Dona francesa do queijo Limiano desiste de exportar Terra Nostra e investe oito milhões em Portugal
Com 620 trabalhadores e fábricas em Vale de Cambra e São Miguel, líder de vendas com os queijos Limiano e Terra Nostra deixa cair plano para internacionalizar marca dos Açores em Itália e na China.
Vinte anos depois de entrar a 100% em Portugal através da compra da antiga LactoIbérica, o grupo Bel assegura que o foco está no crescimento do negócio do queijo no mercado nacional, que lidera com as marcas Limiano e Terra Nostra, e onde tem em curso um investimento de oito milhões de euros. Na “gaveta” ficaram os planos para internacionalizar a marca dos Açores para Itália e para a China, confirmou ao ECO o diretor-geral para a Europa do Sul & Turquia, Tayeb Mouhcine.
O porta-voz da multinacional francesa relata que a ideia de entrar nesses dois mercados com o queijo, o leite e a manteiga da Terra Nostra acabou por ser abandonada devido às “muitas limitações” encontradas. Como os elevados custos de produção, de logística e de marketing para lançar uma marca desconhecida no estrangeiro, além da falta de leite – “temos suficiente para produzir para Portugal, mas não para poder exportar”.
“Seria super difícil impor uma nova marca noutros lugares e iria custar muito dinheiro. (…). É preciso adaptar-nos à realidade. Uma coisa é o que pensamos; outra é o que os consumidores locais nos dizem sobre o produto e quais são as condições do mercado. A ideia nessa altura [em 2019] era como podíamos torná-la uma marca global e expandi-la para fora do país, mas na verdade não aconteceu”, explica o gestor da Bel para os países do Sul da Europa e Turquia, cluster em que Portugal vale 60% do negócio.
Seria super difícil impor uma nova marca noutros lugares e iria custar muito dinheiro. Uma coisa é o que pensamos; outra é o que os consumidores locais nos dizem sobre o produto e quais são as condições do mercado.
As vendas no estrangeiro representam apenas 2% do volume de negócios e são dirigidas sobretudo a França, Bélgica e Reino Unido, onde estão emigrantes portugueses. “São pequenas quantidades, que estão a crescer, mas não é realmente uma prioridade para nós. Estamos mais focados no mercado local com uma estratégia para ganhar penetração, continuar a crescer, trabalhar na transição ecológica e trazer inovação”, completa Tayeb Mouhcine.
Fundada há 150 anos, a Fromageries Bel reclama uma quota de mercado de 17% em Portugal na categoria dos queijos e detém quatro das seis marcas mais vendidas no país – além do Limiano e do Terra Nostra, importa as referências A Vaca que Ri e Babybel. Emprega atualmente 620 pessoas em duas unidades industriais e na sede em Lisboa. A fábrica da Ribeira Grande (São Miguel) tem capacidade para 13 mil toneladas e a de Vale de Cambra para cerca de 7.000 toneladas. É neste complexo do distrito de Aveiro que concentra o corte e embalamento do queijo às fatias (incluindo o açoriano), que já vale 58% do total.
“Todos os anos investimos na melhoria da eficiência ou no aumento [da produção] para satisfazer as exigências do mercado. A cada dois a três anos temos um masterplan para adaptar a capacidade à procura”, indica Tayeb Mouhcine. Em curso está um investimento de oito milhões de euros, a executar entre 2023 e 2024, que abrange também a compra de máquinas novas para as embalagens e áreas ligadas à inovação e à sustentabilidade, como a redução do desperdício ou as energias (biomassa e renováveis), com o objetivo de ter todas as fábricas “neutras em carbono” até 2025.
Implementado há oito anos com produtores dos Açores, que diz “recompensar com o pagamento de um preço mais elevado pelo leite” e que envolve temas como a certificação ou a aplicação das boas práticas em termos agrícolas, o programa “Leite de Vacas Felizes” vai ser alargado aos agricultores da região Norte do continente. E está a avançar em Portugal e França com projetos-piloto de agricultura regenerativa. “Estamos a trabalhar com eles para encontrar as melhores práticas e, mais tarde, expandi-las. É muito dinheiro e estamos a colocá-lo no que acreditamos ser importante para o futuro”, frisa o diretor-geral.
Vendas chegam aos 200 milhões. Preço do leite duplica
Na origem da subsidiária portuguesa está a fusão entre a Lacto Lusa, Lacto Lima, Lacto Açoreana, Agrolactea e Lacticínios Loreto. A Bel começou por comprar uma participação de 51% na antiga LactoIbérica e completou a aquisição a 100% em meados de 2003, já depois da polémica transferência da fábrica do queijo Limiano de Ponte de Lima para Vale de Cambra. Uma mudança que, na viragem do século, motivou até uma greve de fome por parte do então deputado do CDS e autarca Daniel Campelo, que viabilizaria depois dois Orçamentos do Estado (de 2001 e de 2002) ao governo minoritário de António Guterres, a troco de investimentos no distrito de Viana do Castelo.
Em 2023, o volume de negócios da Bel Portugal rondou os 200 milhões de euros, um crescimento de 11% que assentou “principalmente” na subida do preço, já que as quantidades vendidas caíram 4% em termos homólogos. Tayeb Mouhcine considera que, num contexto de “desafios muito grandes” como enfrentou no ano passado, sobretudo pelo disparo no preço do leite — quase duplicou em Portugal e obrigou a empresa a “adaptar-se para proteger um pouco a margem” –, estes resultados foram “uma boa conquista”.
Para 2024 perspetiva um aumento das vendas entre os 3% a 5%, notando que os preços do leite em Portugal “ainda estão bastante elevados, entre os mais altos da Europa”. “Na Europa há grandes corporações que estão a empurrar os preços para baixo. Em Portugal é muito mais difícil porque também a realidade dos agricultores é bastante difícil: conseguir que os preços atinjam um certo nível que lhes permita viver do seu trabalho e atrair as novas gerações. Temos de assegurar um equilíbrio no preço para permitir aos agricultores terem o rendimento justo e, ao mesmo tempo, conseguirmos ter os nossos produtos competitivos no mercado”, argumenta.
A multinacional trabalha com um total de 287 produtores (33 no continente e 245 nos Açores), com os quais garante estar a “trabalhar de forma diferente e transparente”, ajudando-os a serem mais produtivos e eficientes nas operações e a investirem mais em tecnologia para controlar custos. O responsável do grupo gaulês expõe que “o principal desafio para os agricultores é que estão a tentar ter mais volume, volume, volume, mas na realidade essa já não é a equação: é mais sobre qualidade e eficiência”.
A viver em Lisboa desde 2009, depois de passagens prolongadas por Espanha e pelo Egito ao serviço da multinacional francesa, Tayeb Mouhcine aponta que em cada país é preciso “encontrar a boa maneira de fazer negócios”. E “nenhum lugar é fácil”, pois todos têm a sua própria “regulamentação, administração e burocracia”. No caso concreto de Portugal, sublinha que, embora a dimensão do mercado seja reduzida, o país acaba por ser um laboratório para o grupo.
Além dos grossistas, das lojas de proximidade ou das vendas automáticas, vende sobretudo para as principais cadeias de supermercados, como o Continente, Pingo Doce, Intermarché, Lidl, Aldi ou Mercadona. Ser o “número um” na categoria de queijos significa ser “o fornecedor preferido” para essas retalhistas, abrindo portas às marcas do grupo Bel para “fazer muitas coisas com eles em termos de visibilidade, de relacionamento, de inovação ou de lançamento de produtos”.
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