Das eleições ao programa do Governo, Montenegro quer ganhar margem para negociar medidas
O Executivo não tem uma maioria estável que permita avançar com todas as promessas eleitorais. Programa para quatro anos deverá ser mais prudente para dar margem para entendimentos com PS e Chega.
Um mês depois das eleições, o programa do Governo de Luís Montenegro é aprovado esta quarta-feira em Conselho de Ministros e debatido pela Assembleia da República a 11 e 12 de abril. Pelo meio, sobrevive à moção de rejeição do PCP com a abstenção do PS. Das legislativas de 10 de março até agora, o primeiro-ministro já teve de ultrapassar vários obstáculos, que resultam de uma maioria parlamentar relativa que força a negociações com PS e Chega.
O primeiro embate de Luís Montenegro aconteceu com a eleição à quarta tentativa de José Pedro Aguiar-Branco para presidente do Parlamento, a 26 e 27 de março. O Governo da Aliança Democrática (AD), coligação liderada pelo PSD, “não privilegiou nenhum partido para a negociação” e depois acabou por ver o Chega a rejeitar o nome indicado. “No final, teve de fechar um acordo com o PS”, constata André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
Mas nem neste episódio Luís Montenegro quebrou o longo silêncio que manteve durante 22 dias, desde a noite eleitoral até à tomada de posse. E quando discursou, no final da cerimónia, que decorreu no Palácio Nacional da Ajuda, já se notou a moderação no tom do primeiro-ministro, face a uma maioria tímida obtida nas urnas. “A ideia dos cofres cheios é perigosa, é errada e é mesmo irresponsável, porque pode ser considerada uma ofensa para milhões de portugueses que vivem em dificuldades, depois porque conduz à reivindicação desmedida” e, em terceiro lugar, porque dispensa a necessidade de “mudar estruturalmente” a economia, alertou.
A ideia dos cofres cheios é perigosa, é errada e é mesmo irresponsável, porque pode ser considerada uma ofensa para milhões de portugueses que vivem em dificuldades, depois porque conduz à reivindicação desmedida.
Montenegro desafiou ainda o PS a deixar governar até ao fim da legislatura: “Significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura”.
Entre “as promessas inflamadas” da campanha eleitoral e os tempos atuais de instabilidade política, “o Governo optou por um recolhimento estratégico para decidir os próximos passos”, segundo a análise de Paula Espírito Santo, especialista em sociologia e comportamento político do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Daí o longo silêncio que Montenegro manteve desde a noite eleitoral, e que só quebrou quando tomou posse a 2 de abril.
As exceções ao silêncio do presidente do PSD deram-se à saída das duas audiências em Belém e da deslocação a Bruxelas, no dia seguinte a ser indigitado primeiro-ministro, já depois da meia-noite de 21 de março. “Transmiti ao Presidente da República que a nossa motivação é a mesma da campanha eleitoral: estamos focados nos problemas dos portugueses, na vida de cada cidadão que vive e trabalha em Portugal, respeitando a vontade do povo português de promover uma mudança de Governo, de primeiro-ministro e de políticas em Portugal”, afirmou então Montenegro.
No dia anterior, a 20 de março, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, mostrou-se disponível para viabilizar um Orçamento retificativo que venha a ser apresentado pelo Governo para a valorização das carreiras e dos salários da Função Pública. Mas o Executivo permaneceu mudo.
“O Governo está a tomar o pulso às bases, ao Orçamento do Estado em vigor, aos meios que tem para aprovar medidas”, sublinha a politóloga. Por isso, “é natural que haja alguma contenção e prudência no programa do Governo em comparação com as promessas da campanha eleitoral, para preservar espaço negocial”, indica André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
Descongelamento da carreira dos professores e descida de impostos
As grandes bandeiras da AD, que constam do programa eleitoral, passam pelo descongelamento faseado da carreira dos professores à razão de 20% ao ano, pelo aumento gradual do complemento solidário idosos (CSI) para 820 euros até 2028, pela redução do IRS e do IRC e pela aprovação de um plano de emergência para a saúde nos primeiros 60 dias do Governo para acabar com as listas de espera para consultas e cirurgias.
De uma forma geral, as medidas do programa eleitoral deverão estar plasmadas no programa do Governo, mas sem grande detalhe quanto à sua concretização para permitir entendimentos no Parlamento ou “através de um bloco central informal com o PS ou através de uma maioria de direita com o Chega”, refere André Azevedo Alves.
“Será esta a posição do Executivo, dar margem de um lado e do outro para negociar, para pressionar o PS e o Chega. O documento deverá reafirmar os principais compromissos da campanha e as orientações gerais, mas dando flexibilidade para possibilitar mais tarde a aprovação do Orçamento do Estado para 2025“, considera o especialista em Estudos Políticos.
