Empresas lusas abrem os cordões à bolsa e partem à procura de aquisições lá fora
Sonae, Bondalti e Navigator estão a investir 1,33 mil milhões de euros em aquisições, através do lançamento de ofertas públicas de aquisição lá fora. Objetivo é diversificar e expandir o negócio.
Sonae, Bondalti e Navigator. Todas elas têm duas coisas em comum: são portuguesas e lançaram recentemente ofertas públicas de aquisição (OPA) sobre empresas cotadas noutros países. Pode não parecer grande coisa, mas estes movimentos marcam uma inversão daquilo que tem sido a história das empresas portuguesas. Em vez de alvos, as empresas nacionais surgem agora na qualidade de compradoras, apresentando-se com um cheque de 1,33 mil milhões de euros.
Depois de anos marcados pela compra de importantes empresas portuguesas e pela tomada de participações estratégicas por parte de companhias de capitais estrangeiros, em setores como a energia ou a banca, há um conjunto de empresas portuguesas que estão a liderar ofertas de aquisição no exterior. A Sonae é a empresa que está a investir mais, com mais de 850 milhões de euros em aquisições além-fronteiras.
A companhia liderada por Cláudia Azevedo tem privilegiado uma estratégia focada na diversificação do negócio, por setor e por geografia, apostando nas aquisições para aumentar as suas receitas. O primeiro – e mais valioso – negócio foi anunciado ainda em 2023 e entretanto já concluído. A empresa ficou a controlar 80,65% do capital da empresa nórdica de produtos para animais de estimação Musti, após ter prolongado o período da oferta depois de ter conseguido pouco mais de 42% das ações.
O investimento na Musti ronda os 700 milhões de euros e “representa uma das maiores operações da história” do grupo que detém o Continente. A oferta pública de aquisição (OPA) lançada sobre a Musti permitiu à empresa portuguesa entrar numa nova área de negócio – produtos para animais – e a empresa da Maia chamou três membros do conselho de administração da cotada nórdica para fazerem parte de um consórcio por si liderado com uma participação de 98%.
Esta estratégia revelou-se bem-sucedida, ainda que a empresa tenha sido forçada a abdicar de conseguir 90% do capital e tendo prolongado o prazo da oferta. A aquisição da Musti é mesmo a maior OPA protagonizada por uma empresa portuguesa lá fora pelo menos desde o início de 2010 e a segunda maior aquisição, a seguir à compra da Viesgo em Espanha pela EDP, por 2.000 milhões de euros, em 2020, segundo os dados compilados pela Dealogic.
Além da compra da Musti, a Sonae anunciou ainda em fevereiro que está a negociar, através da sua subsidiária Sparkfood, a compra de 89% do capital da francesa Diorren, empresa detentora da BCF Life Sciences, por 152 milhões de euros. A BCF é uma empresa que “produz ingredientes para a indústria de nutrição através de um processo de produção inovador apoiado nos princípios da economia circular”.
Mas não é só a empresa liderada por Cláudia Azevedo que está a negociar a compra de empresas estrangeiras. A Bondalti, a química detida pelo Grupo José de Mello, lançou este mês uma OPA sobre a totalidade do capital da Ercros. A companhia portuguesa oferece 3,60 euros por cada ação da química espanhola, o que representa um prémio de 40,6% face à cotação de fecho registada na véspera (2,56 euros), mas que está cerca de 20% abaixo do máximo de 4,80 euros fixado há menos de um ano, em abril de 2023. O negócio avalia a companhia em 329 milhões de euros.
Em comunicado, João de Mello, presidente da Bondalti, destaca que “a união com a Ercros permite formar um grupo com a dimensão e a capacidade financeira necessárias para fazer face aos desafios que a indústria química europeia enfrenta”.
A Navigator juntou-se à Sonae e à Bondalti e avançou, no final da semana passada, com uma OPA sobre a Accrol, num negócio avaliado em cerca de 149 milhões de euros, procurando expandir o seu negócio de tissue no Reino Unido com esta compra.
Contas feitas, as empresas têm reservado para estes negócios 1,33 mil milhões de euros.
OPA acordadas com administração
À exceção da oferta da Bondalti, que foi considerada “não solicitada” e “não acordada” e que parece já contar com a oposição de um dos acionistas de referência, tanto a Sonae, como a Navigator procuraram garantir o apoio do conselho da administração, uma estratégia que pode facilitar o sucesso das operações.
Além de ter integrado três membros da administração no consórcio comprador na OPA da Musti, a oferta liderada pela Sonae recolheu um parecer positivo por parte do conselho de administração, já sem os três nomes que se juntaram à empresa na oferta – Jeffrey David, presidente do conselho de administração da Musti, Johan Dettel, membro do conselho de administração, e o CEO David Rönnberg.
No caso da Navigator, a OPA tem o apoio da administração e conta já com um compromisso irrevogável de aceitação por parte do maior acionista da Accrol, a Lombard Odier Asset Management, com 28,04% do capital.
Oportunidades lá fora
Com pouca margem para crescer no mercado nacional e com os cofres com dinheiro, a alternativa das empresas portuguesas para reforçar receitas é olhar lá para fora. “O país é pequeno, portanto as perspetivas de crescimento são limitadas e a gestão das empresas cotadas é particularmente exigente com o crivo diário dos analistas e investidores (talvez a maior vantagem de se ter uma empresa cotada), o que obriga a ter equipas de gestão com um nível muito elevado”, explica António Seladas. Para o analista de ações da AS Independent Research, “as [empresas] que já criaram exposição externa deverão continuar” a crescer através de aquisições.
OPA da Navigator é mais uma aquisição de uma grande empresa portuguesa no exterior mostrando, não só a solidez financeira das mesmas, mas também o seu crescente foco internacional.
Também Pedro Barata, gestor de ações da GNB, refere que a OPA da Navigator “é mais uma aquisição de uma grande empresa portuguesa no exterior mostrando, não só a solidez financeira das mesmas, mas também o seu crescente foco internacional.
“Para a grande maioria das empresas portuguesas que integram o PSI, o mercado português é demasiado pequeno para as suas ambições e potencial pelo que a expansão internacional tem de ser vista com naturalidade“, acrescenta o mesmo gestor.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, refere que “o montante da compra de 148 milhões de euros pela Accrol é ligeiramente inferior ao ‘cash e equivalentes’ da Navigator no final de 2023“.
O país é pequeno, portanto as perspetivas de crescimento são limitadas.
Já a Sonae fechou o último ano com um free cash flow, antes de dividendos, de 187 milhões de euros, em linha com o valor do ano passado, conduzindo a uma dívida líquida consolidada de 526 milhões de euros, um recorde historicamente baixo, e a uma posição líquida de cash na holding de 69 milhões de euros, segundo adiantou a empresa na apresentação de resultados anuais.
A empresa indica ainda ter uma “posição financeira sólida ao nível dos negócios e do grupo, com um nível significativo de liquidez disponível e um perfil de maturidade da dívida confortável”.
“Existindo boas oportunidades, é normal que as empresas com liquidez avancem” para novos negócios, remata Paulo Rosa.
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