Governo forçado a ajustar programa económico às novas regras de Bruxelas
Em setembro, Montenegro terá de apresentar o novo plano orçamental de médio prazo que vai ter de respeitar os tetos de despesa determinados pela Comissão Europeia sob pena de violação das normas.
O Governo de Luís Montenegro terá de ajustar o programa económico com que ganhou as eleições às novas regras europeias de disciplina orçamental, que devem entrar em vigor no início de 2025, e que estabelecem limites à despesa que pode ser contraída em cada ano, sob pena de violar as normas comunitárias. Recorde-se que, por causa da pandemia e da inflação, os tetos de 60% do PIB para a dívida pública e de 3% do PIB para o défice estão suspensos desde 2020, devendo agora regressar no próximo ano, mas com alguma flexibilização. O ECO questionou o Governo e aguarda respostas.
O novo documento que o Executivo da Aliança Democrática (AD), coligação que junta PSD, CDS e PPM, terá de entregar à Comissão Europeia, em setembro, vai substituir o Programa de Estabilidade, que a equipa do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, ainda está obrigada a enviar, este ano, até ao final de abril, e terá a seguinte designação: “Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo”, revelou ao ECO o presidente da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), Rui Baleiras.
“Esses programas nacionais orçamentais estruturais de médio prazo serão apresentados até 20 de setembro, com base em informação que a Comissão Europeia terá de entregar até três meses antes aos Estados-membros”, indicou ainda o responsável pela entidade que apoia os deputados da comissão parlamentar de orçamento e finanças.
Será nesse novo plano que Montenegro terá de ter o cuidado de adaptar o seu plano orçamental. Já em relação ao Programa de Estabilidade (PE), Bruxelas dará diminuta relevância, não exigindo grande detalhe nas medidas de política nem no cenário macro, sabe o ECO. Para o novo Executivo, é uma folga importante, até porque o tempo é muito curto para conseguir elaborar um PE pormenorizado. “O Governo tem de entregar o PE no Parlamento até 15 de abril, já com a avaliação do Conselho das Finanças Públicas, e depois enviar para a Comissão Europeia até 30 de abril”, alerta Rui Baleiras. Antes disso, tem de enviar à Assembleia da República, a 10 de abril, o programa do Governo, que será discutido nos dois dias seguintes, a 11 e 12 de abril.
O recém-empossado ministro da Presidência, António Leitão Amaro, não garante que a data limite para o Programa de Estabilidade seja para cumprir. No final do primeiro Conselho de Ministros do novo Governo, disse, quando questionado pelos jornalistas: “Relativamente ao PE, provavelmente no próximo Conselho de Ministros já vos poderei adiantar alguma coisa sobre isso”.
Os prazos podem, aliás, ser ultrapassados. Isto é, o Governo até pode enviar o PE em maio, um mês depois, mas essa decisão pode fazer soar os alarmes em Bruxelas. Em 2022, a situação foi semelhante. O Governo de maioria absoluta socialista de António Costa, que ganhou as eleições depois da dissolução do Parlamento, provocada pelo chumbo do Orçamento do Estado, tomou posse a 30 de março. Tinha muito pouco tempo para preparar o PE e preparava-se para pedir um adiamento, mas “Bruxelas exigiu que o Governo cessante enviasse, ainda antes da tomada de posse do novo Executivo, o documento para Bruxelas”, lembrou ao ECO o, na altura, ministro das Finanças, João Leão, do segundo Governo de António Costa (2019-2022).
O antigo governante e atual membro do Tribunal de Contas Europeu recorda a tarefa que teve e mãos: “A Comissão Europeia insistiu e eu, que ainda estava em funções como ministro das Finanças, entreguei o documento, mesmo sem medidas de política e o Conselho das Finanças Púbicas até contestou”. Ou seja, Leão entregou um programa que deveria ter sido desenhado pela nova equipa das Finanças, liderada por Fernando Medina.
Para o Executivo de Montenegro, o fundamental é concentrar as agulhas não no Programa de Estabilidade, cuja avaliação será menos exigente por parte de Bruxelas, mas no novo Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo que já deve ter em conta as novas regras europeias que dão especial ênfase aos tetos de despesa.
E a chave para a definição destes planos será o índice de sustentabilidade da dívida, que será calculado por Bruxelas, e que servirá para definir o teto de despesa, o guia central nos orçamentos dos países afetados pelos planos de ajustamento. Estados-membros com dívidas acima de 90% do PIB, como é o caso de Portugal, ficam obrigados a reduzir o excesso de dívida em um ponto percentual (p.p.) por ano, durante a vigência do seu plano de diminuição de despesas nacionais de quatro anos, que pode ser alargado para sete, se o Governo negociar com Bruxelas as reformas e os investimentos que se compromete a realizar.
Fatura para o Estado pode chegar aos 9.740 milhões de euros
Os objetivos a cumprir, em cada ano, serão definidos pela introdução de um limite para a taxa de variação anual da despesa primária líquida, que engloba o valor da despesa pública total, excluindo gastos com juros, despesas extraordinárias e relacionadas com cofinanciamento de fundos europeus.
