Função Pública vai exigir aumentos salariais intercalares à nova secretária de Estado
Sindicatos temem "visão empresarial, economicista, vinda do privado" da nova titular da pasta da Administração Pública, Marisa Garrido. Querem já este ano uma revisão da atualização dos ordenados.
A nova secretária de Estado da Administração Pública, Marisa Garrido, terá de se preparar para os primeiros embates difíceis com a Função Pública, que vai reivindicar novos aumentos salariais ainda para este ano.
Além disso, os sindicatos olham com desconfiança para o currículo no privado da gestora de recursos humanos, que teve um papel em processos como a reestruturação dos CTT que levou ao despedimento de trabalhadores. Frente Comum e Fesap temem uma “visão empresarial, economicista” de Marisa Garrido, “uma desconhecida”, para os sindicatos.
Das três federações sindicais, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (Frente Comum), afeta à CGTP, e a Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), da UGT, vão exigir, já para este ano, aumentos salariais intercalares.
Antes da discussão da proposta de atualização das remunerações para 2025 “era desejável uma correção extraordinária dos salários”, disse ao ECO o secretário-geral da Fesap, José Abraão. O dirigente sindical ainda não quer materializar valores porque “a Fesap quer falar primeiro com o Governo”. De salientar que a estrutura sindical propôs para este ano um aumento de 80 euros para todos os trabalhadores.
O coordenador da Frente Comum, Sebastião Santana, mantém a proposta que já tinha apresentado ao Governo cessante de António Costa: “Desde já, exigimos um aumento intercalar de 15% com um mínimo de 150 euros para todos os trabalhadores”.
Desde já, exigimos um aumento intercalar de 15% com um mínimo de 150 euros para todos os trabalhadores.
O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), da UGT, espera que Marisa Garrido “melhore o acordo de rendimentos celebrado com o anterior Governo”, que considera “insuficiente porque não repôs o perda do poder de compra”, sinalizou ao ECO a presidente do STE, Maria Helena Rodrigues. Para este ano, a proposta de revisão salarial do STE assentava numa atualização de 8%.
Ora, os aumentos para este ano, aplicados pelo último Governo de António Costa, ficaram aquém das reivindicações dos sindicatos. Os trabalhadores do Estado tiveram direito a um impulso de 52,63 euros até aos 1.754,49 euros brutos mensais e de 3% para valores superiores.
Tratamento igual entre professores, polícias e restantes carreiras
Mas o caderno de encargos que está a ser preparado pelos sindicatos está longe de se esgotar na atualização salarial. “Houve uma série de medidas que ficaram a meio com a queda do Governo e que estão previstas no acordo plurianual até 2026 como a revisão das carreiras não revistas”, recorda José Abraão.
Neste processo estão as “carreiras dos técnicos de reinserção social, dos inspetores externos ou dos dos técnicos superiores de saúde, dos técnicos de diagnóstico e terapêutica que estão há anos à espera de ter um sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP)”, que é o instrumento que permite a progressão na carreira com a consequente valorização salarial, exemplifica.
O Governo não pode ser fraco com os fortes, com os que falam mais alto. E forte com os fracos.
E os sindicatos avisam que não vão tolerar tratamentos diferenciados entre as diferentes carreiras. “O Governo não pode ser fraco com os fortes, com os que falam mais alto, e forte com os fracos. Tem de haver equidade e justiça entre o descongelamento da carreira dos professores, a atribuição do suplemento aos polícias, mas também em relação a outras carreiras não revistas”, avisou o líder da Fesap. “A Administração Pública tem quase 750 mil trabalhadores que não são todos professores e forças de segurança”, reforçou Sebastião Santana.
Na mesma senda, a líder do STE alerta: “Se o Governo der a recuperação do tempo de serviço para os professores, também vamos querer o mesmo para todos os trabalhadores que tiveram a carreira congelada”.
Se o Governo der a recuperação do tempo de serviço para os professores, também vamos querer o mesmo para todos os trabalhadores que tiveram a carreira congelada.
