empresas de private equity em geral”, a maior soma da sua história.
Se conseguisse comprar a Altice Portugal, não seria o primeiro negócio da Warburg Pincus no setor das telecomunicações. Em setembro de 2021, comprou, em conjunto com a Apax Partners, a operação da T-Mobile nos Países Baixos. A transação avaliou a operadora em 5,1 mil milhões de euros, que, em 2023, mudou de nome para Odido, mantendo-se no portefólio da Warburg.
Entre as empresas de telecomunicações em que a Warburg investiu encontram-se ainda a Vero, fornecedor independente de fibra ótica com sede em São Paulo, Brasil; a Viasat, ex-Inmarsat, baseada no Reino Unido, que fornece comunicações de alta velocidade por satélite; a Community Fibre, uma rede de fibra no mercado britânico; e a Circles.Life, operadora digital da Singapura, que também está presente em Taiwan e na Austrália.
O know-how da Warburg Pincus em telecomunicações estende-se ainda à própria gestão. O co-head da Warburg Pincus na Europa é René Obermann, que ocupou o cargo de presidente executivo da Deutsche Telekom entre 2006 e 2013.
Do lado da Zeno Partners, encontramos ADN português. Duarte Moreira, de nacionalidade portuguesa e suíça, é cofundador e CEO da empresa, que gere seis fundos, não tendo sido possível apurar o montante dos ativos sob gestão.
Duarte Moreira foi um dos convidados da reunião de Bilderberg que teve lugar em maio do ano passado em Lisboa. Ocupa também cargos de gestão em vários outros negócios, incluindo o de chairman do grupo Vangest, uma empresa de moldes da Marinha Grande, que partilha com a Zeno Partners parte do Conselho de Administração.
Nas últimas semanas, alguns rumores colocam o consórcio fora da corrida. Mas, a 20 de fevereiro, fonte familiarizada com o assunto disse ao ECO que a Warburg e a Zeno continuavam na corrida, sendo apoiadas pelo UBS.
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O francês, o consórcio do português e os sauditas. Quem são os candidatos à compra da Meo?
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