Se o Governo de Montenegro implementar as várias medidas que prometeu na campanha eleitoral, como o aumento do complemento solidário para idosos (CSI) ou o descongelamento faseado da carreira dos professores, dos cofres do Estado terão de sair 2.240 milhões de euros em despesa durante os próximos quatro anos.
Para além disso, é preciso acomodar outro tipo de despesa permanente como o aumento das pensões, das prestações sociais e dos salários da Função Pública.
“A aplicação das fórmulas legais de atualização de pensões e outras prestações exigirá mais de 1,5 mil milhões de euros em despesa em 2025; e os aumentos salariais vertidos no acordo de rendimentos exigirão também um valor superior a mil milhões de euros ao Orçamento. A estes montantes junta-se o efeito das renegociações de contratos de despesa nos vários níveis da Administração Pública decorrentes do aumento de inflação”, revelou o ministro das Finanças cessante, Fernando Medina, aquando da apresentação do saldo orçamental para 2023 de 1,2% do PIB.
Ou seja, só em pensões, subsídios e salários há já um custo estimado, para 2025, de 2,5 mil milhões de euros, que é quase 80% do excedente de 3,2 mil milhões de euros alcançado em 2023.
Depois é preciso ainda ter em conta medidas que possam encolher a receita. O programa eleitoral da AD inscreve menos 5 mil milhões de euros na arrecadação de impostos, ao longo dos próximos quatro anos, com vista a redução de IRS, IRC, do IVA para 6% para a construção e eliminação do IMT e do Imposto de Selo na compra da primeira habitação própria e permanente para jovens até aos 35 anos que não pertençam ao último escalão de IRS, isto é, que não aufiram mais de 81.199 euros brutos por ano ou 5.799,9 euros brutos mensais.
Somando tudo, entre despesa permanente, novas medidas e redução de impostos, a fatura para o Estado pode chegar aos 9.740 milhões de euros, dos quais 2,5 mil milhões terão um impacto numa base anual e os restantes 7.240 milhões serão repartidos ao longo da legislatura, até 2028.
Analisando o cenário macroeconómico com que a AD se apresentou nas eleições legislativas de 10 de março, verifica-se que o peso da despesa primária no PIB se irá manter de 2024 para 2025, em 41,3%, ou seja, não está prevista redução alguma deste indicador. Para os anos seguintes, é projetada uma diminuição deste rácio para 40,9%, em 2026, para 39,9%, em 2027, e para 39,6%, em 2028, último ano da legislatura.
Do lado da receita, os cofres públicos vão arrecadar menos dinheiro. O programa da AD estima um recuo 0,8 p.p., de 44,5% do PIB, este ano, para 43,7%, em 2025. A trajetória continuará a ser descendente, atingindo os 42,3% do PIB, em 2028. Resta saber se estas estimativas terão cabimento em Bruxelas.
No discurso da tomada de posse como primeiro-ministro, Luís Montenegro mostrou estar ciente dos desafios que tem pela frente: “Vamos cumprir as nossas promessas de desagravamento fiscal, de valorização dos salários e das pensões, de reestruturação dos serviços públicos e modernização do Estado. Mas vamos fazê-lo não à sombra da ilusão de um excedente, mas antes com a âncora de uma economia mais produtiva e competitiva e um Estado renovado e eficiente”.
Vamos cumprir as nossas promessas de desagravamento fiscal, de valorização dos salários e das pensões, de reestruturação dos serviços públicos e modernização do Estado. Mas vamos fazê-lo não à sombra da ilusão de um excedente.
“A ideia de que estamos a viver em abundância induz o país a pensar que não há necessidade de mudar estruturalmente a nossa economia e o Estado, porque afinal parece que está tudo bem. Esta ideia é perigosa, é errada e é mesmo irresponsável”, vincou.
No briefing do Conselho de Ministros do novo Governo, António Leitão Amaro, também reconheceu que “as limitações orçamentais existem”. “E exigem de todos, governantes e outros atores políticos, partidos, mas também de todo o país, de uma consciência e um sentido de cumprimento desses limites e dessa responsabilidade”, salientou o novo ministro da Presidência.
Portugal parte com vantagem para o processo negocial com Bruxelas já que conseguiu baixar a dívida pública para 99,1%, no final do ano passado. Ainda assim, são 263,1 mil milhões de euros, quase o valor do PIB que está em 266 mil milhões. Ou seja, o rácio está muito longe do limite de 60%, que corresponderia, em termos absolutos, a cerca de 160 mil milhões de euros. Para além disso, alcançou um excedente histórico em democracia de 1,2% do PIB, o que, em termos nominais, são 3,2 mil milhões de euros.
Apesar dos bons resultados, o Fórum para a Competitividade alerta que “dos 1,2% do PIB de excedente, 1% do PIB corresponde ao investimento público que tinha sido orçamentado e que não foi executado”. “Sem isto, que não é uma boa notícia, praticamente não teria havido excedente”, salienta na nota de conjuntura publicada esta quarta-feira.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Governo forçado a ajustar programa económico às novas regras de Bruxelas
{{ noCommentsLabel }}