Nova ministra do Ambiente aplaudida pelo setor. Dúvidas estão no hidrogénio e matérias ambientais
Maria da Graça Carvalho é elogiada pelo setor pelo conhecimento, competência e experiência política. As dúvidas surgem na sua ação no que toca o hidrogénio verde e questões ambientais.
A escolha do novo Governo, chefiado por Luís Montenegro, para carregar a pasta do Ambiente e Energia foi Maria Graça de Carvalho. No setor da energia ao ambiente, elogiam-lhe as competências técnicas e realçam-lhe a experiência política. Mas as dúvidas surgem em relação à posição que tomará quanto ao hidrogénio verde, depois de a agora ministra já ter criticado publicamente o nível da ambição nacional, e também quanto à atenção que dará ao cabaz de assuntos ambientais, já que se tem movido sobretudo no campo da energia.
Uma escolha “excelente”, avaliam o ex-rosto da Endesa em Portugal, Nuno Ribeiro da Silva e o emblemático ex-CEO da EDP Inovação António Vidigal, que atualmente são consultores na área de Energia. Escolha “acertada”, nas palavras do presidente da Agência para a Energia (ADENE), Nelson Lage, ou uma “boa escolha”, de acordo com o antigo secretário de Estado da Energia do Governo socialista, João Galamba.
Porquê? “Conhecedora dos dossiers que vai dirigir e com uma vasta experiência em Bruxelas, indica Nelson Lage. Nuno Ribeiro da Silva, que inclusivamente foi aluno de Maria da Graça Carvalho no Instituto Superior Técnico, onde a ministra é professora catedrática, aponta “uma formação muito sólida do ponto de vista técnico e científico”, ao mesmo tempo que, em colaboração com os centros de investigação, “virou-se também para fora da academia“, para as sinergias com as empresas.
Francisco Ferreira, presidente da associação Ambientalista Zero, considera que “é uma vantagem a ministra conhecer bem aquelas que são as obrigações e prioridades europeias a vários níveis, nomeadamente nas renováveis“. O mesmo considera João Nuno Serra, presidente da ACEMEL — Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado.
"Tem os contactos em Bruxelas para defender as opções que nos são mais adequadas”
O trabalho desenvolvido pela ministra nas instituições europeias, onde acompanhou de perto políticas de transição energética e ambientais como eurodeputada do Parlamento Europeu nos últimos anos, é uma bagagem “fundamental”, do ponto de vista do agora consultor e ex-gestor da Endesa. Os Estados membros, avalia, “não podem sair muito do trilho” traçado em Bruxelas, e a agora ministra move-se “como um peixe na água” nessa matéria. António Vidigal sublinha que Graça Carvalho ” tem os contactos em Bruxelas para defender as opções que nos são mais adequadas”.
Ambiente, hidrogénio e execução: as dúvidas
Num panorama geral, espera-se uma política essencialmente de continuidade face à do Governo anterior. “Há sempre o cunho pessoal e os aspetos que tocam mais uma pessoa que outra. Mas, no fundamental, as grandes linhas da política energética e ambiental estão traçadas”, considera Nuno Ribeiro da Silva. “Parece-nos que haverá continuidade da ambição de Portugal”, entende Francisco Ferreira.
"Há sempre o cunho pessoal e os aspetos que tocam mais uma pessoa que outra. Mas, no fundamental, as grandes linhas da política energética e ambiental estão traçadas.”
No entanto, ressalva o mesmo, “talvez de forma mais cautelosa na área do hidrogénio, porque se tem expressado de forma mais cuidadosa em relação à produção e exportação por parte de Portugal”. Numa entrevista ao Jornal Económico, em Novembro, Maria Graça de Carvalho afirmou: “não gosto dos projetos de excessiva dimensão, como os das centrais solares que são muito grandes, e os projetos de hidrogénio que são de uma ambição completamente desmedida”.
Na respetiva conta de Twitter, João Galamba deixa “um reparo”: “talvez atualizar o discurso sobre h2 [hidrogénio] da @mgracacarvalho [Maria da Graça Carvalho], porque ficou parado em 2019/20. As apostas ligadas a indústria que a nova ministra defende já estão todas em curso há anos e o projeto que critica foi abandonado, também há anos”.
A eurodeputada defendeu, precisamente no Parlamento Europeu em 2021, que “o hidrogénio irá contribuir para a descarbonização, nomeadamente em processos industriais com utilização intensiva de energia e nos meios de transporte de longa distância, como o transporte marítimo ou a aviação”, mas estratégias para a energia devem “evitar saltos tecnológicos irrealistas. É arriscado apostar na utilização, em escala real, de tecnologias que ainda não foram verificadas em projetos-piloto ou de demonstração”. Um recado que estendeu, em particular, a Portugal.
