Fidelidade segue para a bolsa a ‘valer’ três mil milhões
A seguradora quer entrar em bolsa em 2025 e, de acordo com fontes de mercado, a companhia poderá valer entre dois mil e três mil milhões de euros. Lucros têm de subir.
Apesar da suspensão da entrada em bolsa da participada Luz Saúde, a seguradora Fidelidade mantém o objetivo de estar cotada em bolsa em 2025, garantem ao ECOSeguros duas fontes diferentes que conhecem a operação. O processo de entrada no mercado bolsista é exigente e vai consumir energia durante este ano, afirma a administração da seguradora, e a procura de interessados já começou para um valor implícito da companhia da ordem dos três mil milhões de euros.
A Fidelidade confirmou no relatório e contas de 2023 que está a preparar a dispersão do capital em bolsa em 2025, tendo já iniciado “os trabalhos necessários”. Fonte bancária, familiar ao negócio, apontou os três mil milhões de euros como o valor de referência a apresentar aos potenciais candidatos a investir, nomeadamente fundos de pensões e private equitys. Neste momento, o grupo Fosun detém 84,98% da Fidelidade, a Caixa Geral de Depósitos 15% e 0,02%, simbólicos, pertencem a atuais e antigos colaboradores.
A configuração final da distribuição do capital está em aberto, mas a intenção dos atuais acionistas é, segundo apurou o ECOseguros, manterem o controlo – e a gestão – da Fidelidade. Por esse motivo, pode ser exemplo o caso da, agora suspensa, operação Luz Saúde onde a ideia base era – e continua a ser – alienar apenas cerca de 20% dos 99% do capital que a Fidelidade detém no grupo.
Para apurar o valor de uma seguradora, existem algumas referências práticas. “No passado, uma conta de leiteira – antes de se entrar a fundo no balanço – era 12 a 16 vezes o resultado”, refere um segurador com experiência de negócio de aquisições no setor. Agora, continua, “como vimos no caso Liberty/Generali há outros fatores que torpedeiam essa regra”. Para esta fonte, “os anos da pandemia encheram os cofres de dinheiro e no caso da Liberty começou por se falar em mil milhões de euros e acabou por se concretizar por 2,3 mil milhões de euros…”
Uma das razões que um gestor da Generali indicou a ECOseguros, na altura da operação, para justificar o preço foi o balanço da Liberty. O rácio de solvência atingia 330%, quando a média das seguradoras em Portugal é 204% e já é considerada elevada. Nesse aspeto, e apesar de em 2023 ter distribuído dividendos de 220 milhões de euros aos acionistas, a agência de rating Fitch manteve a Fidelidade com uma nota A- estável e até referiu que o rating da seguradora era superior ao dos seus acionistas. Em empresas que consolidam na Fidelidade, o panorama da Fitch também foi positivo, como a sucursal de Macau, que passou de A- para A estável e no Perú foi atribuído um A estável à La Positiva.
Outro parâmetro considerado nas aquisições de seguradoras é o valor dos capitais próprios, que no final de 2023 totalizavam 2,67 mil milhões de euros. Coincide com a opinião de outra fonte do setor, muito atualizado sobre aquisições em Portugal e que, questionado sobre qual o valor da Fidelidade, aponta para um intervalo “entre dois mil e três mil milhões”.
A referência a operações mais recentes é um indicador útil. A última, com impacto europeu, foi a venda concretizada em 2023 das operações europeias da americana Liberty à italiana Generali. As primeiras indicações do negócio apontavam para um valor de mil milhões de euros, depois falou-se em 1,2 mil milhões e, na reta final, os italianos superaram a Allianz, a Axa e o Grupo Catalana Occidente, oferecendo 2,3 mil milhões de euros.
O peso na carteira do incerto – quanto a sinistralidade – ramo automóvel é significativo na Liberty, que em 2022 atingiu uma produção total de 1,2 mil milhões de euros. Com menos de 10% de receitas do ramo Vida e pouca necessidade de constituir reservas, o ativo era de 4,4 mil milhões, os seus capitais próprios de 1.067 milhões, uma autonomia financeira invulgar no setor. Os resultados líquidos, sem ganhos extraordinários, foram de 255 milhões em 2022.
“Os fundos de investimento internacionais situam o valor de referência inicial entre 5 e 8 vezes os resultados líquidos”, afirma outro segurador com muita experiência recente em aquisições no setor. Este indicador, designadamente o Price to earnings ratio (PER) é frequentemente utilizado em bolsa na análise fundamental de empresas cotadas. Compara o resultado líquido pela capitalização bolsista e conclui, se nada mudasse, o tempo em anos que demoraria o retorno de quem comprasse a ação naquele momento.