Desafio de Pedro Nuno para acordo, mas Passos Coelho atira PSD para o Chega
Aliás, o Governo tem sido puxado para o PS e para o Chega, nos últimos tempos. O líder do PS voltou a lançar o repto a Luís Montenegro, desta feita por escrito. Na missiva dirigida ao chefe do Governo, Pedro Nuno Santos mostrou-se disponível para um acordo e elencou as condições para aprovar um Orçamento retificativo, nomeadamente no que diz respeito à valorização das carreiras e dos salários da Função Pública, “em especial dos profissionais de saúde (de todos, e não apenas dos médicos), das forças de segurança, dos oficiais de Justiça e dos professores”.
O repto de Pedro Nuno Santos é para chegar a um entendimento com o PSD no prazo de 60 dias. Montenegro saudou o “exercício de responsabilidade política e compromisso” do PS, mas, logo a seguir, esfriou o entusiasmo do líder socialista, escrevendo de volta que “o tempo e o modo de condução” dos processos negociais serão, “obviamente, definidos pelo Governo”. Ou seja, Montenegro aceitou marcar uma reunião com Pedro Nuno Santos, mas só depois das negociações com as “organizações representativas dos setores” da Administração Pública, nomeadamente profissionais de saúde, forças de segurança, oficiais de justiça e professores.
Estes possíveis entendimentos até foram bem vistos pelo ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva: “Acho a iniciativa muito boa”.
Mas o aparecimento do antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho veio puxar o PSD para o Chega e quebrar com a ideia de bloco central informal. Na apresentação do livro “Família e Identidade”, esta segunda-feira, o antigo líder do PSD sugeriu, nas entrelinhas, que é um erro manter a política do “não é não” ao Chega. “Dizer que respeitamos as pessoas, mas não respeitamos as suas opções é bocadinho um insulto. Se fizer esta escolha, daqui não leva nada. Se fizer aquela escolha, comigo não fala. Não é uma maneira urbana de construirmos um mundo melhor”, sublinhou Passos.
As palavras de Passos Coelho fizerem soar os alarmes no seio do Governo. Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiro e número dois do primeiro-ministro, recusou esta terça-feira comentar as declarações do antigo primeiro-ministro sobre uma aproximação da direita. “Aquilo em que o Governo português está focado é governar. E não, portanto, comentar a atualidade de cada dia”, afirmou. “Esta semana temos o debate do programa do Governo, é um momento fundamental, e temos de nos preservar e preparar para ele”, rematou.
Vamos lá ver se nos entendemos sobre o ‘não é não’ de Montenegro ao Chega. Isto aplicava-se a coligações com o Chega e a acordos de governação. Coisa diferente é a necessidade de diálogo com todas as forças no Parlamento.
De igual modo o novo líder da bancada do PSD, Hugo Soares, não quis comentar as declarações de Passos Coelho e insistiu que o PSD quer “dialogar com todos”, afirmou esta terça-feira depois de ter sido eleito presidente do grupo parlamentar com 98,7% dos votos. Depois quis clarificar a cerca sanitária ao Chega: “Vamos lá ver se nos entendemos sobre o ‘não é não’ de Montenegro ao Chega. Isto aplicava-se a coligações com o Chega e a acordos de governação. Coisa diferente é a necessidade de diálogo com todas as forças no Parlamento. Os portugueses lá fora não querem saber se a redução de impostos é aprovada com a abstenção do PS, Chega, Livre ou PCP”.
Será este “o caminho intermédio e difícil, de negociar com todos os partidos, que Montenegro irá trilhar”, sendo certo que há “pontos de concordância” entre PSD, PS e Chega, nomeadamente no que diz respeito “à valorização das carreiras da Função Pública”, sinaliza André Azevedo Alves.
“O programa de Governo terá de refletir essa margem negocial, pontes com PS e Chega, mostrar uma visão de retórica de que o interesse público está acima de interesses partidários”, assinala Paula Espírito Santo.
Já em relação ao plano de emergência para a Saúde, o professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), José Adelino Maltez, considera que é para avançar já. “Luís Montenegro tem de apostar tudo nestes dois meses”, continua o politólogo, “em medidas como o plano para a Saúde, que não precisa de passar pelo Parlamento, para justificar o voto nas eleições Europeias”, que, em Portugal, decorrem a 9 de junho.
O programa do XXIV Governo Constitucional vai ser entregue na Assembleia da República esta quarta-feira ao final da manhã, depois de aprovado em Conselho de Ministros. De acordo com uma nota do gabinete do primeiro-ministro, a entrega do documento ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, será feita às 11h45.
Para as 12h15, está marcada a conferência de imprensa do Conselho de Ministros, que se reunirá a partir das 9h, na residência oficial do primeiro-ministro para aprovar o documento. Este Conselho de Ministros tinha sido anunciado no sábado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, numa reunião informal que juntou todo o Governo em Óbidos, e em que disse à comunicação social que o programa já estava “muito adiantado”.
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