Confrontados com as reticências demonstradas pela nova chefe do ministério do Ambiente em relação às centrais solares de larga escala, João Nuno Serra afirma que concorda com a visão, dependendo de onde se coloca a fasquia daquilo que é considerado larga escala. Mais de 1 gigawatt de capacidade também “não é fã”, mas centrais menores não terão um impacto relevante no ordenamento do território, entende. Francisco Ferreira também se afirma em acordo com a perspetiva da ministra. Apenas João Galamba deixa um alerta, também no Twitter: “não há descarbonização sem aceleração de todos os projetos – grandes, médios e pequenos”.
"Deixámos de ter a ênfase a ação climática, focamo-nos mais na energia, o que não deixa de ser um sinal.”
Francisco Ferreira assinala outra questão: o ministério que se apresentava como do Ambiente e da Ação Climática, passou a chamar-se “do Ambiente e da Energia”. “Deixámos de ter a ênfase a ação climática, focamo-nos mais na energia, o que não deixa de ser um sinal“, comenta.
Em paralelo, identifica vários temas “quentes” na área do ambiente, como a gestão da água e o cumprimento das metas de plano estratégico para os resíduos, que passam agora para uma ministra “que sempre esteve mais ligada à área da Energia que do Ambiente”. Nelson Lage sublinha que Maria da Graça Carvalho, que também já foi dirigente da ADENE, “tem agora um desafio maior que é a transição energética e climática”.
"A ministra será a ‘treinadora’, mas a seleção do ponta de lança, o secretário ou secretária de Estado da Energia, é fundamental para dinâmica de execução.”
“Vai ser importante perceber estrutura de secretarias de Estado para garantir acompanhamento de todos estes temas”, retoma o líder da Zero. João Nuno Serra reforça que “na área da energia é muito importante a seleção do ‘ponta de lança’. A ministra será a ‘treinadora’, mas a seleção do ponta de lança, o secretário ou secretária de Estado da Energia, é fundamental para dinâmica de execução”, indica.
O líder da ACEMEL insiste que possui “expectativas positivas” sobre a prossecução das medidas que vinham a ser implementadas pelo anterior Governo, mas espera que Maria da Graça Carvalho “tenha capacidade de fazer algo que o anterior Governo não teve: executar”.
A seu ver, na área da energia “já há muita coisa definida, que carece é de execução. Senão, corremos risco de chegar a 2030 e não concluir nem metade do que está previsto“. António Vidigal mostra-se otimista, afirmando que considera a ministra uma boa escolha numa área onde é necessário “tomar opções e assegurar operacionalidade”.
Ministra da Ciência e Ensino Superior de Durão Barroso
Natural de Beja, a nova titular das pastas do Ambiente e Energia foi relatora-principal do Regulamento de Proteção da União Contra a Manipulação do Mercado Grossista da Energia e negociadora pelo Partido Popular Europeu da Reforma do Mercado Elétrico Europeu.
Professora catedrática do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, Maria da Graça Carvalho, 68 anos, assume no seu currículo 30 anos de experiência nas áreas da energia, alterações climáticas e política de ciência, tecnologia e inovação.
Foi membro do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável.
De 2002 a 2005, Maria da Graça Carvalho foi ministra da Ciência e do Ensino Superior nos governos PSD-CDS/PP liderados por Durão Barroso (2002-2004) e Santana Lopes (2004-2005).
Posteriormente, de 2006 a 2009, foi conselheira principal do presidente da Comissão Europeia Durão Barroso nas áreas de ciência, ensino superior, inovação, investigação, energia, ambiente e alterações climáticas.
Foi ainda, entre 2014 e 2015, foi conselheira do comissário europeu para Investigação, Ciência e Inovação Carlos Moedas.
Formada em engenharia mecânica, a nova ministra do Ambiente e Energia foi condecorada em 2002 pelo Presidente Jorge Sampaio com o grau de Grande Oficial da Ordem de Instrução Pública e recebeu em 2016 o Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo, criado pelo Instituto Superior Técnico para distinguir antigas alunas que se destacaram pelas suas contribuições profissionais ou sociais. Desde 2020, preside ao conselho de administração do Instituto Francisco Sá Carneiro.
Eleita pela segunda vez eurodeputada pelo PSD nas eleições de 2019, Maria da Graça Carvalho foi membro do Parlamento Europeu pela primeira vez entre 2009 e 2014.
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