A ser assim, a Generali comprou a Liberty a um PER de 9 vezes (2,3 mil milhões de euros para 255 milhões de resultados). Na última segunda-feira, as seguradoras comparáveis com a Fidelidade tinham valores de PER compatíveis com a hipótese. Em Madrid, a Mapfre tinha um PER de 7,8 e a Occident (GCO) de 7,25. Em Bruxelas, a Ageas apresentava 6,54. Em Milão, a Unipolsai tinha um PER de 9,89, e, na Suíça, a Helvetia contava com 6,34.
Considerando a avaliação de 3.000 milhões indicada pela fonte bancária envolvida no negócio, o PER da Fidelidade seria de 16,7 vezes, acima das seguradoras comparáveis, mas próximo do PER médio das 15 maiores cotadas da bolsa de Lisboa, que na passada segunda feira era de cerca de 13 vezes. Com o valor apontado, a Fidelidade passava a ser a sexta maior empresa em capitalização bolsista na Euronext Lisboa.
Ser líder é bom, aumentar os lucros é desejável
Um dos objetivos para este ano, expresso pela comissão executiva da Fidelidade no seu último relatório e contas, é “melhorar a rentabilidade que ficou abaixo das expectativas em 2023”. O mesmo segurador que tolerava um PER entre 12 e 16, adianta que o limite máximo do intervalo atingia-se “quando a companhia tinha alguma particularidade interessante, como a Fidelidade tem. É líder incontestada do mercado”, comentou.
Esta liderança de mercado em Portugal, que pesa dois terços do negócio da Fidelidade, é única na Europa. Tem cerca de 30% de quota, quase o dobro da segunda maior, o Grupo Ageas, e quase o triplo da terceira maior, a Generali Tranquilidade. Conta para distribuição de seguros com 3.000 agentes, mais de metade exclusivos e, para vender ramo Vida, tem um acordo de bancassurance com a maior rede bancária do país, a da sua acionista CGD.
E é líder num mercado português cujo crescimento nos ramos Não Vida tem uma correlação conhecida com o crescimento do PIB, com os seguros de Vida Risco, bastante ligados ao desenvolvimento do crédito à habitação e ao consumo, e menos vulnerável aos seguros financeiros, negócio em que as seguradoras têm apenas ganhos de comissão de gestão e dos rendimentos dos investimentos realizados com o dinheiro dos segurados. E são 17,1 mil milhões de euros de ativos que tem sob gestão.
O negócio internacional já conta para 33% dos prémios da Fidelidade e dos 180 milhões de euros de resultados líquidos obtido em 2023, 80 milhões vieram de Portugal, deixando – por exclusão de partes – pressupor que 100 milhões já resultaram das unidades do grupo no estrangeiro, com especial destaque na América Latina.
“Queremos continuar a crescer internacionalmente, quer através do reforço das operações atuais, promovendo maiores sinergias e a melhoria da rentabilidade, quer mediante o acompanhamento de novas oportunidades de crescimento que possam surgir”, afirma a Comissão Executiva da Fidelidade.
Crescer lucros em 13 geografias
Presente em 13 países, a Fidelidade tem nos mercados da América Latina a sua maior base de crescimento.
No Perú, através da La Positiva, ocupa o 4º lugar do ranking local com uma quota de 13,2% do mercado e três milhões de clientes. É líder na Bolívia, com a Allianza, que representa 18,5% de quota de mercado, tem a Alianza Garantia no Paraguai e no Chile criou de raiz, em 2020, a FID que está a ser tratada, tecnológica e estrategicamente, como uma seguradora de laboratório.
Em África, com a Fidelidade Angola tem 12,4% do mercado e é a terceira maior em Moçambique, onde detém 70% da Fidelidade Ímpar e controla 15,1% do mercado. Tem ainda a Garantia em Cabo Verde e, junto do seu acionista Fosun, explora a Fidelidade Macau.
Em Portugal, desenvolve negócios através Fidelidade, Via Directa (Ok! Seguros), Multicare, Fidelidade Assistência e outras empresas especializadas. Tem forte presença no imobiliário com a Fidelidade Property e a SGOIC, e na gestão de ativos com a Tenax, em Londres, e a TPS, no Luxemburgo. E claro, tem 99% do capital da Luz Saúde, participação com valor estimado de mil milhões de euros.
Na procura da lucros, a Fidelidade apresentou uma rentabilidade de capitais próprios de 6,9% em 2023 e o seu rácio combinado baixou de 98% para 93,8% (quanto menor que 100%, melhor a rentabilidade do negócio segurador). Tem 8.700 colaboradores, dos quais 41% em Portugal. Foi considerada a 4ª melhor seguradora no mundo e segunda da Europa em ESG, num ranking estabelecido pela Morningstar Sustainalytics.
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