Os avisos visam sobretudo o programa eleitoral com que a Aliança Democrática (AD), coligação que junta PSD, CDS e PPM, ganhou as legislativas de 10 de março e que prometia descongelar faseadamente a carreira dos professores (seis anos, seis meses e 23 dias) à razão de 20% ao ano até 2028. Existe ainda referência a um plano de motivação para os profissionais de saúde, sem detalhe. De resto, nenhuma outra carreira foi abordada em particular. Mas, em campanha, Luís Montenegro assumiu o compromisso de valorizar as forças de segurança.
A revisão do SIADAP foi outra das matérias que ficou pendurada com a queda do Governo de Costa. Ainda assim, houve alguns avanços. Caso o Executivo de Luís Montenegro mantenha os diplomas já publicados em Diário da República, o novo sistema de avaliação, que passará de bianual para anual, e que vai permitir que mais trabalhadores (60% em vez de 25%) progridam na carreira e com menos pontos (oito em vez de 10), terá os seus primeiros efeitos em 2025, o que representará um custo de 98 milhões de euros.
A partir de 2026, quando o novo sistema integrado de gestão e avaliação for totalmente implementado, abrangendo também os serviços e dirigentes e não apenas os trabalhadores, a despesa global irá ascender a 150 milhões de euros por ano, segundo contas apresentadas por Inês Ramires, secretária da Administração Pública do anterior Governo.
Desconfiança e ameaça com protestos
Todos os sindicatos partem para a mesa negocial com a nova secretária de Estado com espírito de abertura e empenhados em melhorar as condições de vida dos funcionários públicos, mas com alguma reserva tendo em conta o percurso profissional.
Até ser escolhida para a pasta da Administração Pública, que volta à tutela das Finanças ao fim de cinco anos, Marisa Garrido era vice-presidente da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, por indicação do anterior ministro da Economia, António Costa e Silva. Gestora especializada em recursos humanos, já liderou processos de reestruturação difíceis na Novabase, Secil, RTP, EMEL e CTT.
“É uma pessoa desconhecida. Da nossa parte, queremos que a secretária de Estado e o ministro das Finanças sejam portadores de grande abertura para o reforço do diálogo e da negociação coletiva. Mas esperamos que não haja uma visão empresarial, do privado, mas sim de espírito de missão“, sublinhou José Abraão. E acrescentou: “A experiência na gestão de recursos humanos é valorizável, mas a gestão de recursos humanos entre privado e público tem nuances significativas porque prestamos serviço público em áreas sociais”.
Por outro lado, José Abraão espera que o novo Executivo “cumpra ou até melhore o acordo” assinado com o anterior Governo. “Se rasgar o acordo, os trabalhadores sentir-se-iam defraudados e a rua não é só de alguns. Nesse caso, avançamos para protestos e até greves”, ameaça.
O líder da Fesap revelou ainda que vai “pedir reuniões a todos os ministros do Governo para apresentar um documento, que será aprovado pelo secretariado nacional, com todas as questões que preocupam” a federação sindical.
Para Sebastião Santana, “ter uma secretária de Estado que tem um currículo no setor privado pode não ser uma vantagem, porque pode ter uma visão muito economicista da Administração Pública, o que a Frente Comum rejeita“.
O líder sindical considera, no entanto, que “mais importante do que as pessoas são as políticas, porque a nova secretária de Estado até pode ser uma gestora muito competente”. “O mau prenúncio é sobretudo o programa da AD, que defende uma política de desvalorização da Administração Pública com o regresso das parcerias público-privadas”.
Santana indicou que “a Frente Comum já tem uma cimeira programada para 18 de abril, na qual a federação sindical irá decidir o que em fazer em termos de respostas”, antevendo que se avizinham “tempos de luta e até de uma eventual greve geral, caso se mantenha o programa da AD e as suspeitas sobre a visão economicista da secretária de Estado”.
Maria Helena Rodrigues também não conhece a secretária de Estado, mas mostra-se mais otimista. “A expectativa é que possa melhorar o acordo. Se rasgar o acordo, desde que seja para melhorar, ótimo. Vamos trabalhar para continuar o processo em curso”, afirmou a presidente do STE que vai solicitar uma reunião com Marisa Garrido.
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